06-06-2015Oportunidade rara Mónica BeloAproveito a partilha do Mauro Moura e a propósito do oportuno artigo sobre os quatrocentos anos de uma história muito pouco contada, para destacar a biografia da Mónica Bello nasceu em 1957 e iniciou-se no jornalismo em 1988, n’O Independente, foi diretora adjunta da revista Grande Reportagem (1993-1998), editora executiva da revista Volta ao Mundo (2004-2005), editora executiva do jornal Diário Económico (2006-2008) e integrou a equipa fundadora do diário i onde foi subdiretora até (2008-2010. Ganhou o Prémio de Jornalismo Fernando Pessoa/Mapfre com a reportagem «Nunca Mais» sobre a Alemanha, publicada em 1995 na Grande Reportagem. Começou a fazer mergulho em 1997 na sequência de uma reportagem que assinou na revista Grande Reportagem sobre as escavações arqueológicas subaquáticas da nau Nossa Senhora dos Mártires, que em setembro de 1606 naufragou na barra do Tejo junto ao Forte de São Julião da Barra.
"Mauro Moura [dialogos_lusofonos]"
Oportunidade rarapor MÓNICA BELLO Hoje Muito cedo naquela manhã de 8 de agosto de 1444, por causa do calor, começaram os marinheiros a meter-se nos batéis para irem buscar os cativos à meia dúzia de caravelas que chegaram da costa africana. "Era uma maravilhosa coisa de se ver, porque entre eles havia alguns de razoável brancura, formosos e bem constituídos; outros menos brancos, mais pardos; outros, tão negros como etíopes, tão feios de feições e corpo, parecendo aos homens que os guardavam a imagem do hemisfério mais baixo." Assim descreveu Gomes Eanes de Zurara, na Crónica da Conquista da Guiné, a chegada de 235 escravos a Lagos, acontecimento a que terão assistido muitos curiosos e até D. Henrique, do alto do seu cavalo, cobrando o quinto que lhe cabia daquela mercadoria. A chegada de escravos a Portugal era ainda uma novidade - os primeiros, não mais de 14, rezam as crónicas, tinham chegado às praias do Algarve um ano antes, apanhados numa "razia" por Nuno Tristão, numa das ilhas ao largo da atual Mauritânia, onde agora Lançarote de Freitas, almoxarife de Lagos, voltara. A maior parte das duas centenas de cativos eram berberes e os "negros como etíopes" já eram por sua vez escravos destes. Naquela fatia da costa ocidental africana, dominada pelas areias do Sara, nenhuma outra riqueza havia e o caminho rumo ao sul africano começava a ser desbravado. Faltavam ainda 12 anos para Diogo Gomes tocar em Cabo Verde. Vem esta "primeira incursão de carácter comercial na África Ocidental", como lhe chama o historiador britânico Hugh Thomas na História do Comércio de Escravos do Atlântico (1440-1870), a propósito da descoberta do que sobra de um navio negreiro português que em dezembro de 1794 naufragou ao largo da Cidade do Cabo com 500 escravos e 35 tripulantes a bordo, faltavam ainda quatro décadas para a abolição da escravatura em todo o império português e mais de meio século para a libertação dos primeiros escravos. Quatrocentos anos de uma história muito pouco contada aos portugueses, que na escola aprendem com orgulho que o país foi o primeiro a abolir a escravatura, deixando de lado detalhes menos simpáticos. Espanhóis, franceses, holandeses, ingleses, dinamarqueses, todos traficaram escravos, mas as estatísticas - as possíveis - também dizem que foram os portugueses que transportaram o maior número de escravos africanos, mais de 4,6 milhões de pessoas em 30 mil viagens, dos 11 milhões embarcados. São Jorge da Mina, no Gana, São João Baptista de Ajudá, no Benim, ilha de São Tomé, foram feitorias portuguesas imprescindíveis para o sucesso do negócio do tráfico de escravos por mercadores privados. É esse grande bocado da história mais sórdida do comércio marítimo português que a equipa de investigadores e arqueólogos sul-africanos, norte-americanos e moçambicanos se prepara para estudar com maior rigor a partir dos destroços do negreiro português São José, que em 1794 naufragou junto à Cidade do Cabo, durante uma viagem da ilha de Moçambique até ao Brasil. Uma oportunidade rara para se saber mais sobre um dos períodos mais negros da história da humanidade. http://www.dn.pt/inicio/opiniao/editorial.aspx?content_id=4610205 |