01-09-2016Dilma Rousseff e Getúlio Vargas: duas histórias que se confundem
Os elementos que levaram ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, nesta quarta-feira (31), trazem semelhanças profundas com a renúncia do presidente Getúlio Vargas, em 1945. Getúlio Vargas foi deposto em 29 de outubro pelos mesmos militares que o haviam levado ao poder e apoiado durante os últimos 15 anos. Tal como no cenário getulista, em que a crise do café afetou, sobretudo, a elite paulista e o presidente fez oposição à política do café com leite (a alternância de poderes entre as oligarquias São Paulo e Minas Gerais), as dificuldades econômicas de agora deterioraram a popularidade da petista, com mais força em São Paulo, reduto dos tucanos, e com sede em Minas Gerais, ninho do senador Aécio Neves (PSDB), algoz de Dilma nas eleições e um dos principais defensores da deposição da presidente. Para o cientista político Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), a ideia de impeachment, levada como ameaça e chantagem, é o elemento de similitude entre as duas figuras políticas. Tanto no caso da petista quanto do trabalhista, a crise política se acirrou no segundo governo – no segundo mandato de Dilma e no chamado segundo período varguista, quando o presidente é eleito por voto direto. “Há semelhanças, sim. O que muda é o contexto histórico: Vargas estava numa luta ideológica para que se implantasse um governo sindicalista e a direita estava mais organizada. Há, hoje, um colapso das instituições – dos partidos, do Congresso – e não há perspectiva para a direita, porque ela sequer consegue apontar uma saída”, analisa Fornazieri.
Trabalhismo O governo do PT foi o que mais promoveu uma política de valorização estável do salário mínimo, criado nos anos 1940 por Getúlio Vargas. Assim como Vargas representa para muitos diversas conquistas trabalhistas, Lula representou a valorização dos trabalhadores. Antes de Vargas, não havia salário mínimo, férias remuneradas ou carteira profissional. Os trabalhadores atuavam com péssimas condições, que afrontavam a dignidade humana. Foi Getúlio quem regulamentou todas as demandas que a classe vinha lutando há décadas. Ficava para trás um período de trabalho quase escravo e caracterizado pela desregulamentação das relações trabalhistas antes da revolução de 1930 e começava um período no qual a CLT garantia proteção social aos trabalhadores.
Ao criar a Justiça do Trabalho, em 1939, para julgar os litígios decorrentes das novas leis trabalhistas criadas desde 1930, passou-se a administrar a tensão entre trabalhadores e patrões. A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em 1943, regulou as relação trabalhistas no Brasil, estabelecendo a Carteira de Trabalho, a jornada diária máxima de 8 horas e o salário mínimo; direito a férias anuais remuneradas, descanso semanal e direito à previdência social; regulamentação do trabalho do menor e da mulher; pausa para alimentação, fiscalização contra acidentes, o adicional de insalubridade, a proibição de discriminar no emprego mulheres casadas e grávidas, a licença maternidade e a estabilidade no emprego depois de 10 anos. A CLT, claro, não agradou o patronato. Em troca, Getúlio enfrentou resistência das elites e lideranças empresariais. Em 1937, contas de Getúlio Vargas também foram rejeitadas O parecer que recomendou a rejeição das contas da então presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU) mais uma vez uniu o atual e conturbado momento político com fatos marcantes da história brasileira. A única outra vez em que o TCU rejeitou contas de um presidente foi em 1937, durante justamente o governo Getúlio Vargas, historicamente ligado às causas trabalhistas. O tribunal rejeitou as contas relativas a 1936. Na ocasião, o ministro relator do processo foi Francisco Thompson Flores. Os demais ministros acompanharam o voto do relator. Na tradicional família Thompson Flores, do Rio Grande do Sul, havia juristas e políticos ligados a partidos conservadores como Carlos Thompson Flores, filiado ao Partido Liberal - partido do período Imperial. Na ocasião da análise das contas de Getúlio Vargas, em 1937, o TCU vivia um momento de confronto com o governo. A Constituição de 1937 (conhecida como Polaca), que estava sendo elaborada e seria aprovada oito meses depois, gerava controvérsias. Além disso, denúncias de conspiração, acusações e articulações tomavam conta do cenário político.
Capa do 'JB' fala da renúncia de Vargas
Oito anos depois, sob forte pressão, Getúlio Vargas foi deposto. ========================================= Dilma Rousseff - cujo governo também era essencialmente ligado às causas trabalhistas - enfrentou igualmente um pesado momento de confronto político, e viu suas contas serem rejeitadas pelo TCU após o parecer neste sentido do relator Augusto Nardes, que em sua trajetória foi vereador pelo Arena e deputado estadual pelo PDS e pelo, o partido que deu sustentação à ditadura militar, em Santo Ângelo, entre 1973 e 1977. Foi deputado estadual pelo PDS, entre 1986 e reeleito em 1990 já pelo Partido Progressista Renovador. Em 1994 elegeu-se deputado federal, sendo reeleito em 1998 e 2002. Em 2005, a revista Veja publicou uma matéria onde relatava o processo que Nardes sofria por crime eleitoral, peculato e concussão. Reportagens dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo revelam que o Ministério Público Federal em Brasília, que comanda a Operação Zelotes, apurou indícios do envolvimento de Nardes no esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Dilma Rousseff e Getúlio Vargas: duas histórias que se confundem
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