23-04-2017Desencanto e crise impulsionam êxodo de brasileiros abastados para LisboaEm setembro de 2014, a empresária Andrea Schultz, 40, mudava-se com o marido e as duas filhas adolescentes para uma casa de 550 m² no Belas Clube de Campo, entre Sintra e Lisboa. O imóvel foi personalizado com três suítes e dependência de empregada, ao gosto do casal. Donos de agência de viagem em Curitiba, os Schultz descobriram em Lisboa e arredores atrativos que brasileiros abastados encontram na Flórida, nos EUA, ao decidirem mudar e/ou investir fora do Brasil. "Só que aqui é melhor. Temos o idioma comum, facilidade para conseguir visto e até um passaporte português", elenca Andrea. Seu marido, Aroldo, 48, é um dos 282 brasileiros que, nos últimos três anos, obtiveram o "golden visa" (Autorização de Residência para Atividade de Investimento), benefício em processo para toda a família. Para ter direito ao visto especial, é preciso investir € 1 milhão (R$ 3,4 milhões) ou adquirir imóvel que custe pelo menos € 350 mil (em áreas de reabilitação urbana) ou € 500 mil nas demais zonas. Após cinco anos de residência, o beneficiário pode solicitar cidadania portuguesa. Direito que os descendentes, inclusive netos a partir de agora, estão requerendo cada vez mais. Só no Consulado de Portugal em SP são concedidas 820 novas cidadanias por mês. Nos últimos cinco anos, foram 40 mil. "Os dois países estão sempre em contra ciclo econômico e aproveitam oportunidades recíprocas", avalia Paulo Lourenço, cônsul-geral de Portugal em São Paulo. "Foram, são e continuarão sendo refúgio instintivo uns para os outros, tanto brasileiros em Portugal, quanto portugueses no Brasil." Hoje, 85 mil brasileiros são residentes regulares no país, com visto de trabalho e estudo. Aqueles que entram com passaporte português somem das estatísticas. Assim como detentores de cidadania italiana ou espanhola que trocam o Brasil por Portugal. De olho neste potencial, as imobiliárias e incorporadoras portuguesas fazem fila para realizar eventos no Brasil, segundo a Câmara de Comércio Portuguesa. "Quando vimos os brasileiros comprando em Orlando e Miami, começamos a ir a feiras e a falar com corretores locais para atrair este perfil de cliente que poderia achar Portugal interessante", relata Gilberto Jordan, diretor da Planbelas Sociedade Imobiliária, proprietária do empreendimento com campo de golfe onde vivem os Schultz. Outras 15 famílias brasileiras responderam ao esforço de vendas do Belas Clube, que manteve um showroom em um shopping de luxo do Rio em 2016. Toda semana, recebem visitas de potenciais clientes do Brasil com cacife para desembolsar € 900 mil por uma casa no condomínio. "Os brasileiros descobriram Portugal há pouco. Tinham fascínio pelos EUA, só queriam ir para Miami", diz Pedro Lancastre, diretor da JLL Consultoria Imobiliária. Hoje, o Brasil responde por 14% da clientela, seguido de França (7%) e China (3%). A mudança de rota se faz sentir no boom imobiliário que elevou o preço dos imóveis de luxo em Lisboa e região em 19%, em média, nos últimos dois anos. Ainda assim um investimento atraente, quando se compara o metro quadrado em áreas nobres de Lisboa (€ 8.000), Paris (€ 18 mil) e Londres (€ 27 mil). Uma conta que influenciou o publicitário José Luiz Nogueira, 57, a se instalar com a família em um apartamento de 340 m² no centro histórico de Lisboa, em 2015. O carioca pagou € 5.340 pelo metro quadrado do imóvel restaurado com sofisticação em um edifício de 1840 na região da Sé. Desfruta de sete portas que dão numa varanda voltada para o rio Tejo e vista lateral para o castelo de São Jorge, dois cartões-postais da cidade. "Financiei uma parte, sem a burocracia do Brasil e com juros de menos de 2% ao ano", compara. "Os imóveis no centro de Lisboa chegaram a ter alta de 46% entre 2015 e 2016, uma reacomodação nos preços que eram ainda mais baixos comparados a outras capitais europeias." "Recomendamos fortemente o investimento em imóveis em Portugal. Você paga barato, está na Europa, forma um patrimônio em euros e o retorno varia de 5% até 15%", avalia Renato Breia, sócio da Empiricus, consultoria financeira que abriu filial em Lisboa. O economista de 32 anos se mudou há um ano e meio para lá e seguiu o conselho dado aos clientes, ao comprar por € 270 mil apartamento de 90 m². O jovem e as duas famílias fazem parte de uma leva de brasileiros de classe média alta e ricos que, nos últimos três anos, encontraram além-mar um Eldorado para fugir da insegurança, do desencanto com a política e da crise econômica no Brasil. "É um perfil acolhido com tapete vermelho", constata Maria Rita Fontes Faria, cônsul-geral-adjunta do Brasil em Lisboa. "Aqui, desfrutam do seu nível de vida, as crianças andam sozinhas em segurança, contam com boas escolas internacionais, além de saúde e educação públicas de qualidade." Um pacote que fez os Schultz deixarem a alardeada qualidade de vida curitibana para trás. "Escapamos da violência", diz Andrea. "Ficamos reféns de bandidos dentro de casa em um condomínio." Ao trauma se somou a descrença política. "Não perdi totalmente a esperança no Brasil, mas não vejo solução no médio prazo. Só meus netos terão um país sem corrupção e violência." PONTE AÉREA Dono de uma produtora de vídeo, Nogueira aventou morar em Paris quando chegou à conclusão de que São Paulo era inviável. Acabou convencido pela mulher, Juliana Caus, 38, que tem passaporte italiano, a se estabelecer em Lisboa, com seus 500 mil habitantes, mas com todos os atrativos de uma capital. "Ganho dinheiro no Brasil e vivo em Portugal", resume. Ele passa 40 dias lá e 20 em Brasília, onde fica a sede da produtora. Uma ponte aérea que vale a pena na ponta do lápis. Paga € 100 de condomínio e prestação mais barata que um aluguel, além ganhos enormes em mobilidade e qualidade de vida. "Meus filhos de 13 e 10 anos andam sozinhos de metrô", relata. "Morar em Lisboa é deitar no sofá da avó. É uma sensação de pertencimento, além de os portugueses terem uma cortesia à moda antiga, que se perdeu no Brasil." BILIONÁRIOS A mulher mais rica de Portugal é uma brasileira, brincam os patrícios ao se referirem a Regina Camargo, 66, herdeira da Camargo Corrêa. Com fortuna estimada em US$ 1,9 bilhão, ela e o marido, Carlos Pires, dono da rede Raia Drogasil, escolheram viver em um prédio restaurado no Chiado, zona mais nobre do centro histórico de Lisboa. O casal também transferiu residência fiscal para o país. Procurados pela Folha via assessoria de imprensa do grupo, um dos protagonistas da Lava Jato e em processo de delação premiada, eles não se manifestaram. O fato é alardeado dos dois lados do Atlântico quando se fala do êxodo recente de pesos-pesados do PIB nacional. Até então, a opção era ter residência de verão em Cascais ou no Estoril, especialmente para famílias com laços de sangue com Portugal, como os Diniz (BRF, ex-Pão de Açúcar) e os Setubal (Itaú-Unibanco). Expoentes das novas gerações, como Ana Maria Diniz, filha mais velha de Abilio, e o marido, Luiz Felipe D'Ávila, estão reformando um imóvel também no Chiado, onde o metro quadrado pode chegar a € 10 mil. Já Gilmar Mendes, ministro do STF, optou por Príncipe Real, outra zona nobre, onde comprou apartamento no ano passado. Com voo direto de Brasília para Lisboa, costuma passar feriados e planeja usufruir ainda mais do imóvel quando se aposentar. "Temos uma comunidade de afetos em Portugal, de cooperação judicial e na academia", diz ele. "Além de um clima amigável em qualquer época do ano." Altos executivos brasileiros também se dividem entre os dois países. É o caso do vice-presidente de Comunicação, Marketing e Sustentabilidade do Santander, Marcos Madureira, 65. Neto de portugueses, o santista restaurou a quinta da família no norte de Portugal. "Morei seis anos na Espanha e comecei a recuperação da casa que pertenceu ao meu avô. É o meu refúgio para viver entre Brasil e Portugal quando me aposentar." Vaivém que caracteriza a rotina do atual presidente do Conselho de Administração do Santander, o português Álvaro de Souza, que vive em uma ponte aérea transatlântica. O resultado é um fluxo intenso de jatinhos privados vindos de São Paulo e Rio no Aeródromo de Tires, que serve Lisboa e arredores. CLÍNICA ANTIDEPRESSÃO Com vida cultural intensa, excelente gastronomia e custo de vida relativamente baixo, a capital portuguesa virou porto seguro também para nórdicos e franceses, atraídos pelo clima ameno e pelas belas praias. "Portugal se tornou uma espécie de clínica antidepressão da Europa", diz François Manceaux, 56. O cineasta francês se divide entre Paris e um apartamento no aprazível bairro da Lapa. "Na França, vivemos depressão econômica, crise de identidade e medo do terror", pontua. Ele chegou a Portugal em 2009 para fazer um documentário sobre a crise econômica na perspectiva de um pequeno país do sul do continente. Retratou os dramas causados pela bancarrota e também e os efeitos da política de austeridade imposta pela troica —FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Com um pacote de reformas, a partir de 2012 Portugal começa a se tornar atrativo para investidores e aposentados, por exemplo, que ganham isenção de impostos por dez anos ao transferir domicílio tributário. EFEITO TRUMP Enquanto americanos e outros países na mira do terror fecham suas fronteiras, Portugal escancara as portas para endinheirados de todo o mundo e vira meca de um mundo em crise. "Já sentimos o efeito Trump. Além de brasileiros, temos muitos turcos, vindos dos EUA e da Turquia", diz Jordan, ao contabilizar 26 nacionalidades, "uma míni ONU, entre moradores do Belas Clube. "Portugal é barato, bonito e seguro, um santuário em um mundo em convulsão."
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