01-12-2015Mouros e judeus: foram uma das glórias da Península Ibérica durante a Idade Média
In CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES
Meus Senhores: A decadência dos povos da Península nos três últimos séculos é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história: pode até dizer-se que essa decadência, seguindo-se quase sem transição a um período de força gloriosa e de rica originalidade, é o único grande facto evidente e incontestável que nessa história aparece aos olhos do historiador filósofo. Como peninsular, sinto profundamente ter de afirmar, numa assembleia de peninsulares, esta desalentadora evidência. Mas, se não reconhecermos e confessarmos francamente os nossos erros passados, como poderemos aspirar a uma emenda sincera e definitiva? O pecador humilha-se diante do seu Deus, num sentido acto de contrição, e só assim é perdoado. Façamos nós também, diante do espírito de verdade, o acto de contrição pelos nossos pecados históricos, porque só assim nos poderemos emendar e regenerar. Conheço quanto é delicado este assunto, e sei que por isso dobrados deveres se impõem à minha crítica. (....)
E mais adiante destaca a importância dos Mouros e judeus, "porque foram uma das glórias da Península Ibérica durante a Idade Média"
No mundo da inteligência não é menos notável a expansão do espírito peninsular durante a Idade Média. O grande movimento intelectual da Europa medieval compreende a filosofia escolástica e a teologia, as criações nacionais dos ciclos épicos, e a arquitectura. Em nada disto se mostrou a Península inferior às grandes nações cultas, que haviam recebido a herança da civilização romana. Demos à escola filósofos como Raimundo Lúlio; à Igreja, teólogos e papas, um destes português, João XXI. As escolas de Coimbra e Salamanca tinham uma celebridade europeia: nas suas aulas viam-se estrangeiros de distinção atraídos pela fama dos seus doutores. Entre os primeiros homens do século XIII está um, monarca espanhol, Afonso, o Sábio, espírito universal, filósofo, político e legislador. Nem posso também deixar esquecidos os mouros e judeus, porque foram uma das glórias da Península Ibérica. A reforma da escolástica, nos séculos XIII e XIV, pela renovação do aristotelismo, foi obra quase exclusiva das escolas árabes e judaicas de Espanha. Os homens de Averróis (de Córdova), de Ibn-Tophail (de Sevilha) e os dois judeus Maimónides e Avicebron serão sempre contados entre os primeiros na história da filosofia na Idade Média. Ao pé da filosofia, a poesia. Para opor aos ciclos épicos da Távola Redonda, de Carlos Magno e do Santo Graal, tivemos aquele admirável Romancero, as lendas do Cid, dos Infantes de Lara, e tantas outras, que se teriam condensado em verdadeiras epopeias, se o espírito clássico da Renascença não tivesse vindo dar à Poesia outra direcção. Ainda assim, grande parte, a melhor parte talvez, do teatro espanhol saiu da mina inesgotável do Romancero. Para opor aos trovadores provinciais, tivemos também trovadores peninsulares. Dos nossos reis e cavaleiros trovaram alguns com tanto primor como Beltrão de Born ou o conde de Tolosa. Quanto à arquitectura, basta lembrar a Batalha e a Catedral de Burgos, duas das mais belas rosas góticas desabrochadas no seio da. Idade Média.
O sentimento do dever, em vez de ser contradito pela religião, apoiava-se nela. Daqui a força dos caracteres, a elevação dos costumes. Em segundo lugar, essas igrejas nacionais, por isso mesmo que eram independentes, não precisavam oprimir. Eram tolerantes. A sombra delas, muito na sombra é verdade, mas tolerados em todo o caso, viviam Judeus e Mouros, raças inteligentes, industriosas, a quem a indústria e o pensamento peninsulares tanto deveram, e cuja expulsão tem quase as proporções duma calamidade nacional. Segunda consequência, de não menor alcance do que a primeira. Se a Península não era então tão católica como o foi depois, quando queimava os judeus e recebia do geral dos Jesuítas o santo e a senha da sua política, era seguramente muito mais cristã, isto é, mais caridosa e moral, como estes factos o provam.
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