03-08-2015Refugiados – retrato da impotência europeia Carlos Fino03/08/2015 06:11 As políticas restritivas face aos imigrantes não estão a dar resultado e a União Europeia parece impotente para traçar uma política conjunta coerente capaz de fazer face ao problema. Os repetidos incidentes da semana passada em Calais, no norte da França – em que 1500 migrantes tentaram repetidamente atravessar o canal da Mancha pelo Eurotúnel, deixando campos de refugiados improvisados para entrar na Inglaterra - trouxeram de novo para a atualidade a candente questão migratória no velho continente. As políticas restritivas face aos imigrantes não estão a dar resultado e a União Europeia parece impotente para traçar uma política conjunta coerente capaz de fazer face ao problema. Enquanto alguns países – como a Alemanha - acolhem vastas comunidades, outros levantam sérios obstáculos à entrada de imigrantes e um deles – a Hungria – está mesmo a levantar um muro ao longo da fronteira. Tudo isto numa altura em que – de acordo com o Alto Comissariados das Nações Unidas para os Refugiados, ACNUR - o deslocamento global de pessoas causado por guerras, conflitos ou perseguições atingiu novo recorde. Ao todo, são 59,5 milhões de pessoas no mundo vivendo como deslocadas internas, refugiadas ou solicitantes de refúgio, metade das quais crianças ou jovens menores de 18 anos. Os incidentes do Eurotúnel - em que já perderam a vida pelo menos dez pessoas - ocorrem escassos três meses depois do escândalo das mortes em massa no Mediterrâneo. Ainda estão vivas na memória de todos as imagens trágicas da morte de 1300 pessoas, em Abril passado, quando em menos de uma semana aí naufragaram dois barcos repletos de refugiados vindos do Norte de África e do Médio Oriente rumo à Europa. Uma situação que se tem vindo a agravar de ano para ano, com número crescente de vítimas – 500 em 2012, 600 em 2013, 3500 em 2014 e 1500 a 1750 só nos primeiros meses deste ano. O choque provocado por esses naufrágios levou a União Europeia a esboçar algumas medidas para fazer face à vaga de migração provocada por uma série de conflitos armados – da Líbia à Somália, passando pela Síria, o Afeganistão e a Eritreia. Entretanto, centradas mais na repressão ao tráfico clandestino (que as próprias proibições de entrada legal de emigrantes na Europa estimulam) do que no salvamento de vidas em perigo e no acolhimento – deixando a cada Estado a decisão de definir quantos refugiados acolher –essas medidas estão longe de corresponder à magnitude do desafio. Aliás, nem sequer foi reposto o volume de recursos anteriormente alocados só pela Itália na sua operação Mare Nostrum – nove milhões de euros por mês - que permitiu, em pouco mais de um ano, salvar a vida a muitos milhares de refugiados. Agora, a operação Triton, a cargo da agência europeia de Fronteiras Frontex, tem apenas 3 milhões de euros mensais, conta com menos pessoal e apenas um terço do número de navios – o que é um completo paradoxo. Daí que o âmbito das operações se tenha também reduzido: enquanto os navios italianos da Mare Nostrum iam até ao norte de África, os navios da Triton ficam centrados nas fronteiras marítimas sul-europeias, a alguns quilómetros da costa italiana. A ideia por trás do plano – defendida enfaticamente pelo governo conservador britânico - era a de que centrar esforços no salvamento poderia indiretamente estimular a corrente migratória. O executivo de Londres deixou bem claro que "não apoiaria nenhuma futura operação de busca e salvamento, incluindo a Triton, alegando que a ajuda iria simplesmente encorajar que mais pessoas arriscassem a travessia". (The Guardian, 27 de Outubro de 2014). Esta teoria, expressa ou tacitamente partilhada por muitos outros governos europeus, está a mostrar-se errada. A mudança de tática nas operações do Mediterrâneo – transferindo a ênfase do salvamento para a defesa das fronteiras – manifestamente não desencorajou a corrente migratória. E não deixa de haver alguma justiça no facto de os primeiros a senti-lo terem sido aqueles que mais a defenderam – os britânicos, a cuja porta de entrada batem agora de novo fragorosamente milhares de refugiados, que, pelos acordos humanitários do pós-guerra, deveriam ter direito a asilo. * Carlos Fino, jornalista português, foi enviado especial e correspondente internacional da RTP - televisão pública portuguesa - em Moscou, Bruxelas e Washington, e correspondente de guerra em diversos conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Albânia, Oriente Médio e Iraque. Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012), cidade onde atualmente reside.
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