19-07-2015AÇORIANOS EM TERRAS BRASILEIRAS Eduarda FagundesSeja por vocação ou necessidade, a emigração sempre foi uma sina na vida dos ilhéus açorianos.
Arquipélago oficialmente descoberto pelos portugueses, por volta de 1440, os Açores tiveram suas nove ilhas desabitadas paulatinamenteocupadas por portugueses do continente, madeirenses, flamengos (Brum, Bulcão, Silveiras, Dutra, Terra, Gularte ou Goulart, Rosa, Grotas) espanhóis (Bom-Dias, Arriagas,) algunsfranceses (Berquós, Bettencourt, Labat), ingleses (Currys, Streets, Whytons), judeus (Bemsaúde) e africanos (escravos), emigrados de outras partes do antigo Império Português, ou de terras que com ele tinham relações políticas de comércio, ou parentesco.
O ar salutar, o solo fértil, vulcânico, porém sujeito aos caprichos da natureza, e a paz reinante, longe dos movimentos geopolíticos que abalavam o mundo, proporcionavam ao longo do tempo um crescimento populacional gradativo que em momentos de crise frumentária e sísmica sofria com a falta de alimentos. Essas situações periódicas associadas à má política dos donatários (em geral gente da nobreza portuguesa), onde as melhores parcelas de terra eram doadas aos parentes e amigos, restando aos colonos, que com eles aportavam às ilhas, os piores nacos de terra, levavam a dificuldades de subsistência e a um desequilíbrio social deplorável, principalmente nas ilhas mais populosas. A emigração foi a solução encontrada e adoptada todos esses anos de existência ilhoa.
Para os governantes portugueses as ilhas açorianas foram uma fonte de recursos humanos que supriram as necessidades da pátria. Ocuparam espaços, desbravaram e patrulharam caminhos, defenderam fronteiras, fundaram e povoaram vilas, lutaram em frentes de guerra, foram mão-de-obra barata, silo de grãos nas boas épocas de colheita.
Pelas histórias contadas de riqueza e beleza, pela facilidade da língua, pelos amigos e parentes que lhes antecederam, os locais de eleição para imigração foram, nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, as terras brasileiras, embora o Alentejo, em grande escala, e América do Norte, em menor proporção, também tivessem sido a opção de muitos açorianos.
Nos últimos dois séculos os Estados Unidos da América e Canadá tornaram-se, pela prosperidade e oportunidades que ofereciam, os países de primeira escolha para a imigração dos ilhéus. No Havaí e em outros países menos procurados (Venezuela, Uruguai e Argentina) a passagem açoriana ficou marcada nas comunidades que fundou e nos descendentes que guardaram as suas raízes.
No Brasil chegaram com os portugueses do Continente e da Madeira como desbravadores e colonizadores para cultivar a terra, rastrear e explorar riquezas, abrir e patrulhar picadas, resguardar espaços, fundar vilas que se tornariam as futuras cidades brasileiras. Com os índios locais e negros trazidos das possessões africanas, miscigenaram-se. Na insana lida da conquista, os mais simples esqueceram raízes, porém, perseveraram na fé e nas crenças, mantiveram hábitos e costumes, legaram sua língua e cultura aos seus descendentes, participaram efectivamente na formação do povo brasileiro.
A emigração oficial sempre se dava com o apoio financeiro e material dos governos e contratantes de mão-de-obra que aguardavam no desembarque. Mas como tudo tem um preço, eles haveriam de trabalhar por muito tempo para pagar o investimento dos patrões, antes de conseguir a independência ou... a morte. Paralelamente à emigração regulamentada, havia também a clandestina, bastante numerosa, facilitada pela dificuldade de controlo das autoridades em policiar o entorno marítimo das ilhas, pelo isolamento do arquipélago, pela escuridão oportuna da noite, e pela ajuda de comandantes de navios que faziam vista grossa no intuito de auferir lucros mais adiante. Era a saída mais aventureira, onde à chegada não haveria nenhuma ajuda, só riscos e canseiras.
Nos primeiros tempos vinham poucos, esparsamente. Depois em levas mais ou menos importantes para experimentos colonizadores determinados, como em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Amapá, e finalmente em pequenos grupos familiares ou mesmo isolados para encontrar parentes ou amigos já assentados ou estabelecidos. Saídos das ilhas em barcos contratados, chegavam ao país pelos portos coloniais (Recife, Salvador, Rio de Janeiro). Em terra, migravam em diaspora, pulverizados, para os locais que lhes chamavam ou para onde eram encaminhados pelo governo. Norte (Amapá, Maranhão e Pará), nordeste (Pernambuco e Bahia), Espírito Santo, Rio,Regiões auríferas, interior paulista e mineiro, sul do Goiás, minas de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina,... Iam para onde a sorte lhes acenava.
Esperava-os a aventura da incerteza e aqueles compatriotas que lhes antecederam e que poderiam lhes dar apoio na difícil empresa de sobreviver numa terra estranha.
Oficialmente, a primeira entrada de um grupo de açorianos em solo brasileiro se deu em 1619. Foram 300 casais que vinham para se estabelecer no Maranhão após a expulsão dos franceses. Mais tarde em 1675 saíam 50 casais do Faial, vitimas do vulcão de 1672 (Praia do Norte), e que foram mantidas pela bondade do governador da ilha, Jorge Gularte Pimentel, até 1675, quando partiram para o Brasil. Chegaram ao Grão-Pará em 1676 para servir como colonos e mão de obra nas plantações daquele espaço amazónico.
Em 1679, na Graciosa, e em 1719, no Pico, novas erupções vulcânicas obrigaram os ilhéus sinistrados a emigrar para a América Portuguesa,desta vez para a Colónia de Sacramento. Embora não haja a certeza da chegada desses ilhéus, o certo é que há conhecida descendência açoriana em terras uruguaias. Em 1740, um destacamento militar formado com homens das ilhas açorianas se instalou no Amapá e fundou Macapá, sua capital. Em 1770 a fundação do Município de Mazagão se deu na origem de Mazagão Velho, quando a Coroa portuguesa mandou para lá 163 famílias de colonos portugueses cristãos, oriundos do Castelo de Mazagran, (El Djadidá) Marrocos, que se conflituaram com os mouros islamitas.
A mobilização militar também trouxe para o Brasil gente açoriana, principalmente a partir do século XVII, sob a dominação filipina. A Holanda era a maior inimiga. Em 1766 seguiram de S. Miguel para o Rio de Janeiro 400 recrutas e em 1774 a Coroa requisitava mais 600. Em 1776, foram 890. Esvaziavam as ruas de São Miguel e das outras ilhas de vadios, as cadeias de prisioneiros, de gente à toa. Ao término do tempo de serviço os soldados podiam optar por voltar ou ficar como paisanos no Brasil, com reforma. Os recrutamentos continuaram até que o decréscimo populacional quase paralisou as ilhas, em especial São Miguel, que viu em 20 anos diminuir a população em mais de 10 mil pessoas.
Fugindo do serviço militar, da miséria ou por índole aventureira, a emigração açoriana foi uma epopeia que deixou rastro por onde passou. Mesmo na actualidade, em que a emigração/imigração é um fato corriqueiro num mundo globalizado, como emigrante açoriana que sou, deixo, no país que adoptei para viver, geração luso-brasileira que há de continuar no sangue e no viver as marcas que trago do meu povo.
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