01-12-2006 Tempo de celebrar a passagem do tempo HANUKAL OU NATUKÁ Prof Drª Jane Glasman
HANUKAL OU NATUKÁ? (Tempo de celebrar a passagem do tempo) Publicado em "O Hebreu" nº 277 ©Profª Drª JANE BICHMACHER DE GLASMAN* “Hanukal” É inevitável. E infalível. Como um relógio programado para dezembro, começam a me perguntar: “E aí: o que você vai fazer no Natal e no Ano Novo?... Ah... “vocês” não comemoram ... não é mesmo?” O que vou fazer não reflete uma mera curiosidade social. É mais um preâmbulo retórico para o “vocês” que se segue. Por “vocês” subentenda-se: judeus. Tenho um repertório considerável de respostas prontas para serem acionadas, que variam de acordo com o humor e o interlocutor. Vão desde “comemorar, ora!” até “eu não sou judia, sou levita”, passando por “vocês quem, cara pálida?” ou “aproveito para emendar desde Hanuká”, etc. Na verdade, considero Natal e Reveillon (espero não chocá-lo muito!) as festas cristãs mais judaicas (aproveitando seu espanto: da mesma forma que considero Iom Kipur a mais católica das festas judaicas, que não comentarei aqui por fugir do tema principal, devido a influências conjunturais e litúrgicas desde períodos inquisitoriais[1]). Afinal, Natal comemora o nascimento de um menino judeu e Reveillon, seu brit-milá (circuncisão)[2]. Isto, sem entrar em qualquer consideração teológica, apenas levando em conta o aspecto Jesus - humano. Isto também conduz ao caráter simbólico do calendário civil (gregoriano ou cristão): ele começa com uma semana de atraso! No brit, no oitavo dia de vida, Jesus recebeu seu nome (em hebraico Ioshua) e passou a fazer parte da congregação: no dia 1º de Janeiro... Páscoa - Tempo de Feliz Natal? Quando teria se dado o nascimento de Jesus? Os relatos, nem sempre concordantes, dos Evangelhos de Mateus e de Lucas, indicam que não ocorreu no inverno (no hemisfério norte), quando o Natal é celebrado. “Naquela região havia pastores, que passavam a noite nos campos, tomando conta dos rebanhos” (Lucas, 2,8) No frio e na umidade de dezembro, o pico da estação chuvosa da região, os rebanhos não estariam nos campos, mas recolhidos. Logo, seria mais adequada a época de Pessah-Páscoa (início da primavera) para o Natal. Mas aí entramos no percurso através da História das Religiões, em que a mensagem simbólica de datas, rituais, etc., foram se superpondo – formando o que veio a ser a base da cultura ocidental. Im lo az - eimatai?[3] Ora, se não foi em dezembro - quando foi? E por que foi fixada a data de 25 de dezembro para o festejo natalino? Lembremos que o calendário cristão foi criado em 533 e.c. pelo monge Dionísio, o pequeno. Voltando mais ainda no tempo, os Evangelhos foram escritos 70 anos depois de Jesus. Explicar, entretanto, a determinação incorreta de datas devido à confusão gerada pelo lapso de tempo da compilação escrita seria uma simplificação burra, além de errada. Em primeiro lugar, porque não podemos esquecer que os judeus (como eram os primeiros cristãos), bem como outros povos orientais, tinham uma profunda reverência pela literatura oral, que antecedia e preservava por séculos a que seria posteriormente registrada por escrito (como ocorreu com o Tanakh e o Novo Testamento, a Mishná e a Guemará).[4] Em segundo lugar, o estabelecimento da data não foi feito de forma aleatória - existia um propósito (consciente ou inconsciente) de fundir elementos de origem cultural diversa e quase arquetípica, gerando uma data impregnada de conteúdo simbólico e aglutinante. 21 de dezembro + 25 de kislev = 25 de dezembro? Você sabia que o Natal em Israel, na Terra Santa, é celebrado por católicos, anglicanos e protestantes em 25 de dezembro... mas pelos ortodoxos em 6 de janeiro? Nos evangelhos e primeiros escritos cristãos, não é indicada data para o Natal, mas para a Páscoa.[5] O dia 25 de dezembro, como Natal, é mencionado pela primeira vez no ano 354. O imperador romano Justiniano reconheceu-o legalmente como dia de festa. Para a escolha da data, antigas festividades romanas e pagãs tiveram papel fundamental. Em dezembro, os dias ficam cada vez menores, até o dia 21, a noite mais longa do ano, o solstício do inverno. Pagãos festejavam os dias precedentes para apaziguar o Sol, para que ele aparecesse de novo e o Inverno fosse mais suave. Em Roma festejava-se o triunfo de Saturno (associado ao Sol) sobre Júpiter acendendo-se velas e fogueiras para iluminar a noite e muita comida, além da oferta de presentes para a deusa das colheitas. 21 de dezembro era o dies natalis invicti (dia do nascimento do invicto) e o último dia das saturnálias. Também realizavam festejos para o deus Mitra, nascido em 25 de dezembro, declarado pelo imperador Aureliano o maior feriado em Roma. Cerca de um século depois, o imperador Constantino, ao se converter ao cristianismo, manteve muitos dos rituais, transferindo a simbologia de Mitra, que representava o sol e a sabedoria, para Jesus, visando a absorver a festa pagã pela cristã. A noite de 24 de dezembro (incorporando o conceito judaico de erev, véspera, para início dos dias, remetendo ao relato da Criação), foi uma festa pagã “batizada” pelos católicos. O elemento judaico que contribuiu para a confusão ou co-fusão foi Hanuká, comemorada na mesma época, só que em data fixa: oito dias a partir de 25 de kislev. Provavelmente a proximidade de datas e a fusão dos festejos pagãos de 21 de dezembro, com Hanuká, com início em 25 de kislev, tenha determinado o 25 de dezembro. Celebrando: o encontro de costumes e simbolismos Há costumes judaicos e cristãos semelhantes nesta época (decoração, luzes, comidas) Mas a motivação é diferente, para cada um dos grupos religiosos. Se Jesus nasceu em dezembro, seria próximo de Hanuká, que ele, como judeu, comemorou durante sua vida. No dia 25 de dezembro era comemorado também o dia do deus pagão Adônis. Amante de Vênus, ele morria tragicamente todos os anos e ressuscitava nos equinócios; nascia e morria em Belém, na mesma gruta que o menino Jesus. Nessa data Constantino executava alguns prisioneiros e colocava suas cabeças penduradas em uma árvore. Teria alguma macabra relação com a árvore de Natal? Não se sabe dizer ao certo quando esta surgiu. Mas ao longo da história, foi incorporada aos hábitos de vários povos. Os egípcios consideravam a tamareira como árvore da vida e levavam-na para casa nos dias de festa, enfeitando-a com doces e frutas para as crianças. Na Roma Antiga, penduravam-se máscaras de Baco, deus do vinho, em pinheiros para comemorar a Saturnália. Na Alemanha, Lutero (1483-1546), autor da Reforma protestante do século XVI, montou um pinheiro enfeitado com velas em sua casa para mostrar às crianças como deveria ser o céu na noite de nascimento de Jesus. Judaísmo e tempo atemporal[6] “Parafraseando a analogia do Salmo 90: "Mil anos a teus olhos são como o dia de ontem", a história de um povo corresponde a um instante na eternidade do mundo. Apesar do relato histórico do povo judeu apresentar sentido tão cósmico, nossa milenar continuidade cultural-religiosa talvez seja a mais extensa que qualquer grupo étnico-religioso tenha alcançado. Para o judeu consciente de sua história, o passado parece tão real quanto o presente, concebidos como intrinsecamente ligado um ao outro, dotados do mesmo propósito moral. No sentido espiritual, o tempo conservou-se atemporal! Depois das concepções sobre Messias, Ressurreição, Juízo Final, terem firmado raízes no solo parcialmente místico da crença judaica no período pós-bíblico, também o futuro ligou-se ao passado e ao presente, ficando sintetizados numa certeza histórica indivisível: para o povo de Israel, a vida assume um objetivo grandioso bem delineado, como a planta de um projeto arquitetônico. Poder-se-ia concluir que, ao aprender presumidas "verdades absolutas", a religião judaica estivesse condenada a um estado de permanente imobilidade e estagnação. Na realidade, ao mesmo tempo em que o povo apegava-se às principais doutrinas, princípios, atitudes e práticas tradicionais, a evolução histórica era contínua, ajustando-se às novas circunstâncias, às influências culturais do ambiente e do espírito da época; em fase alguma da história judaica a religião permaneceu estática.” Erev, Shabat, Rosh há Shaná – tempo judaico e descanso[7] É interessante observar que todo marcador temporal judaico é iniciado pelo descanso. O relato bíblico da Criação: “Vaiehi erev vaiehi boker” (anoiteceu e amanheceu) determinou o início dos dias, na erev (véspera, tarde, anoitecer): o dia começa com o descanso da noite. Isto gerou também o “efeito Orloff”: em hebraico, hoje à noite é amanhã! O calendário judaico é determinado pelos ciclos da lua e do sol. Os meses seguem o ciclo lunar, do Molad (nascimento, lua nova) até o novilúnio seguinte. Existem numerosas afinidades simbólicas entre a lua e Israel. Assim como o Sol representa luz e calor para todos, a Lua, brilho tênue na noite, representa Israel, humilhada entre as nações na noite do exílio. Outro exemplo: o desaparecimento e reaparição da lua representam a eternidade de Israel, apesar das vicissitudes. Rosh haShaná, o ano novo judaico desde o período talmúdico, corresponde ao período (no hemisfério norte) do fim do ciclo agrícola anual – o tempo do descanso da terra, para que se reinicie revigorado. E a semana judaica também pressupõe um “tempo” para descanso, uma pausa, para que se inicie a seguinte com um novo vigor, físico e espiritual. Conforme a Guemará: O homem criado no sexto dia para ensinar que, se um dia for muito soberbo, lhe seja relembrado: “A pulga veio antes de você na criação”. (Sanhedrin 38a) Ou seja, ao mesmo tempo em que dá ao homem sua exata dimensão, ensina-lhe a repensar a dimensão do tempo... Natal, Hanuká, Reveillon, Rosh haShaná... Nós, judeus não comemoramos o Natal nem o Ano Novo como tal. Como 1º de janeiro consta dos calendários como o Dia da Comemoração da Fraternidade Universal, um Kidush e um Shehe’heianu não devem fazer mal a ninguém nem “agredir” nenhum preceito judaico (ou não? o que você acha?) Rosh haShaná, o Ano Novo judaico, comemoramos entre setembro e outubro (data móvel, pois o calendário judaico é luni-solar). Jesus e os primeiros cristãos também comemoravam a data, mesmo Rosh haShaná tendo adquirido maior significado no período talmúdico, época que abrange o surgimento do cristianismo. Cristãos passaram a comemorar o ano novo a partir do nascimento de Jesus e marcá-lo como início de uma nova era posteriormente. Japoneses e chineses comemoram em outras datas. Os muçulmanos fazem-no a partir de Maomé, sendo que seu calendário é só lunar. A era comum (ano 2006) prevalece no mundo ocidental. Afinal, quantas vezes os judeus celebram o Ano Novo? Na verdade, segundo o calendário judaico são comemorados... quatro Anos Novos! Em Nissan, Elul, Tishrei e Shvat... Nissan é, na Bíblia, o primeiro mês do ano, para a contagem dos anos dos reis de Israel. Além disso, por ser o mês de Pessah, que comemora a passagem para a liberdade, envolve, na minha opinião, o belo simbolismo de o tempo ter sentido, merecendo ser contado, a partir do momento que somos livres!... Tu biShvat, “Ano Novo das Árvores”, no calendário judaico, o dia não apenas é fixo, como define o nome da festa: as letras hebraicas tet e vav, que formam o Tu, têm valor numérico 9 e 6; como 9+6= 15, significa que se comemora no 15º dia do mês Shvat. Elul era o “Ano Novo do Gado”: no primeiro dia do mês, retirava-se o dízimo (um décimo dos animais nascidos nos últimos 12 meses) e doava-se ao Beit HaMikdash (Templo). Tishrei, sétimo mês bíblico ("O primeiro dia do sétimo mês, será descanso solene para vocês, uma comemoração proclamada com o toque do shofar, uma convocação santa"), veio a ser considerado o começo do ano civil judaico, por ser o mês da Criação, uma espécie de “Aniversário do Mundo e do Homem”, quando é feito o julgamento divino dos seres humanos. Ele também marca o início da contagem da Shemitá (Ano Sabático); do Iovel (Jubileu, quando eram libertos os escravos e as propriedades voltavam às mãos dos donos originais); da Orlá (3 anos a partir do plantio de uma árvore frutífera, durante os quais não se pode comer seus frutos) bem como do ano para cálculo do dízimo da colheita de vegetais e grãos. Na Antigüidade, Rosh haShaná era época de Ano Novo não só judaico, mas para todo o hemisfério norte, quando se encerrava o ciclo anual agrícola, era feito o balanço do ano, como fazem as empresas hoje, publicando-os em jornais (explicando, em parte, a simbologia do signo zodiacal- Balança associado ao período). Com o acréscimo de preceitos e símbolos judaicos e, por termos continuado a comemorar a data até hoje, independente de localização espacial, Rosh haShaná ficou definido para todos como “O” Ano Novo judaico. E Hanuká? [8] Desde a morte de Alexandre da Macedônia, no ano 323 a.e.c., os governantes gregos da Palestina fizeram contínuos esforços para forçar o povo judeu a abandonar sua fé e adotar as idéias e costumes gregos. A maioria do povo resistiu ao intento de divorciá-lo do judaísmo. Com o Rei Antíoco da Síria, no ano 175 a.e.c. foi empregada a força para impor os costumes de vida gregos, perseguindo todos os judeus que se negavam a deixar a prática do judaísmo; desmantelou e profanou o Templo de Jerusalém, obrigando-os a ajoelharem-se ante os ídolos que ali instalou. Da aldeia de Modiin, o sacerdote Matatias da família dos Hashmoneus, com seus cinco filhos, liderou a revolta. Seguidos de um grupo de corajosos judeus, bateram seus inimigos, a princípio nos montes da Judéia e, mais tarde em toda a região, até Jerusalém. Foi a luta de um punhado de homens contra uma multidão, de fracos contra fortes. Eles venceram grandes exércitos sírios, com elefantes e máquinas de guerra. Como divisa, inscreveram em sua bandeira as palavras da Torá: “Quem é como Tu, entre os deuses, ó Senhor?”, de cujas iniciais hebraicas formou-se o nome macabeu (macabi), como ficaram conhecidos os filhos de Matatias. Makevet, em hebraico, é martelo, alusão aos golpes assentados ao adversário. De acordo com outra teoria, Macabeu era o grito de guerra dos judeus contra os sírios. Em 25 de kislev de 165 a.e.c. (exatamente 3 anos após a profanação do Santuário), os macabeus fizeram sua entrada no Templo e voltaram a dedicá-lo ao serviço de Deus. O Talmud acrescenta: “Quando os Hashmoneus venceram os gregos, fizeram uma busca no Templo e encontraram somente um frasco de azeite intacto e inviolado com o selo do Cohen haGadol (Sumo Sacerdote). Este continha azeite suficiente para iluminar um dia, mas ocorreu um milagre e a menorá permaneceu acesa durante oito dias. Um ano depois, a data foi designada festividade em que se recita o Halel e oração de graças” (Shabat 21b) Para recordar a vitória dos Hashmoneus e o milagre do óleo, celebramos a festa de Hanuká (inauguração), cujo nome refere-se à reinauguração do Templo, após a vitória. Embora seja esta a explicação mais conhecida para a festa, sua existência remonta a tempos bíblicos: no dia 25 de Kislev, um ano após o Êxodo do Egito, foram concluídas as obras do Mishkán (Tabernáculo) nosso primeiro Santuário. A festa dura oito dias. Celebramos ações de graça e, à noite, acendemos com uma vela auxiliar (shamash) um candelabro de oito braços (hanukiá ou menorát hanuká). Na primeira noite acendemos uma vela, e a cada seguinte adicionamos uma, até a oitava, quando são acesas as oito velas. Por isso, Hanuká é chamada também Hag ha-Urim, a Festa das Luzes. Como se festeja Hanuká em casa # Lembrando o milagre das oito velas, acendemos a hanukiá. A maioria das pessoas usa velas normais de parafina na hanukiá; outros acendem pavios dentro de óleo. A azeitona e seu óleo são símbolos do Povo Judeu. Conseguimos o azeite mais puro prensando a azeitona com muita força. Muitas vezes, nas horas em que sofremos a maior pressão, é que nossas melhores características despontam. Sobrepujar enormes pressões é um dos desafios decisivos da vida, e um tema recorrente na História Judaica. # Cantamos e rezamos o Hanerot Halalu ou Al há-nissim (pelos milagres) e Maoz Tsur. A tradução de Hanerot Halalu (Estas velas) é: “Nós acendemos estas velas pelos milagres e feitos maravilhosos que realizaste para nossos antepassados, naqueles dias, nesta época, por intermédio dos Teus sacerdotes. Durante os dias de Hanuká estas luzes são sagradas e não nos é permitido fazer outro uso delas, apenas olhá-las para podermos agradecer e louvar Teu grande Nome, por Teus milagres, teus feitos maravilhosos e Tuas salvações”. Maoz Tsur (Rocha Poderosa) é um louvor a Deus por ter nos libertado sucessivamente da opressão egípcia, babilônica, persa e helenista. Como as letras iniciais das estrofes formam a palavra Mordechai, supõe-se que seja o nome do autor. A poesia foi escrita por volta do século XIII; a melodia é uma adaptação de uma canção folclórica alemã do século XV. # Comemos levivot ou latkes (panquecas de batata) e sufganiot (sonhos). As frituras lembram o milagre do óleo. # Crianças brincam com sevivon (hebraico savov=girar) ou dreidel (ídishe dreyen=girar). Embora jogos de azar sejam proibidos pelo judaísmo, em Hanuká jogamos um pião de quatro faces, com uma letra hebraica inscrita em cada, iniciais das palavras que formam a frase Nes Gadol Haia Sham= um grande milagre aconteceu lá. Desde a criação do Estado em 1948, em Israel troca-se a última letra por pe (de po= aqui). Cada face tem um valor numérico que determina o vencedor do jogo. Na época do domínio sírio, o estudo da Torá era proibido sob pena de morte, e o Talmud era estudado oralmente, em grupo. Para contornar a proibição e camuflar as reuniões de estudo, levavam consigo piões. Quando uma autoridade síria chegava, começavam a girar o pião, fingindo estarem se divertindo. # Costumamos dar dmei Hanuká ou Hanucá guelt (dinheiro) para as crianças. Lembra as moedas cunhadas pelo Macabeus após sua vitória. Pedagogicamente, visa a participação ativa das crianças e sua identificação com o menino que encontrou o frasco de azeite, com uma quantia para fazerem o que quiserem para alegrar a festa. O acendimento das velas A fim de distinguir as luzes de Hanuká, elas são acesas em lugar diferente do ano inteiro. Até algum tempo atrás, colocava-se a hanukiá do lado de fora da casa. Devemos acender perto de uma janela para pirsumei nissá, divulgar publicamente o milagre (Shabat 23b). As luzes de Hanuká devem ser uma fonte de fé e inspiração para todos os homens, de todos os credos, irradiando-se para todos os povos do mundo. Devemos acendê-la imediatamente após o surgimento das estrelas. As velas ou o azeite deverão iluminar pelo menos por meia hora. Começamos acendendo uma luz no extremo direito da Hanukiá; na segunda noite, uma vela a mais à esquerda e assim por diante cada noite consecutiva. A vela adicional (Shamash), é usada para acender as demais e para que as velas de Hanuká não sejam usadas com fins seculares. Antes de acender a Hanukiá na primeira noite, três bênçãos são ditas (nas noites seguintes somente as duas primeiras): 1.Baru’h atá Adonai Elokenu mele’h há-olam asher Kidishanu bemitsvotav vetsivanu lehadlik ner Hanuká (Bendito és Tu Senhor nosso Deus Rei do Universo que nos santificou com mandamentos e nos ordenou acender vela de Hanuká). 2.Baru’h atá Adonai Elokenu mele’h há-olam sheassá nissim laavotenu baiamim hahem bazman há-zé (Bendito és Tu Senhor nosso Deus Rei do Universo, que fez milagres para os nossos antepassados naqueles dias, neste tempo). 3.Baru’h atá Adonai Elokenu mele’h há-olam shehe’heianu vekiemanu vehiguiánu lazman há-zé (Bendito és Tu, Senhor nosso Deus, Rei do Universo, que nos deu vida, nos manteve e nos permitiu chegar até a presente época, este tempo). Quando dizemos “naqueles dias, nesta época”, reafirmamos a crença no judaísmo atemporal, vinculando nosso presente ao nosso passado e ao futuro. Depois das luzes acesas, cantamos Hanerot Halalu e Maoz Tsur, já comentados. Curiosidades Hanuká destaca a atuação de duas heroínas: Hana negou-se a renunciar à sua religião, não cedendo nem mesmo quando seus sete filhos foram mortos, um atrás do outro, sendo também morta e, Judith, que conseguiu iludir o general inimigo Holofernes servindo-lhe panquecas de queijo e embriagando-o; cortou sua cabeça e entregou-a a seus compatriotas. Seu desaparecimento desmoralizou os soldados, que fugiram da cidade, livrando-a do cerco. Comparando as festas de Purim e Hanuká, encontramos mais fatos curiosos. Ambas não estão presentes na Torá, pois aconteceram muito depois e relatam milagres acontecidos com o povo judeu. As heroínas Ester e Judith tiveram participação ativa, porém bastante diferente, no desenrolar dos acontecimentos que deram origem às festas. Judith, símbolo de Hanuká, vivia em Israel e defendia sua própria pátria; Ester vivia na Pérsia e defendia a sobrevivência de seu povo em solo estrangeiro. Judith, cujo nome já indicava sua origem judaica, foi voluntariamente, sem ajuda, até o acampamento dos gregos que sitiavam a cidade de Betul e degolou o chefe grego Holofernes. Já Ester (nome que significa escondida; o verdadeiro era Hadassa), foi ao palácio do rei Assuero a pedido de Morde’hái. Milagres e Mensagens Milagres continuam acontecendo, todos os dias. Todos nós conhecemos ou vivemos uma estória real com o miraculoso toque divino. Talvez sem os “efeitos especiais” de milagres do passado... Talvez sem uma visão especial nossa, sem que os percebamos como tais... Em Hanuká, o motivo da luta era espiritual; os gregos queriam a assimilação dos judeus. Em Purim, o motivo da luta era mais físico: queriam exterminar os judeus. Por isso, Purim é mais material: come-se e bebe-se muito. Em Hanuká, o maior símbolo é espiritual: acender a Hanukiá. Nas brincadeiras, em Purim usam-se máscaras (simbolizando a trama secreta); em Hanuká, o pião, que se segura de cima (simbolizando que o milagre veio do céu), em Purim brinca-se com o reco-reco, que se segura por baixo (como o milagre que veio do povo) Hanuká comemora a fé. Simboliza a luta de poucos contra muitos, de fracos contra os poderosos, a luta pela liberdade de culto - a eterna luta do povo judeu por sua existência. Cabe repensar o heroísmo dos Macabeus, que mesmo com toda a lealdade e dedicação, foram seletivos em sua atitude perante o helenismo, rejeitando idéias pagãs que ameaçavam a continuidade judaica, mas incorporando o que era compatível com valores judaicos. Uma questão crucial em nossos dias é se podemos desenvolver uma identidade que nos permita conviver com o mundo exterior sem nos sentirmos ameaçados e, ao mesmo tempo, apreciar e assimilar o que há de bom em volta. O destino de Israel e da Diáspora depende de como internalizamos os valores judaicos, pois só assim podemos interagir com o mundo autenticamente, como judeus e como cidadãos universais. “A luta dos Macabeus nos ensina que particularismo e universalismo não são mutuamente exclusivos. Não podemos e não devemos optar entre o gueto e a assimilação”.[9] A vela representa o ser humano: "a alma do homem é a vela de Deus" (Provérbios 20:27). O Shamash, nosso desafio perante o mundo em que vivemos. Freqüentemente encontramos pessoas com "pavios" apagados, tristes, desamparadas, sozinhas. Elas precisam de nossa atenção, carinho, amor e dedicação. Devemos doar nossa luz e fazer com que elas sintam calor humano e que são amadas, valorizadas e especiais. A mitzvá é cumprida quando todas as velas são acesas - assim como nós, unidos pelos elos da dedicação ao outro - para que Hanuká continue sendo motivo de orgulho.[10] Lembremos ainda que Hanuká vem do mesmo radical hebraico de hinuch, que significa educação. E educação não se promove com grandiosos prédios, mas com valores e práticas. Será que você seria um Macabeu? Será que os judeus de hoje se posicionariam ao lado dos Macabeus? Eles não lutaram por independência política - foi uma batalha por religião. Os gregos trouxeram civilização e progresso aos lugares que conquistavam. Sua exigência era a aculturação. A comunidade Judaica estava dividida: uns acreditavam ser a assimilação uma influência modernizante; um grupo se opôs e preparou-se para lutar e morrer para preservar o Judaísmo. Não foi uma guerra por princípios abstratos de tolerância religiosa. Foi uma batalha contra a assimilação. Nós estaríamos com os Macabeus ou iríamos achar que a assimilação era o caminho para o futuro? Será que lutaríamos, hoje, pelo Judaísmo, prontos para morrer pelo estudo da Torá e pelo Shabat? Vivemos uma crise de identidade como há 2.500 anos... * Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica, Professor Adjunto, Fundadora e ex-Diretora do Programa de Estudos Judaicos –UERJ, escritora ------------------------------------------------------------------------------- [1] “Kol Nidrei e Marranismo”, artigo da autora, www.eifo.com.br (Cultura) e Revista Judaísmo e Cultura 58. [2] Ver “`A Luz da Menorá- Introdução à Cultura Judaica”, livro da autora deste artigo, Capítulo V: O Ciclo Vital Judaico. [3] Adaptação da famosa citação de Hilel, em Pirkei Avot, que termina com: “Im lo ahshav- eimatai?” (= se não agora, quando?) para “Im lo az – eimatai?”[ = se não então (àquela época), quando?] [4] Ver “Interseções - Relações do Judaísmo com outras culturas e religiões na Antigüidade”, livro da autora. [5] Ver “Natal Judaico?” em www.riototal.com.br (Comunidade Judaica) [6] Ver artigo da autora “Marcadores temporais e Cosmovisão Judaica”, Revista Morashá 35. [7] Idem “Shabat – dando um tempo...” da autora, Eitan SP (material pedagógico). [8] Livro “`A luz da Menorá”, Capítulo IV, m. (p.82 a 86) [9] Os Porquês do Judaísmo, Capítulo 12: Chanuká Rabino Henry Sobel www.cipsp.org.br [10] Ver www.netjudaica.com.br “O Brilho da Fé”, escrito pelo Prof Sami Goldstein
Fonte: groups.yahoo.com/group/saudades-sefarad/
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