16-11-2015Magnífica e Miserável: Angola Desde a Guerra Civil - Ricardo Soares de Oliveira
Ricardo Soares de Oliveira, 37 anos, é professor de Política Comparada na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ao longo da última década tem-se dedicado a investigar e publicar reflexões sobre Angola, nos temas das relações internacionais e política. Vive entre o Reino Unido, Portugal e França – com bastantes estadias em Angola. A conversa com o Rede Angola foi feita por e-mail, nas últimas duas semanas. »»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»» No dia 11 de Novembro, data em que se comemora 40 anos da independência de Angola, a editora portuguesa Tinta-da-China lança, em Lisboa (Portugal), a versão traduzida Magnífica e Miserável: Angola desde a guerra civil. A obra original, em inglês, Magnificent and Beggar Land. Angola since the Civil War (Hurst, 2015, 288 pp. foi lançada no Reino Unido no início deste ano. O livro deixa pistas bem definidas para entender a história recente do país. Apesar de reconhecer a enorme transformação que Angola encetou nos últimos dez anos, Soares de Oliveira defende que há ainda bloqueios ao nível do acesso ao poder e do acesso a oportunidades económicas. Um livro de leitura obrigatória para compreender a ascensão económica fulgurante de Angola na última década. "Magnífica e Miserável" retrata as mudanças vertiginosas que se vivem em Angola, um país incontornável como exportador de petróleo e diamantes, e cada vez mais influente em África. Com base em três anos de pesquisa e no seu conhecimento pessoal do país, Ricardo Soares de Oliveira descreve a súbita ascensão da economia angolana e o seu enquadramento no sistema internacional desde 2002, ano em que emergiu de uma das guerras civis mais longas e sangrentas de África. Num país historicamente marcado pelo tráfico de escravos, pela exploração colonial e pela guerra, os angolanos pretendem agora construir uma sociedade decente.Perante esse desafio, como tem agido o governo angolano, presidido por José Eduardo dos Santos desde 1979? Conseguirá o regime dar resposta às expectativas do seu povo? «Esta cleptocracia é aceite como parte do sistema ocidental. Depende de trabalhadores ocidentais para funcionar. Os oligarcas angolanos habitam o mundo da economia global de luxo, frequentando escolas privadas britânicas e lojas Hermès, utilizando gestores de bens suíços, etc. Aliás, como defende o cientista político Ricardo Soares de Oliveira no seu maravilhoso livro Magnífica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil, vivemos no ‘mundo ideal do oligarca’.
Os países ocidentais já nem sequer fingem censurar os cleptocratas.» Financial Times «Uma observação lúcida, clara e extremamente bem informada de um país particularmente complexo e frequentemente absurdo, apoiada numa escrita de rara qualidade literária. Brilhante!» José Eduardo Agualusa
No dia 11 de Novembro, data em que se comemora 40 anos da independência de Angola, a editora portuguesa Tinta-da-China lança, em Lisboa (Portugal), a versão traduzida deMagnífica e Miserável: Angola desde a guerra civil. A obra original, em inglês, foi lançada no Reino Unido no início deste ano.(http://www.fnac.pt/Magnifica-e-Miseravel-Angola-Desde-a-Guerra-Civil-Ricardo-Soares-de-Oliveira/a918748) _____________________________________________________________________________________________ A conversa de Ricardo Soares de Oliveira com a Rede Angola Um dos trabalhos que o colocou na rota dos estudiosos de Angola foi um paper que explica o trajecto e o papel da Sonangol (e do petróleo) na consolidação do MPLA e da sua hegemonia. O sector petrolífero, nos primeiros dias de independência, foi o único onde se requisitou de forma oficial a presença dos técnicos de origem europeia que existiam no país (alguns já nascidos em Angola), não permitindo a sua saída? Os cubanos chegaram a proteger militarmente a base de Malongo, em Cabinda, onde sempre estiveram (e estão até hoje) empresas americanas como a CABGOC, actualmente uma subsidiária da Chevron? Em 1976, a Sonangol foi criada para gerir os interesses do estado angolano no petróleo. A lógica foi, desde o início, contrária à gestão “socialista” do resto da economia, já que este era o sector que iria gerar mais de 90 por cento dos recursos necessários à sobrevivência do Estado. Ou seja: mesmo quando os Estados Unidos eram o grande inimigo do MPLA, e principais financiadores da UNITA, a maioria das receitas do Estado vinha da Chevron e de outras companhias ocidentais! Uma estratégia muito pragmática, sem grande ideologia, e que resultou. O presidente Neto também tentou uma estratégia pragmática (em colaboração com a De Beers) nos diamantes, mas o petróleo foi o único sector em que isto funcionou. O presidente José Eduardo dos Santos manteve essa estratégia e desde cedo exerceu controlo directo sobre a Sonangol. A Sonangol é uma companhia com alguns sucessos assinaláveis e poderia ser uma alavanca para o desenvolvimento nacional, noutras circunstâncias.
Quais as razões para a Sonangol não desempenhar essas funções?A gestão da Sonangol sempre esteve ao serviço do regime – e dos interesses da presidência em particular. Na última década, a companhia deslizou para fora das suas áreas de competência histórica, e aventurou-se em muitas outras áreas que vão da industrialização ao imobiliário (com o beneplácito da presidência, e não por iniciativa exclusiva de Manuel Vicente, como agora se diz). Tudo erros custosos. Se alguém tem problemas com a gestão da companhia então que também peça contas a quem realmente manda no país.
Durante muito tempo, Angola foi praticamente um Estado pária, sobretudo junto do grande poder internacional ocidental. Esta situação deveu-se apenas ao longo conflito armado e consequentes limitações, embargos e penalizações ou era uma marginalização política, que tinha no centro uma motivação ideológica? Porque a má governação mantém-se, mesmo sem guerra, mas agora Angola é um membro de pleno direito da ONU (eleito para o Conselho de Segurança sem nenhuma objecção internacional), do FMI, do Banco Mundial – instituições ocidentais que deixaram de ser críticas do governo.É óbvio que houve hostilidade ideológica até ao fim da guerra fria, mas mesmo isso não impediu que se fizessem acordos na área do petróleo. O MPLA gosta de fazer a narrativa da vitimização, mas mesmo nos piores momentos o regime teve aliados bem colocados nos países ocidentais, sobretudo a partir do início dos anos de 1990. As companhias petrolíferas ou os bancos, por exemplo, sempre fizeram um lobby favorável ao MPLA. Mesmo quando as ONG criticavam a corrupção no sector petrolífero, no final dos anos de 1990, os países ocidentais concordaram com as sanções contra a UNITA – uma contribuição enorme para a vitória do governo na guerra civil. As críticas externas eram ressentidas pelo poder em Luanda, mas sempre houve uma dimensão pragmática, de negócios petrolíferos, que nunca foi afectada por isso. Dito isto, não há dúvida de que, a partir de 2004, as coisas se simplificaram, e mesmo os Estados ocidentais ou o FMI, que tinham sido ocasionalmente críticos, renderam-se à lógica comercial. Também eles queriam beneficiar das oportunidades de reconstrução em Angola.
Qual a sua opinião sobre a forma como o ocidente geriu a relação com Angola depois do fim do conflito, em 2002? Ao recusar a realização de uma conferência de doadores (Angola rejeitou as imposições políticas associadas à sua realização) os países ocidentais cometeram um erro? Ou a existência das tais pré-condições poderiam ser vistas como mais uma forma de influência externa sobre Angola?Existem Estados – a China, a Rússia, o Brasil, Portugal, Israel – que nunca levantaram questões sobre a governação em Angola. Os Estados ocidentais fizeram-no ocasionalmente, mas sem nunca perder de vista os seus interesses cruciais no sector do petróleo. Entre 2002 e 2004, os países ocidentais impediram a realização de uma conferência de doadores porque Angola nunca clarificou a sua gestão do sector petrolífero. Mas como já disse, o ocidente viu aqui uma grande oportunidade para negócios a partir de 2004, pelo que rapidamente abandonou a questão dos direitos humanos e da governação, especialmente a partir do momento em que a China entrou em Angola em força.
Quais foram as consequências desse alinhamento internacional à volta dos negócios?O resultado foi uma longa década em que o MPLA não teve grande escrutínio externo ou acusações de má governação. Mas os últimos seis meses e a estratégia repressiva que o regime adoptou (Marcos Mavungo em Cabinda, Rafael Marques, o Monte Sumi, os “revús”) resultaram num nível de escrutínio externo acrescido, e correspondente declínio de reputação do regime. A viragem para a China foi também um encantamento para os regimes africanos: é certo que o dinheiro foi uma lufada de ar-fresco mas o modelo político (um partido único com uma perspectiva de desenvolvimento e de acumulação de capital) foi uma atracção fatal?Segundo o académico, o equilíbrio das relações com a China está em risco | Francisco Bernardo/JA Imagens A China trouxe dinheiro que parecia fácil, e a perspectiva de diversificar as relações externas de Angola, diminuindo a sua dependência do Ocidente. Durante a primeira década, até 2014, a relação não foi mal gerida pela elite angolana. Claro que o resultado não foi o desenvolvimento de Angola, e há dimensões da relação bilateral muito problemáticas, ainda por esclarecer, como o CIF – China International Fund. Mas não há dúvida que Angola conseguiu uma relação relativamente equilibrada com a China. Essa relação equilibrada está agora em vias de desaparecer, porque o desespero do regime é tanto, em termos de necessidade de dinheiro, que está a assinar acordos menos favoráveis ao país. E em relação ao modelo político? A ideia de um partido único transformar a economia, criar muitas oportunidades de enriquecimento para os apparatchiks, mas guardar o poder, é muito atraente. É pena que o lado desenvolvimentista do modelo chinês, que é extremamente autoritário mas ao menos tirou muita gente da pobreza, se mostre menos cativante para certos círculos do poder em Luanda. O que significa a detenção de Sam Pa para a Sonangol e para os angolanos? E o caso Banco Espírito Santo Angola (BESA)? Vamos ver. Sam Pa foi preso na China e não noutra jurisdição mais aberta. Se o Estado chinês não quiser que esta questão seja elucidada, nunca vamos ter acesso ao testemunho de Sam Pa. Por outro lado, há sinais de que o governo chinês está furioso com as relações entre o CIF e a Sinopec, e que quer eliminar uma certa dimensão “privatizada” das relações sino-africanas, exemplificada pelas alegadas acções de Sam Pa. Mas queria assinalar aos leitores angolanos que se interessam por estas coisas, que já sabemos o suficiente sobre esta questão (que é, na verdade, uma questão muito angolana) através de um excelente livro, A Pilhagem de África, de Tom Burgis, e de um relatório de JR Mailey. Sabemos o suficiente para, pelo menos, colocar questões embaraçosas ao governo angolano e à Sonangol. E o BESA? Quanto ao BESA – onde está o dinheiro? E quais são as consequências para a reputação do sistema financeiro angolano se essa questão não for investigada a fundo, e resolvida? Angola é um sítio onde milhares de milhões de dólares podem desaparecer assim? Isso não inspira confiança, não é bom para os investidores externos.
“À sombra da retórica lusófona, muitos interesses privados lucraram”
Uma das passagens mais importantes do seu último livro é a análise histórica que faz ao papel do MPLA: e a conclusão a que chega é que não há mais nenhuma lógica naquele partido que não seja a manutenção do poder, custe o que custar. Porquê?Para Oliveira, a falta de dinheiro compromete a paz interna do MPLA |Ampe Rogério/RA O MPLA parece coeso nas últimas duas décadas, mas é um partido cheio de problemas mal resolvidos, de animosidades, e uma história de repressão interna sombria. A viragem para o capitalismo selvagem e para a construção da “burguesia nacional”, depois de 1991, teve dois resultados. Por um lado, antagonizou muita gente de valor, gente educada que historicamente era da grande família, mas que se cansou do fartar vilanagem e já não apoia o partido. Por outro lado, a construção de uma paz interna no partido através do enriquecimento das pessoas importantes colmatou provisoriamente algumas falhas. Acalmou os ânimos. Mas essa paz interna depende da existência de rendas petrolíferas substanciais, e não de uma visão política e económica para o país. E entra em perigo quando o dinheiro escasseia. Uma das provas sobre a não existência de uma visão de desenvolvimento, na sua opinião, é a forma como o MPLA mudou o sistema político para a social-democracia (abandonando o marxismo-leninismo e o regime de partido único) mantendo o controlo directo ou indirecto sobre a economia, a produção de informação na comunicação social, a sociedade civil (tornando as associações e sindicatos como satélites do partido) e a polícia/FAA. São estes factores que mantêm o MPLA no poder? De que forma a máquina é oleada?São vários factores. O dinheiro do petróleo; a máquina do Estado e do aparelho repressivo; a vitória na guerra civil; o sentido, bastante enraizado, dentro do partido, de que é a única estrutura legítima que pode governar o país, de que os outros são atrasados e provincianos e tribalistas. Tudo isto resultou, na década a partir de 2002, numa hegemonia sobre a sociedade angolana. Hegemonia essa que também beneficiou de alguma vontade de paz e ordem política por parte da maioria dos angolanos. Mas, ao fim de uma década, tornou-se claro que a maioria não estava a beneficiar do crescimento económico, e uma nova geração de jovens, para quem a guerra já não é o ponto de referência, começou a fazer exigências. Ou seja, as contradições geradas pelo modelo de acumulação económica e de governação do regime, que prometeu mundos aos angolanos, mas que teve resultados parcos e benefícios para poucos, assombram agora o país. Também afirma que os partidos na oposição acabam por ser fracos e ter pouca legitimidade porque, de certa forma, o presidente JES levou-os a aceitar o regime político em vigor. Até com favores e oportunidades económicas. Eu colocaria a questão em termos de fraqueza, mas nunca em termos de legitimidade – os partidos da oposição têm a mesma legitimidade que o partido no poder, nem mais nem menos. Todos são representações legítimas da sociedade angolana. Todavia, é importante compreender o espaço restrito que existe, em Angola, para o funcionamento da oposição parlamentar desde 2002. O MPLA necessita de ter algum teatro pluralista para fazer a montra da democracia, mas não há duvida de que controla o sistema político na sua totalidade. E não permite a emergência de verdadeiros desafios ao seu poder. Diga-se de passagem que este autoritarismo não é um monopólio do MPLA: a UNITA não confrontou adequadamente o seu passado e os seus escritórios continuam a ter retratos do Dr. Savimbi.
Qual é a solução?Num contexto em que o acesso aos média e à esfera pública, bem como o financiamento dos partidos, estão intensamente controlados, não nos devemos surpreender que os partidos da oposição tenham grandes dificuldades em articular a sua mensagem. E óbvio que há casos de aliciamento de políticos individuais por parte do poder, e de gente que se acamou no papel pouco exigente de eterna oposição. Mas eu enfatizaria as condições estruturais, de domínio absoluto do MPLA, que colocam grandes entraves ao pleno funcionamento da oposição. Numa entrevista ao jornal português Observador, criticou bastante o posicionamento de Portugal em relação a Angola. Sobretudo no pós-2002. Sendo Portugal uma força sem poder internacional, sem dinheiro, sendo uma ex-potência colonial, sendo o principal responsável pela descolonização tardia e feita sem condições devido a uma assinalável miopia política e diplomática durante o período de 1960-1975, não estaria sempre à mercê dos ditames de um regime como o angolano, que funciona numa lógica truculenta e sempre orientado “para fora”? Portugal geriu muito mal o fim do colonialismo. E a guerra até 2002 teve importantes dimensões internacionais. Mas os movimentos nacionalistas angolanos foram parte integrante da lógica do conflito de 1961 até 2002, não foram marionetas de potências estrangeiras. Passaram muito tempo a guerrear-se de 1961 a 1974, e se houve guerra civil a partir de 1975, a dinâmica das lideranças do MPLA, da UNITA e da FNLA, e a sua falta de vontade de compromisso, é incontornável. Têm todos uma responsabilidade importante na trajectória angolana dos últimos 50 anos. Quanto ao papel português actual, acho que a relação de hoje não tem nada de normal ou de inevitável. Porquê? Porque foram escolhas feitas por decisores políticos e económicos específicos, que apostaram numa relação de intensa proximidade com as esferas do poder angolano. Essa relação foi estabelecida nos anos de 1990, quando Portugal estava em pleno crescimento e Angola era um Estado falhado, em guerra. À sombra da retórica lusófona, muitos interesses privados lucraram. Depois a relação entrou noutra fase, a partir de 2008, com o crescimento extraordinário da economia angolana e a crise económica em Portugal. Neste contexto, os decisores angolanos exerceram a sua nova influência de forma visível e contra-producente, o que por sua vez levou a uma reacção negativa, em Portugal, mas também em Angola, onde muitos questionam a promiscuidade de negociatas da relação bilateral. Mas eu estou convencido que o apogeu dessa relação opaca já passou, e que o grau de escrutínio, por parte de angolanos e portugueses, vai acelerar. Qual é a alternativa? Uma relação bilateral transparente e altamente protocolar, entre Estados, que não está refém de indivíduos ou claques específicas que amanhã podem não estar lá. A intimidade luso-angolana deve viver-se ao nível das duas sociedades, que se conhecem desde há muito, e não ao nível de esquemas duvidosos entre políticos angolanos e portugueses. A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) não é mais do que uma instituição de cariz colonial, apesar do efectivo potencial que a harmonização e a diplomacia podem desempenhar? De que forma pode a CPLP tornar-se uma instituição de futuro e não de passado? Eu vejo a CPLP de forma diferente. Teoricamente, as organizações pós-coloniais – CPLP, Commonwealth, Francophonie – tem essa dimensão “colonial”, ou pelo menos fortes laivos da experiência de dominação colonial. Mas a CPLP não é nada disso. É uma organização pequena e mal financiada, e sempre lidada de longe, com muito cepticismo e de forma pouco construtiva, pelo Brasil. E foi capturada pelos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), nomeadamente por Angola, que a utiliza como maximizadora dos seus interesses unilaterais. Na CPLP, até Timor dá ordens. E Portugal tem um papel seguidista. Poder-se-á acusar as outras organizações de imporem os valores da ex-potência colonial aos outros Estados membros. Na CPLP, quem impõe são as ex-colónias – veja-se o exemplo da idiótica e inaceitável entrada da Guiné Equatorial que, de forma flácida, Portugal acabou por aceitar; uma vergonha. Não há qualquer compromisso real com a defesa dos direitos humanos e da boa governação. Neste contexto, a CPLP arrisca-se a ser um factor irrelevante, quando não um instrumento de protecção de interesses autoritários ou (mais uma) via para negociatas.
A entrada da Guiné Equatorial na CPLP foi “idiótica”, afirma o autor | Rogério-Tuti/JAimagens “O presidente concentrou o poder nas suas mãos de tal modo que a saída será tão transformadora, e traumática, como se esperaria”O poder de JES passa por uma nova fase de questionamento interno: com a queda do preço do petróleo a maré vazou e mostrou as pontas soltas. Ao mesmo tempo, temos 16 pessoas detidas por motivos políticos – por terem dito de forma aberta, ao longo dos últimos quatro anos, que querem o presidente fora da Cidade Alta. Com menos dinheiro disponível para comprar favores, todo o regime dirigido pelo MPLA está em risco? Eu não subestimaria o regime, que ainda assim tem alguma coesão e um poder coercivo importante. Mas não há duvida que existem aqui dimensões preocupantes. Como menciona, há muito menos dinheiro para comprar favores. Muita gente importante no partido diz – por ora baixinho, mas vão dizendo – que tem medo que a impopularidade do presidente os arraste. E existe uma enorme preocupação com a questão da sucessão. Mas o mais importante é esta onda repressiva. Não é um acidente. Existe a repressão propriamente dita e a gestão incompetente da imagem externa do regime. Mas há mais. Em que sentido? Gente arqueológica dos anos de 1980 e 1990 a escrever editoriais no Jornal de Angola – do género vamos “bater enquanto o ferro está quente”. A quererem que isto tudo dê para o torto… Há uma deriva, há medo na cúpula do regime. O que não existe no MPLA, infelizmente, é um debate interno honesto e coerente sobre as ansiedades legítimas dos angolanos. Existem indivíduos lúcidos dentro do partido, que percebem o que está a acontecer (ainda que a maioria da gente de valor há muito que se afastou, por desprezo pela “acumulação primitiva”). Mas mesmo quem percebe o que está a acontecer, diz mal em casa entre amigos mas tem medo das consequências. E em público, cala-se. O debate existe, na sociedade angolana – mas o estado de espírito dentro do MPLA é outro. Quem poderá suceder a JES?É uma questão crucial. O presidente concentrou o poder nas suas mãos de tal modo que a saída será tão transformadora, e traumática, como se esperaria. Mas as alternativas não são óbvias. Ao longo dos anos, longe de ter promovido a ascensão de potenciais sucessores, JES minou toda a gente que revelou ambições: João Lourenço, agora Manuel Vicente, e tantos outros. A meu ver, isto não é só uma questão de querer ficar no poder eternamente. Há um grande receio de que, se o sucessor não for uma pessoa de confiança, mais cedo ou mais tarde os interesses das pessoas próximas da presidência vão ser lesados. Mesmo que seja uma pessoa aparentemente de confiança, a vida está cheia de surpresas… Desse ponto de vista, a única solução seria colocar um membro da família no poder, como no Togo e no Gabão, que possa proteger os interesses estabelecidos. Mas o partido e a sociedade angolana resistem a essa solução – pelo que estamos neste impasse. O resultado, por exclusão de partes, pode bem ser a permanência de JES no poder a médio ou longo prazo. É uma possibilidade que devemos equacionar. |