01-02-2007Judeu no Samba - Israel BlajbergIsrael Blajberg (*) Até meados do séc XVII, os judeus de Roma eram humilhados anualmente no Carnaval, obrigados a desfilar pela Passarela do Samba da época, enquanto a multidão os ridicularizava, arremessava lixo sobre eles e até os golpeava, às vezes mortalmente. Indignidade. Os próprios judeus tinham que financiar este espetáculo lamentável, alem de ter que assistir sermões obrigatórios no Shabbat, violando a santidade deste dia. Ali nasceu a palavra “Ghetto”, área intramuros onde viviam os judeus, com 3 portões que eram fechados de noite. Para sair deviam usar roupas amarelas que os identificassem. Mas o tempo passou. Se os que ostentavam o Anel do Pescador, achando-se tradutores da vontade do seu Deus, pudessem adivinhar o que aconteceria 300 anos mais tarde ... Domingo de Carnaval em um grande clube judaico do Rio de Janeiro. A bandinha abre o Baile Infantil, atacando alegremente "Cidade Maravilhosa", seguindo-se as tradicionais marchinhas dos Carnavais passados. Onde estariam agora aqueles antigos Bispos de Roma ? ... o “Ghetto” acabou ... mas a alegria do Carnaval não é incompatível com a santidade da Torá, eis que ali mesmo naquele salão de baile, alguns meses antes como soe acontecer às vésperas do Rosh Hashaná, foi erguido o Aron haKodesh. E como se avalizando a prevalência da tradição judaica sobre breves e eventuais talvez profanos intervalos, por lá passaram de Begin a Ben Gurion, de Rabin a Golda Meir, entre tantos outros ícones. Um avo sentado a um canto do salão grandioso recorda quando ele mesmo era um menino ali naquele ambiente, muito mais lotado que hoje, mas sem o vento gelado do ar condicionado que vem lá do alto, num dia de calor insuportável. Netinhos fantasiados de Batman e Bailarina, correm sorridentes de um lado para outro. Vovô ... me compra confete ... me compra Coca-Cola ... O avo leva os netinhos pela mão, com um sorriso. Não, que eles nunca tenham que saber o que foi aquilo ... a purificação da humanidade, equivocada e dolorosa, padres pretendendo servir não só a Ele mas à salvação de todo o mundo, de toda a história, à custa dos judeus indefesos, inocentes, sabe se lá com que intenções ocultas, astutas. Os judeus não se misturam ... são todos milionários, donos de todos os bancos, todas as joalherias... Infelizmente ainda existe gente que pensa assim. Mas basta olhar em volta para ver que boa parte dos presentes não são judeus. E as fantasias simples das criancinhas não parecem indicar que os pais são banqueiros ... Um dia os netinhos vão entender o valor simbólico deste baile de carnaval em um clube judaico, que irmana crianças de qualquer religião, qualquer cor da pele. Do salão de baile podemos ver no pátio do clube um candelabro de sete braços, pintado de azul e branco. Ali perto do antigo ghetto romano, um Santo Padre diferente daqueles que obrigavam os judeus a um triste carnaval mandou alumiar outro candelabro igualzinho, pela primeira vez num recinto da Santa Sé, antecedendo a prece fúnebre do Kaddish. Sua Santidade verdadeira sentou-se entre o Presidente da Itália e o Grão-Rabino de Roma, rodeado por sobreviventes dos campos de concentração. Foi uma das mais comoventes cerimônias realizadas no Vaticano em muito, muito tempo. Mais uma vez vencemos. Podemos brincar o Carnaval, mas não como aquele de Roma, e sim como o de Veneza, que nos legou as máscaras e fantasias. Agora, só alegrias. As crianças adoraram o baile, o salão amplo e refrigerado, as brincadeiras, o concurso de fantasias, o desfile em meio às palmas do publico. Foi uma tarde alegre, familiar. A prova de que os dedicados irmãos que aceitaram receber este legado de lutas e dedicação, conduzem abnegadamente a bandeira. Que sobre eles paire a nuvem que balizou o caminho de Abrahão. Felizmente ainda temos este patrimônio. Uma escola de samba de característicos matizes azul-e-branco tem utilizado as instalações, suplementando ela a contribuição que nós mesmos deveríamos aportar, correligionários. Neste predio, onde num dos andares funciona escola religiosa, os ecos do samba reverberam distantes ao infinito, mas se pudessem retornar no dia seguinte de aulas, certamente alegrariam ouvidos infantis e quem sabe, rabinicos. Afinal um deles passou por aqui ao ritmo do reggae ... O baile vai acabando. Levando os netinhos pela mão, o avo percorre o longo corredor vazio onde antigamente era dificil andar, de tanta gente se comprimindo pelo tunel estreito. A musica vai sumindo, e parece que das paredes de madeira vem uma mensagem silenciosa do passado de um grande clube judaico. Elas querem sentir novamente o calor dos irmãos. Que pelo menos nas festas não lhes o seja negado, concedido que é aos salões sem significado de grandes hotéis e casas de festa. (*) iblaj@hotmail.com |