Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


05-08-2016

Uma eleição de laboratório e 6000 eleições reais


Nas municipais de 2011 candidataram-se 51 palhaços, 17 arrumadores, 41 coveiros, 25 modelos, sete astrólogos, centenas de bispos e pastores, a Mulher Melão ou a Mulher Pera

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Enquanto 81 senadores, sem contacto com o mundo exterior, fechados numa sala de uma cidade longe de tudo, ultimam uma votação de laboratório com dois candidatos a presidente, Temer e Dilma, o Brasil real prepara-se para eleições a sério: as municipais de outubro.

Uma votação que, em vez de 81, tem 140 milhões de eleitores e que, em vez de dois, tem meio milhão de concorrentes. Como ainda não há dados de todos os candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador das seis mil cidades brasileiras a votos, tomemos por modelo as anteriores, quando concorreram 51 palhaços, surfando no efeito Tiririca, o deputado eleito sob o slogan "vote em mim, pior que está não fica"; 17 arrumadores de carros; 41 coveiros; 25 modelos; sete astrólogos; centenas de bispos e pastores; a Mulher Melão, a Mulher Pera e até Maguila, o Muhammad Ali brasileiro, que usava o tempo de antena para socar um boneco em forma de Tiririca e exclamar "chega de palhaçada, política é coisa séria".

Dada a crise do PT, é provável uma diminuição de "Lulas" - nas municipais de 2012, 270 candidatos usaram o nome do ex-presidente, alguns concorrendo por partidos rivais. E, por causa do efeito de proximidade próprio das municipais, pretendentes como Gerson da Farmácia, Dayanne da Padaria ou Barbeiro Amarildo são aos pontapés. Outros são discretos no nome mas aproveitam os instantes na TV para aparecerem de cabeleira postiça ou vestidos de super-herói.

No meio desta procissão, eleições como a para prefeito de São Paulo, cidade com PIB maior do que Portugal (e mais eleitores), têm impacto poderoso. Mas nem por isso menos folclore.

A começar por um não candidato: José Luiz Datena, apresentador do Brasil Urgente, boletim criminal que escorre sangue aos fins de tarde na TV Bandeirantes. Informado de que o PP, a sigla pela qual concorreria, pretendia uma primária entre ele e Paulo Maluf, político procurado pela Interpol e envolvido em 11 de cada dez casos de corrupção na cidade, Datena pulou fora. "Preferia fazer primária com o Marcola [o líder do PCC, maior organização criminosa do Brasil]".

Não há Datena, mas há, em princípio, Celso Russomanno (PRB), que defende os consumidores em programa no canal Record, da IURD. Em princípio, porque Russomanno espera luz verde do Tribunal Eleitoral por irregularidades de campanha. De qualquer forma, de penteado e sorriso permanentes, lidera as sondagens. Não quer dizer nada: em 2012, também liderava e acabou fora da segunda volta, ultrapassado pelas máquinas do PT e do PSDB.

Por falar em PT e PSDB, o primeiro tenta reeleger o ídolo da esquerda caviar Fernando Haddad (na foto), que declarou guerra ao automóvel, multiplicando ciclovias e reduzindo para 50 km/hora a velocidade nas ruas - uma medida chocante na cidade onde Ayrton Senna nasceu. O segundo, com o patrocínio do governador Geraldo Alckmin mas contra a vontade de outros barões, o ministro José Serra, o senador Aécio Neves e até o patrono de todos eles Fernando Henrique Cardoso, lançou João Dória. Dória é considerado o "coxinha" típico ("coxinha" é "queque" em Portugal) e costuma reunir meio PIB brasileiro nas reuniões do seu grupo empresarial - já prometeu, para desespero das esquerdas, privatizar até faixas de autocarro.

As escolhas de Haddad, no PT, e Dória, no PSDB, deixaram órfãos os aristocratas Marta Suplicy, a sexóloga do slogan "relaxa e goza", e Andrea Matarazzo, descendente do conde Matarazzo, símbolo do vigor económico paulistano da viragem para o século XX. Sem espaço no PT, Marta saiu por estar "farta de corrupção" e filiou-se ao PMDB, por sinal o mais corrupto dos partidos. Andrea, que era o preferido de FHC mas perdeu as primárias para Dória, alistou-se no PSD. Resultado: Marta (PMDB) e Andrea (PSD), que apesar de primos sempre se odiaram, concorrem juntos à prefeitura, ela a prefeita, ele a vice. "É mais fácil uma vaca voar que eu aliar-me a essa mulher", disse um dia Andrea - mas vacas a subir aos céus, como Cristos a descer à terra, não são exclusividade brasileira.

Restam a octogenária Luiza Erundina (PSOL), que, como Marta, também é ex-PT e ex--prefeita; e, talvez, Marco Feliciano (PSC), o evangélico para quem John Lennon morreu porque se achava mais famoso do que Jesus.

Resultado: tal como os brasileiros preferiam uma terceira opção ao duelo Dilma-Temer, também entre os eleitores paulistanos são muito mais os que dizem nas sondagens "neste não voto de certeza" do que os que se dizem "apoiantes" de um ou outro candidato. A sorte deles é que no Brasil o voto é obrigatório.

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