Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


24-02-2015

Quando morrer é preciso - Eduarda Fagundes


Toda a morte devia ser assim: tranquila, natural, como um apagar de luzes de um espetáculo teatral, gradual e sem traumas. 

Com mais de 100 anos,  uma velha e querida amiga, já no final dos seus profícuos dias, dizia-me toda a vez que a encontrava para os nossos enriquecedores papos: Estou tão cansada que o simples exercício de me levantar para tomar banho e me alimentar me deixam esgotada. Espero que Deus não se esqueça de mim, e venha logo me buscar!

Ele atendeu-lhe o pedido quando ela completou 103 anos. Depois de viver intensamente, de viajar, de estudar, de conhecer e transmitir ao próximo, tanta sabedoria e saber, repousou. Sua luz se apagou naturalmente.

Como na apoptose, processo metabólico que tem a morte celular geneticamente determinada, a morte humana deveria ser tranquila, não sofrida, naturalmente acontecida. Deveria ser um item no processo evolutivo humano bem entendido, com o objetivo claro de dar reprogramação e continuidade à vida.

Foi na década de 70 que o jovem médico inglês, Andrew Wyllie, pesquisando, observou argutamente que certo grupo de células, a determinada altura do desenvolvimento, parecia suicidar-se para que o organismo fetal, como um todo, evoluísse e mantivesse o número de células necessárias ao equilíbrio do organismo.  A esse fenômeno deu o nome APOPTOSE, termo grego que quer dizer CAIR LONGE DE..., numa semelhança como ocorre com as folhas amareladas e secas do outono do Hemisfério Norte, quando estas caem para dar lugar às novas que vão nascer.  Todos os dias perdemos por volta de 70 bilhões de células, num processo suicida, geneticamente programado, que tem como fundamento a remodelação e homeostase orgânica.  Primeiro a molécula de DNA , respondendo a um relógio biológico, vai mudando gradativamente, fluida e precisamente , induzindo a célula à morte.  A membrana celular se dobra sobre si mesma, formando bolhas que serão englobadas pelas células vizinhas até o processo ser finalizado com o desaparecimento da célula inicial.

Assim é o processo amplamente conhecido do desenvolvimento embrionário, em que as membranas natatórias interdigitais do embrião desaparecem à medida que as mãos do feto vão se formando! Quando certo grupo de células do nosso corpo se torna inviável ao sofrermos damos irreparáveis, as células são naturalmente eliminadas dando lugar a novas células teciduais reparatórias (fígado, medula, ovários, osso,...).

Biologicamente a apoptose é um processo metabólico complexo, geneticamente determinado, onde fatores enzimáticos atuam como relógios biológicos, ainda não totalmente elucidados.  Esperança dos cientistas para tratamentos de doenças como o câncer e esterilidade, a apoptose é um segredo da vida que faz lembrar os dizeres premonitórios dos antigos que diziam que morrer é preciso para se ter vida.

Maria Eduarda Fagundes

Uberaba, 25 de outubro de 2011