Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


13-01-2016

Combater Duas Vezes-Mulheres na Luta Armada em Angola, Margarida Paredes


Margarida Paredes, investigadora social portuguesa, foi guerrilheira do MPLA

na luta pela independência de Angola. Quando chegou a Brazzaville, em 1974, 

o homem na recepção perguntou-lhe: “Quem é você?” O homem era José 

Eduardo dos Santos.

“Eu fui guerrilheira e pertenço à família do MPLA.” 

É assim que Margarida Paredes fala de si, hoje. Mais de 40 anos depois de ter chegado a Brazzaville, com uma mochila às costas e decidida a pegar numa arma para combater ao lado do MPLA na luta pela independência de Angola. Foi em 1974. Pouco depois entrava em Luanda, já tinha vendido o bilhete de regresso para poder sobreviver. Ficou em Angola até 1981. 

Desde então e até 2006, quando publicou o romance O Tibete de África, silenciou esse passado. “Só se consegue recomeçar uma vida nova se uma pessoa cortar. Não falava sobre esse tempo. Nos sítios onde trabalhei não dizia que tinha sido guerrilheira. Imagine dizer isso nos anos 80, quando ainda se estão a digerir os retornados! Havia coisas que eu não falava a ninguém.”

Nessa altura ouviu chamarem-lhe pela primeira vez traidora à pátria. “Coisas de ultranacionalistas”, comenta. No final de 2015, publicou Combater duas Vezes, Mulheres na Luta Armada em Angola, a sua tese de doutoramento em Antropologia. É o resultado de um regresso onde ouviu mais de cem mulheres que como ela pegaram em armas, fizeram guerra e guerrilha, foram operacionais, primeiro na guerra nacionalista e depois na guerra civil, pelo MPLA e UNITA. A leitura que faz agora desse período, enquanto cientista social, é mais dura e crítica em relação ao poder angolano e à História que foi sendo oficialmente construída do que a da mulher que combateu convicta de estar no lado certo do conflito. “Este livro pacificou-me”, diz.

Como muitas das mulheres que escutou, sentiu trauma. Quando chegou a Portugal, em 1981, atirava-se para o chão sempre que ouvia um foguete, pensando que era uma rajada de tiros. “Havia dois lados da guerra e eu estava do lugar certo. Os países africanos tinham direito à sua soberania. O facto de estar do lado certo da História, em termos de trauma é completamente diferente. Os soldados portugueses sempre tiveram consciência, no fundo, de que estavam do lado errado da História.”

O livro, lançado em final de 2015, resulta da sua tese de doutoramento DR

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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A voz da cientista social e a da ex-combatente cruzam-se nesta conversa. O livro foi construído também a partir desse “diálogo introspectivo” com a sua história pessoal. “Os campos da Antropologia não são a-históricos, nem a-políticos”, escreve no prólogo. Este é um livro que nasceu a partir de um pressuposto claro: “Eu estava lá”.

Margarida Paredes vive em Salvador, no Brasil, onde é professora na Universidade Federal da Baía. “A identidade vai-se construindo. Hoje assumo que sou portuguesa. Uma portuguesa de entrelugares”, afirma. De Portugal, África e Brasil, os sítios que a moldam, um entrelugares geográfico que é também o da investigadora no duplo lugar de “nativa e pesquisadora” que esteve em Lisboa em vésperas de Natal a apresentar este “exercício de auto-reflexão antropológica”, o livro que lhe custou “três anos e vinte quilos” — quilos ganhos, avisa. Ri.

A conversa vai sendo intercalada por muitas emoções, mas nunca largando o fio à volta do qual a tese também se estruturou: “O meu projecto é feminista, a minha análise é feminista”, diz. Ela é uma mulher a estudar o papel de outras mulheres que se movimentaram num espaço “historicamente masculino” e a analisar as relações de poder que se iam estabelecendo, negociando. “Uma mulher com uma arma subverte códigos culturais e sociais dominantes”, escreve na sua tese. Porque é que decidiu, aos 20 anos, sendo mulher, portuguesa, branca, ir para Angola e ter uma arma na mão? Essa história pessoal está implícita, mas o livro não conta.

Leia a entrevista completa a Margarida Paredes , publicada no Publico, na  ligação

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/eu-estive-la-1719431