28-01-2015 O Fayal em 1866 Ernesto Rebello, escritor e jornalista
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O Fayal em 1866
26 de Maio 1866 – As circunstancias actuaes do Fayal, depois das terriveis vicissitudes por que tem passado são bastante melindrosas; falto de industrias, não produzindo o seu terreno, apesar de bastante fecundo, o necessario para a sua alimentação e da desgraçada ilha do Pico nossa vizinha, desfalcadas as casas principaes d'esta terra pela falta dos vinhos, fraca esperança tem de certo os fayalenses que uma epoca mais prospera lhes venha ainda sorrir. A emigração principalmente para os Estados Unidos d'America, cresce de uma maneira espantosa, começando já a sentir-se a falta dos braços necessarios para o amanho das terras, que só pela sua bôa qualidade ainda produzem, se tivermos em vista o desprezo quasi total da agricultura que aqui se observa.
A cidade, vive pode dizer-se exclusivamente do commercio com os navios estrangeiros, que em grande numero procuram a excellente bahia da Horta, ou então á custa dos rendimentos publicos, em quanto que os lavradores avergados aos seus rudes trabalhos, vêem ás vezes d'um momento para o outro dissipadas todas as esperanças de poderem parcamente sustentar as suas familias, já pelas pessimas e irregulares estações que ultimamente temos tido, como tambem em parte devido á falta quasi total dos menores conhecimentos agrícolas.
O estado no entanto exige-lhes as suas differentes contribuições, os generos alimenticios sobem de preço consideravelmente, as despezas do município precisam de novas derramas, e a face enrugada da fome vem muitas vezes sentar-se ao lado da enxerga do pobre proletario. Não tentamos assombrar as côres de que nos servimos para descrever ainda que limitadamente o viver dos povos fayalenses; a situação actual não é uma situação estavel, e ou grandes medidas de economias tem de ser aqui adoptadas, ou então mui difficil será de podermos dar uma solução airosa á sorte futura que nos espera.
A cobrança, contudo, dos rendimentos publicos no districto da Horta tem excedido toda a espectativa, igualando a sua bôa arrecadação ás melhores do continente; este effeito que em parte se deve ao infatigavel zelo e trabalho do sr. Delegado do thesouro Guilherme Sward, attesta conjunctamente a boa indole e respeito pelas leis, que ainda conserva o povo.
Nos melhoramentos materiaes não temos tambem estado estacionarios, e muito differente, para melhor, n'este ramo se considéra hoje o Fayal do que no tempo da sua prosperidade e abundancia.
Não nos illudamos porem com estas apparencias de saude: similham ellas a certos fructos da Palestina cuja piderme lustrosa e corada só encerra cinzas desgostosas e amargas; ou então ao rebentar extemporaneo do tronco já abatido pelo machado.
Conhecemos perfeitamente que não é bastante levantar o triste sudario das nossas fraquezas, e que mais bem acceito nos fôra indicar o caminho que pudesse conduzir a uma vida mais prospera. Pesado seria de certo para nós esse trabalho, tantas e tão variadas são as necessidades de que carecemos; apontaremos por, em quanto só uma, por esta nos parecer de maior transcendencia, e pela convicção de que sem ella jámais daremos, seguros, um passo na estrada do progresso.
E' da instrucção primaria que vamos falar; a instrucção primaria de que tanta falta padecem as classes inferiores da nossa sociedade, com especialidade nas freguezias ruraes, onde difficilmente se encontra quem d'ella tenha as mais leves sombras; - creado assim o povo na ignorancia, desconhecendo completamente as vantagens da civilisação, os lucros que d'ella poderia auferir, os seus direitos como cidadãos livres, os conselhos que nos livros se aprendem para morigeração dos costumes e economia domestica, o recreio e aproveitamento que se goza nas lettras, a communhão das idéas e a verdadeira idéa de Deus traçada nos evangelhos - são simplesmente umas machinas de trabalho apenas cortejadas na vespera da renhida eleição.
A primeira medida pois a adoptar para a regeneração futura do Fayal, como a fonte que fecundaria esta terra, seria, segundo nos parece, que a instrucção primaria fosse obrigatoria, e penas severas applicadas nos paes de familia cujos filhos chegados á edade viril se achassem analphabetos; egualmente que uma boa escolha de professores e mais bem remunerados do que presentemente o são, estivesse de continuo fiscalisada; - a ultima em fim que os reverendos parochos das freguezias convergissem do pulpito todas as suas authorisadas vozes, para induzirem os seus parochianos ao amor do estudo. Foi o mesmo divino mestre quem lhe ditou esta ultima sentença. - Nem só de pão vive o homem. -
Fechamos por agora este artigo, que despido de flôres litterarias, tem simplesmente o merito de desejar ardenteemnte o engrandecimento da terra que de há muito nos tem servido de mãe.
(Foto: zona onde viria a ser construído o Largo do Infante, Horta)
COMERCIO DOS AÇORES
Ponta Delgada, S. Miguel
Ernesto Rebello, escritor e jornalista
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