Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


09-01-2008

Novos Elementos para a História da Introdução do Cacau em África


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Blogue História Lusófona
Novos Elementos para a História da Introdução do Cacau em África

 

 

 

Novos elementos para a história da introdução do cacau em África

 

Gerhard Seibert

 

É geralmente aceite que 1822 foi o ano em que se deu a introdução do cacau (Teobrama cacao) em África, mais concretamente na ilha do Príncipe. A primeira fonte desta data é o livro Ensaios sobre a Estatística das Possessões Portuguesas no Ultramar, de José Joaquim Lopes de Lima (1844-1862).[i] Outros autores portugueses de século XIX copiaram esta data nos seus livros, entre os quais o governador Vicente Pinheiro em As Ilhas de São Tomé e Príncipe (1884)[ii], Manuel Ferreira Ribeiro em A Província de S.Thomé e Príncipe e Suas Dependências (1877)[iii], A. F. Nogueira em A Ilha de S.Thomé. A Questão Bancária no Ultramar (1893)[iv] e António Lobo de Almada Negreiros em História Ethnográphica da Ilha de S.Thomé (1895).[v] 

 

   Colheita de Cacau. Foto de G. Seibert

 

A data é também consensual em todos os livros posteriores sobre São Tomé e Príncipe e sobre o cacau, entre as quais as obras de autores ligados à ex-Junta das Investigações do Ultramar e do IICT, nomeadamente São Tomé e Príncipe e a Cultura do Café, de Hélder Lains e Silva (1958) [vi], A Ilha de São Tomé, de Francisco Tenreiro (1961)[vii] e A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses, de José E. Mendes Ferrão (2ª edição 1993).[viii] Além disso, é igualmente aceite por autores britânicos e são-tomenses contemporâneos, nomeadamente Tony Hodges & Malyn Newitt, em São Tomé and Príncipe. From Plantation Colony to Microstate (1988)[ix], William Clarence-Smith, em Cocoa and Chocolate, 1765-1914 (2000), Carlos Espírito Santo, em Enciclopédia Fundamental de São Tomé e Príncipe (2001)[x] e Carlos Neves & Maria Nazaré de Ceita, em História de S.Tomé e Príncipe. Breve Síntese (2004).[xi] Também no meu livro Camaradas, Clientes e Compadres. Colonialismo, Socialismo e Democratização em São Tomé e Príncipe (2001) repito a data originária de Lopes de Lima.[xii]
 
A introdução do cacaueiro é atribuída a José Ferreira Gomes (1781-1837), nascido no Brasil, proprietário de navios negreiros e juiz supremo do arquipélago, que o teria trazido do Brasil para o Príncipe, onde o usou meramente como planta ornamental na sua roça Cima-ló. Ferreira Gomes era o primeiro marido de Maria Correia Salema (1788-1861), a lendária “princesa negra” do Príncipe, na altura a pessoa mais rica da ilha.[xiii] Numa das suas pequenas salas, também o Museu Nacional de São Tomé e Príncipe, comemora Ferreira Gomes como introdutor do cacaueiro.
 

A própria produção de cacau no Príncipe teria começado mais tarde, mas não se sabe quando exactamente. De 1859 a 1861 o Príncipe produzia uma média de 163 t de cacau, enquanto São Tomé produzia ainda exclusivamente café. No ano económico de 1877/1878 a exportação de cacau de São Tomé (242 t) já ultrapassou a do Príncipe (211 t).[xiv] O verdadeiro pioneiro da produção do cacau em São Tomé foi o afilhado de Gomes, o ex-militar e antigo traficante de escravos João Maria de Sousa e Almeida (1816-1869)[xv], nascido no Príncipe como descendente de uma família mulata rica, da Baía, que tinha vindo para o Príncipe no fim do século XVIII. Por volta de 1855 ele começou a cultura do cacau na ilha de São Tomé. Em 1868, o rei galardoou o bem sucedido plantador com o título de 1º Barão de Água-Izé, o nome da sua maior roça na Praia Rei em São Tomé.[xvi]

 

  João Maria de Sousa e Almeida, 1º Barão de Água-Izé (1816-1869) in  Amândio César (1968) Presença do arquipélago de S.Tomé e Príncipe na Moderna Cultura Portuguesa. S. Tomé, Câmara Municipal.

 

Contudo, existe um documento no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) em Lisboa que põe em causa a data de 1822.[xvii] Trata-se de uma carta de João Baptista da Silva Lagos, datada de 30 de Novembro de 1821 ao rei D. João VI, em que relata que, em cumprimento ao aviso do monarca de 30 de Outubro de 1819, “ultimamente levei da Baía caixotes de pequenos árvores de cacau para estas ilhas, que fiz plantar, para distribuir pelos lavradores. Passei pessoalmente a reconhecer o terreno, e assinalando o para a plantação das árvores do cacau…A recente plantação destas árvores, que tenho executado nestas ilhas, redunda em proveito dos Reais Direitos e os seus habitantes tiram grandes lucros, por serem géneros, que convidam o negócio mercantil, e ser a agricultura a coisa que importa mais ao Estado por ser profissão necessária”. Silva Lagos, que fora capitão-mor (1788-1799) e governador (1799-1802) do arquipélago, prossegue: “Levei em minha companhia José Manuel Ferreira, sargento-mor da praça da ilha de S.Thomé, por ter conhecimento da agricultura, e terreno... determinando-lhe ir uma, ou duas vezes em cada mês passar revista a plantação, animando a agricultura e a indústria; por que estes povos gostam de recolher logo o fruto, e lhe custa esperar alguns anos na espera do fruto”.
 
Possivelmente o primeiro que se refere ao ano de 1819 e Silva Lagos relativamente à introdução do cacau nas ilhas foi José de Queiroz num pequeno artigo Páginas da História de S.Tomé e Príncipe. O Café e o Cacau: A Formação da Grande Roça, publicado pela Sociedade de Geografia de Lisboa em 1995.[xviii] Contudo, o autor não indica a fonte da sua informação. Baseando-se neste artigo, José E. Mendes Ferrão incluiu os novos dados sobre a introdução do cacaueiro nas ilhas na 3ª edição da sua obra A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses (2005).[xix]
 

Independentemente de Queiroz, o historiador norte-americano Timothy Walker (University of Massachusetts, Dartmouth) encontrou a referida carta de Silva Lagos quando fez pesquisa no AHU no verão de 2005. Refere-se a introdução do cacau por Silva Lagos no seu artigo Slave Labor and Chocolate in Brazil: The Culture of Cocoa Plantations in Amazonia and Bahia (17th-19th Century)[xx], a primeira publicação em inglês que toma em consideração a nova data da chegada do cacau a São Tomé e Príncipe.

 Retrato de João Baptista Silva de Lagos. Museu Nacional. S.Tomé.Foto de Timothy Walker

 
À luz da carta de 30 de Novembro de 1821 podemos concluir que o cacaueiro foi introduzido no arquipélago antes de 1822, possivelmente em 1820, por João Baptista da Silva Lagos, o mesmo que já tinha introduzido o café a partir do Brasil nas ilhas, em 1787.[xxi] Além disso, o cacaueiro foi logo plantado como cultura de rendimento e não utilizado como planta ornamental durante anos numa roça até que se descobrisse o seu valor económico.
 
 
 
 

[i]Vol. II-1, p. 10. Devo esta informação a William Clarence-Smith, da School of Oriental and African Studies (SOAS) em Londres.
[ii] p. 83.
[iii] p. 587.
[iv] p. 60.
[v] p. 95.
[vi] p. 102.
[vii] p. 78
[viii] p. 80. Contudo, este autor admite que “Muito embora esteja geralmente aceite o ano de 1822 como o da introdução do cacaueiro na ilha do Príncipe….Não existem dados precisos nem da introdução do cacaueiro na vizinha ilha de S.Tomé, nem do início da cultura em qualquer das ilhas.”
[ix] p. 28.
[x] p. 108.
[xi] p. 80.
[xii] p. 47.
[xiii] José Brandão Pereira de Melo, A Princesa Negra do Príncipe (1788-1861), Lisboa: Agência Geral das Colónias 1944.
[xiv] Lains e Silva 1958: 103. A primazia do Príncipe não é aceite por todos os autores.
[xv] De 1834 a 1843 era traficante de escravos em Benguela. Em 1839 participou activamente na repressão da revolta do Dombe Grande no distrito de Benguela.
[xvi] Amândio César, O 1.º Barão d’Água-Izé. Lisboa: Agência-Geral do Ultramar 1969.
[xvii] AHU, S.Tomé, Cx. 54, doc. 15. Cláudio Corallo, agrónomo e chocolateiro italiano que, desde 1997, produz café e cacau em São Tomé e Príncipe deu-me uma cópia da carta quando visitei a sua fábrica de chocolate em 30 de Outubro de 2007.
[xviii] Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, série 113, n.ºs 1-12, 1995, pp.193-204. Devo esta informação a José E. Mendes Ferrão. Curiosamente o artigo de Queiroz não tem bibliografia.
[xix] p. 104. Ver também o catálogo da exposição As Plantas na Primeira Globalização, de José E. Mendes Ferrão, Lisboa: IICT 2007, p. 15.
[xx] Food & Foodways 15 (2007): 75-106, p. 100.
[xxi] Carlos Agostinho das Neves, S.Tomé e Príncipe na Segunda Metade do Séc. XVIII. Funchal: Região Autónoma da Madeira 1989, pp. 395-396. Arlindo Manuel Caldeira, Mulheres, Sexualidade e Casamento no Arquipélago de S.Tomé e Príncipe (Séculos XV a XVIII). Lisboa 1997, p. 29. Embora documentada, esta data da introdução do café nas ilhas não é consensual. Frequentemente encontra-se também o ano de 1800.
2008-01-03


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