06-07-2016O musseque não é problema, é parte da soluçãoO responsável em Angola do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat), Thomaz Ramalho, levanta as grandes questões do desenvolvimento urbanístico do país.Por Saymon Nascimento (texto), Ampe Rogério (fotos). AddThis Sharing Buttons 89 Thomaz Ramalho[ Ampe Rogério/RA ] RELACIONADAS Isabel dos Santos convida 600 para o Brasil•Deputados investigam empréstimos a Angola•Djalma e Geraldo, os sonhos proibidos do Petro de Luanda•Guterres define-se como “velho amigo de Angola”•Peritos da UNSAC elegem Gabão para acolher próxima reunião•
O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat) reabriu no fim de Outubro do ano passado o seu escritório no país, cuja responsabilidade ficou a cargo do arquitecto brasileiro Thomaz Ramalho. É a sua segunda temporada em Angola, onde trabalhou a partir de 2006 nos quadros do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e posteriormente também como professor universitário. Ramalho, 35, nunca teve uma viatura própria na vida e faz questão de deixar claro que gosta mesmo é de andar nas ruas, local que considera fundamental para a formação do cidadão. Quis mesmo que essa entrevista fosse realizada numa praça do bairro do Miramar, mas uma estava fechada com grades e outra estava cheia de lixo, e acabou por falar ao Rede Angola no apartamento onde vive, no mesmo bairro. Na conversa transcrita a seguir, Ramalho aborda questões técnicas sobre o estado da habitação em Angola e aponta os principais desafios para a gestão de uma Luanda mais harmónica, humana e voltada para o bem-estar do cidadão.
Porque o escritório do UN-Habitat foi reaberto em Angola?Esse escritório existiu na década de 90 com o apoio sueco (a Suécia e a Noruega são os grandes patrocinadores da nossa sede), mas o seu trabalho ficou comprometido com o retorno da guerra após as eleições de 1992, e o projecto fechou aqui. No entanto, a relação de Angola com a questão do desenvolvimento urbano e da habitação sempre foi muito sólida, e o engajamento que Angola tem com o UN-Habitat é bem interessante. Angola faz parte do nosso conselho de governação, e também investe um grande percentual do seu PIB em habitação e urbanização. O Programa Nacional de Urbanismo e Habitação (PNUH) que é exemplo para outros países, em termos de volume e de escala.
E como é a relação hoje?O interesse de Angola é na nossa assistência técnica. Em 2011 houve um acordo de cooperação entre Angola e o UN-Habitat para a criação de um escritório, mas demorou de haver a contribuição financeira. O governo, que nos financiou para virmos, por meio do Ministério da Habitação e Urbanismo (MINHUA), tinham então uma demanda específica: produzir uma política nacional ligada ao desenvolvimento urbano. Hoje em dia trata-se da Política Nacional de Ordenamento do Território e Urbanismo, que estamos a ajudar a desenvolver agora. Além disso, pretendemos trabalhar em parceria com as instituições angolanas em outros projectos relacionados à gestão de resíduos sólidos e a regiões específicas da cidade, como a Baixa.
Já há uma linha-mestra dessa política?Estamos numa fase muito adiantada do diagnóstico e sabemos que essa política pode ser dividida em três áreas: a questão legal-jurídica, o quadro institucional e a estratégia sócio-económica-espacial. Em relação ao quadro jurídico, existe uma lei-base, que é a Lei de Ordenamento do Território e Urbanismo, que foi feita em 2004. Hoje existe uma comissão para revisão dessa lei, ou seja, há uma complicação. Estamos a fazer uma política cuja base é uma lei que está a ser revista. Isto nos leva à segunda questão, institucional. Há uma sobreposição de instituições com atribuições muito parecidas. Houve uma tendência, no Governo de Reconciliação Nacional, em 2002, de que o Ordenamento do Território e o Urbanismo ficassem juntos. Antes, o Instituto Nacional de Ordenamento do Território estava no Ministério do Planeamento, e foi naquele momento para um ministério novo, o Ministério do Urbanismo e Ambiente. Naquele momento Urbanismo e Ordenamento do Território estavam juntos. No entanto, há a tradição socialista de fazer planeamento físico e planeamento sócio-económico juntos, e hoje, há o Ministério do Planeamento e Desenvolvimento Territorial (MPDT). O Ministério do Planeamento entende que o Ordenamento do Território é também sua atribuição. O MINUHA (que antes era Urbanismo e Ambiente, depois Urbanismo e Construção, tendo um vice-ministro para Ordenamento do Território) tem um secretário de Estado de Urbanismo e um de Habitação. Em 2012, a coisa ficou na penumbra, e se criou um Plano Nacional de Ordenamento do Território que é da responsabilidade do MPDT, e não do MINUHA. Enfim, há um imbróglio interministerial que tem que ser resolvido, no sentido de que os ministérios passem a colaborar mais estreitamente pelo bem do pais.
E quanto à estratégia sócio-económica e espacial?Basicamente o que a Política Nacional quer é ter uma visão clara de onde devem ser os investimentos no país, que tipo de investimento, e qual o papel da urbanização no desenvolvimento territorial. Há hoje uma clareza nossa, do UN-Habitat, de que a urbanização é algo que influencia o desenvolvimento económico dos países. Estamos convencidos de que a cidade pode gerar a sua própria riqueza para o desenvolvimento urbano. Um exemplo: o direito de superfície é outorgado onerosamente, ou seja, as pessoas pagam para poder construir. O que acontece é que os pagamentos, não só em Angola, mas no mundo inteiro, não são o que deveriam ser. Muito do lucro baseia-se numa mudança de legislação que faz com que, por exemplo, uma terra que era rural passe a ser considerada urbana, e isso valoriza um terreno por si só. Assim, nessa terra urbana, em vez de se construir uma casinha, se constrói um prédio de 30 andares e essa mais-valia fica para o dono do terreno, que, na verdade não tem nada a ver com aquela valorização. Além disso, a valorização do território vem do investimento de infra-estrutura, que o proprietário não fez, e sim o Estado, o município. Há portanto uma privatização dos benefícios pelos donos do terreno. Vários países têm actuado para que as suas próprias cidades possam se financiar. As próprias construções da Baixa, ou de Talatona podem financiar a urbanização daquelas áreas e das áreas periféricas. Há espaço para isso.
A sua proposta é ter mais impostos?Há duas maneiras de taxar os cidadãos. Uma é taxar por meio de impostos prediais, por exemplo, quem comprou um apartamento; outra maneira é taxar o empreendedor. A nossa ênfase não é no cidadão comum, que sim, tem de pagar alguma coisa, mas a grande mais-valia e a grande riqueza da cidade, que não é extraída, que é privatizada e não serve para o benefício público, está em taxar o grande empreendedor. Perdeu-se a oportunidade para os projectos antigos, mas isso pode ser feito em empreendimentos novos.
Isso pode reduzir também a especulação imobiliária, não?No meu percurso quotidiano pela cidade, passo por pelo menos oito prédios sub-utilizados, e isso acontece porque não se paga imposto por manter essas propriedades fechadas. Se a pessoa paga imposto, no mínimo a pessoa vai querer ocupar o lugar. A ideia é termos um imposto predial urbano progressivo. Se o imóvel está fechado, o proprietário paga um percentagem sobre o valor total; se o imóvel está arrendado, a percentagem é sobre o valor da renda. Isto faz com que valha a pena arrendar, e a preço justo. Isso já existe na lei, mas ainda não é aplicado. É preciso criar outros instrumentos, especificamente um sistema tributário consolidado. Assim, pode-se fazer valer a função social das propriedades, para que não fiquem fechadas com pessoas a precisarem de habitação, sem poderem arrendar devido a preços abusivos. Os impostos podem ajudar a diminuir a especulação imobiliária, em todos os aspectos.
O arquitecto defende taxar grandes empreendedores
De qualquer jeito a situação já foi bem pior.O governo, desde 2008, produziu muita habitação, e alterou o mercado imobiliário decisivamente, acabou por regular os preços com o aumento da oferta. Claro que projectos como as centralidades poderiam estar mais perto do centro, melhor conectadas via transporte público. Isso se pode discutir, mas o facto é que o governo tomou uma acção decisiva que permitiu à camada jovem ter acesso à habitação. Os jovens angolanos de classe média hoje conseguem ter acesso à habitação mais rapidamente do que jovens brasileiros ou europeus. Com menos de 30 anos já adquiriram o seu imóvel, porque participaram dessa leva do Kilamba. Antes isso era impossível porque Angola não tinha um sistema de financiamento imobiliário. Na verdade esse sistema ainda precisa de ser trabalhado, porque é muito complexo garantir a seguridade da renda resolúvel. O resultado é que os apartamentos acabam sendo direccionados para a função pública ou para pessoas que trabalham em bancos e empresas sólidas. O mercado só é funcional com produção sustentada de moradia e condições de financiamento.
Ainda assim, não houve uma prioridade equivocada? Em vez de resolver esse problema de habitação da classe média, não seria o caso de resolver problemas de gente que mora em condições insalubres, em lugares onde a habitação é uma questão de saúde pública?Estive aqui em 2006 pelo PNUD, e na altura a cidade do Kilamba tinha o nome de “Kilamba Kiaxi Social Housing Project”, ou seja, era um projecto de habitação social, como o Zango. No entanto, quando se cogitou tecnicamente como resolver o problema da habitação, pensaram em T3, T4 e T5, habitações que não são de interesse social em nenhum lugar do mundo, e que aqui não tinha como ser. Isso ocorreu porque o Kilamba era aquele produto imobiliário adequado a um público-alvo de classe média, e não os mais pobres. E é natural que uma camada que exerce mais pressão política, mais consciente dos seus direitos e que tem mais acesso à informação e ao sistema legal, ao não ter sido atendida pelo mercado e ao perceber a existência de um produto que não tinha sido feito exactamente para ela, mas que surgiu e que resolve as suas necessidades, é óbvio que isso vai acontecer: essa camada vai tomar o projecto, como a classe média tomou o Kilamba. O Kilamba teve um problema técnico de erro de padrão da construção e de público-alvo, que gerou uma questão impossível de resolver. Seria impossível para um governo chegar para a sua classe média e dizer: “Temos habitação, mas agora esperem, continuem a comprar apartamentos de USD 1 milhão porque o Kilamba é para a malta que está na Chicala”. Não podemos ser ingénuos.
E como atender essa camada de classe mais baixa?Há duas hipóteses para uma pessoa que vive em condições assim, com baixíssima capacidade de poupança. Uma é uma habitação que o estado consegue subsidiar em escala, pequena, com melhor padrão, e incremental, e que dê possibilidade de expansão. Tem que ser esse tipo de padrão. O Zango se encaixa muito melhor nessa ideia do que o Kilamba, apesar de estar muito distante do centro, o que cria outro problema, uma questão social. Ainda assim, o Zango também ocasionou uma demanda de uma classe média mais baixa do que a do Kilamba, que acabou por ir para lá. A segunda hipótese é a autoconstrução dirigida, ou seja, o Estado dá assistência técnica, alguns projectos-padrão e um banco de materiais para as pessoas fazerem a própria casa ou melhorarem.
Porque isso não ocorreu até agora?O Programa Nacional de Urbanismo e Habitação é bem desenhado, prevê uma maior parte das habitações no sistema de autoconstrução dirigida, mas o foco do PNUH até agora foi na produção pública de habitação. Em relação à produção habitacional para classe média, o problema é que não há um sistema de financiamento montado porque não há leis que assegurem aos bancos de que as pessoas vão pagar. Não há capacidade de cobrança, e o banco não consegue ter garantias.
Como avalia o impacto das centralidades na cidade? Embora haja construções mistas, com comércio e habitação, é difícil levar uma vida sem viatura no Kilamba. Como avalia urbanisticamente os projectos das centralidades?O primeiro impacto que já foi notado é que isso causou uma expansão da mancha urbana de Luanda, que praticamente dobrou de 2007 a 2014. Este é um tipo de desenvolvimento urbano mais custoso do que um crescimento compacto da cidade, que deve ter mais densidade. No entanto, o que causou essa solução das centralidades afastadas foram as ocupações informais que havia entre o casco urbano e até à área da Via Expressa. O governo optou então por fazer estes projectos como futuros centros, digamos. Avaliação nossa: as centralidades, comparadas a boa parte de Luanda, têm um nível de qualidade de vida muito melhor. Você tem razão ao dizer que mesmo sendo verticalizada, na Cidade do Kilamba cabe maior densidade, cabe construir mais. Por mais que seja vertical, não há a densidade suficiente que a gente vê por exemplo no Maculusso, com gente a andar na rua. No Kilamba há ainda bastante espraiamento, mas se você vir o plano da cidade, já há uma previsão de se ocupar mais alguns lugares da centralidade. Creio que quando a Cidade do Kilamba estiver toda ocupada, possa vir a chegar a uma densidadade mais favorável à vitalidade urbana. Hoje ela não é favorável. A grande questão é que, por mais que a cidade possa ter vários tipos de padrões – mais densa, menos densa, com mais ou menos automóveis – o facto é de que é preciso uma densidade mínima em certos lugares para que faça sentido ter um transporte de massa. Isso é o que falta.
Para Thomaz Ramalho, será impossível prescindir dos candongueiros a curto e médio prazo
Como fazer isso?O mais importante agora, para Luanda, é conectar as centralidades, e para o transporte fazer sentido tem que haver densidade populacional no caminho também. Não adianta construir um sistema de BRT (Bus Rapid System, sistema de vias exclusivas para autocarros em construção actualmente em Luanda) com densidade apenas na partida e na chegada. É preciso densidade no fluxo inteiro para o sistema poder ser aproveitado. Do contrário, o autocarro vai partir cheio e chegar ao destino final cheio, o que não é viável financeiramente, já que são menos viagens pagas. É preciso levar os benefícios existentes nos centros para toda a cidade, e você espalha isso através do transporte público, que democratiza o acesso a esses centros e cria transformação.
O senhor defende o transporte informal como parte do modelo para Luanda.Qual é a visão de longo prazo? É o transporte formal, com eixos ou, como dizemos, “troncos”, como o metro, ligados a sistemas de BRT que os alimentam. Os autocarros do BRT por sua vez estarão ligados a um sistema alimentador de microautocarros, e de autocarros “interbairros”. No entanto, no curto e no médio prazo, é óbvio que as candongas vão ter que ser inseridas, a sua função pode ser a de alimentadoras desses troncos principais, num sistema misto, formal e informal. O problema de Luanda é que hoje não há densidade populacional o suficiente para um metro. O sistema de transporte deve ser pensado, então, progressivamente. Define-se por exemplo já a estrutura de um sistema de transporte por trilhos, mas operado inicialmente por autocarros, com uma evolução de acordo com a capacidade: de autocarro para autocarro biarticulado, depois VLT (veículo leve sobre trilhos, um sistema de metro de menor escala) e depois o metro. Essa evolução ocorre de acordo com a mudança do uso do solo em torno desses troncos. As regiões se tornam mais verticais, aumenta a densidade populacional e, assim, a demanda por transporte.
Numa palestra recente, disse que a informalidade na verdade é parte da solução, não só para o transporte.O desenvolvimento urbano de Luanda e das outras cidades de Angola não conseguirá fugir da informalidade no curto e no médio prazo, e é preciso entender isso. A informalidade não é a solução de longo prazo, mas tem que ser aceita como parte da solução. O musseque não é problema, é parte da solução. Se as pessoas que estão no musseque não estivessem lá, estariam onde? Se não estivessem a usar o candongueiro, como se deslocariam na cidade? As pessoas recorrem à informalidade porque os mecanismos formais não conseguiram atendê-la, por diversos factores. Um deles é a baixa capacidade de poupança, no caso da habitação. No caso do transporte, o próprio tecido urbano de Luanda, por exemplo. Nas ruas de Luanda os autocarros duram pouquíssimo, ao contrário dos Hiace, que são menores e cabem nas ruas.
Como o UN-Habitat observa a questão das remoções e reapropriações de pessoas em Angola? É um problema que tem causado até convulsão social, especialmente da maneira que é feita.As remoções nem sempre são evitáveis, especialmente quando se trata por exemplo de áreas insalubres, onde há questões de saúde pública. De qualquer jeito, as remoções são sempre algo traumático e devem ser evitadas ao máximo, isso está na Agenda Habitat definida pelos países, incluindo Angola, que a construíram em 1996. Não é só a minha visão pessoal, e sim a visão do mandato que os governos deram à minha organização. Quando as remoções tiverem mesmo de ocorrer, a nossa recomendação é que devem ser executadas de forma participativa. Óbvio que não será possível agradar a todos, mas todos devem participar. E às vezes as remoções devem mesmo ser feitas, por exemplo para que se possa construir infra-estruturas de que a cidade precisa. São duas questões: se por um lado há o interesse individual de um conjunto de pessoas de permanecer no mesmo local, há o interesse colectivo. No entanto, as pessoas removidas também devem beneficiar desse investimento e devem ser removidas para locais próximos.
Ramalho afirma que as remoções devem ser feitas de forma participativa
Esse critério da proximidade não tem sido respeitado.Não acompanhei as remoções, mas o que posso dizer, a partir de agora, é que já existe um stock de terra entre as novas centralidades e a cidade que podem ser pensadas estrategicamente para novas infra-estruturas de habitação. A lei de terras em Angola é bastante progressista. A terra é do Estado. A outorga da terra está condicionada ao uso adequado dela. Você recebe o direito de superfície para desenvolver algo, mas se não desenvolve num prazo de tempo, o Estado pode tomar aquela terra. Assim, digamos essas remoções futuras podem ser feitas para locais mais adequados do que as que já foram feitas. As infra-estruturas nesses locais podem não estar prontas, mas quando as pessoas sabem que não estão mais na ponta da cidade e sim no meio, e que está a ser feito um investimento, elas vão ter muito mais boa vontade. Isto acontece hoje no Zango, que já tem uma certa vida. Não acompanhei as remoções, mas quem vai a certos locais do Zango hoje fica surpreso. Há comércio, casas modificadas, alguma dinâmica imobiliária.
Existem hoje muitos projectos em construção em Luanda que parecem cada vez mais pregar a segregação, não só no que se refere à habitação, mas também ao comércio. Além dos condomínios, Luanda hoje vive uma explosão de projectos de centros comerciais, por exemplo. O que pensa a respeito?O espaço público tem uma função primordial na cidade, de mediar as relações entre os diferentes estratos sociais e os diferentes perfis de habitante. É o espaço no qual as pessoas são obrigadas a intermediar os conflitos, o que é um processo didáctico fundamental para se formar o cidadão. O cidadão só é formado quando é obrigado a mediar conflitos com os outros, porque percebe onde termina os seus direitos. No espaço público a lei vale para todos, o que não acontece dentro dos muros dos condomínios. Controlar isso é muito complicado devido ao facto de que o apelo mercadológico para esse tipo de construção se baseia na ideia de que a cidade é muito violenta e de que necessitamos de espaços protegidos. Se tem uma coisa da qual não tenho medo é de andar em Luanda. Até os media sempre destacam essa sensação de insegurança, e é isso o que fica no imaginário. As pessoas começam a acreditar nisso e vão para atrás do muro. Passam a não se conhecer, a fazer parte desse processo didáctico que é fazer compras na rua e começam a estereotipar as pessoas. Quando a gente não conhece o outro, a gente estereotipa. Quando não convive, tem medo. Isto é a cultura do muro, o contrário do que a cidade precisa para ser harmónica e equilibrada.
Quais as recomendações para impedir isso?É preciso prover a cidade como um todo com melhores serviços de energia e água, para que as pessoas não enxerguem o condomínio como uma solução para aquilo que a cidade não lhes oferece. E é preciso leis que proíbam aglomerações habitacionais horizontais, como condomínios, ou proibir muros a partir de uma certa dimensão de área do imóvel. Mas é tudo uma questão de mudança de cultura. Angola está a importar modelos e nós brasileiros temos muita responsabilidade nisso. O modelo de cidade de Talatona foi trazido por brasileiros, e entende-se porque o país havia acabado de sair da guerra. Mas Luanda, comparada a cidades brasileiras e outras capitais africanas, é muito segura. Sob o ponto de vista da segurança, nunca teve muito sentido construir condomínios aqui.
TAGS: Arquitectura, Brasil, Cidade do Kilamba, Habitação, Ministério do Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Ministério do Urbanismo e Habitação, Novas Centralidades, ONU, Thomaz Ramalho, UN-Habitat, Urbanismo
http://www.redeangola.info/especiais/thomaz-ramalho/#.V30-g7vLPRA.facebook |