18-10-2015Angola–1625 Na Quiçama, quase que exclusivamente ocupada por jagas Alfredo A. FelnerPorque acreditamos na finalidade da iniciativa da UNESCO : "Memória do Mundo", um programa criado em 1992 com o objetivo de consciencializar o público para a necessidade e importância de preservar e valorizar o património documental.Partilhamos os conteúdos que tem história e fazem parte das nossas memórias. Angola – 1625Na Quiçama, quase que exclusivamente ocupada por jagas, continuava a predominar o célebre Cafuxe, com quem o governador Fernão de Sousa quis evitar os transtornos e inconvenientes de uma guerra, para o que tinha fundadas razões, pelos escravos, fugidos de Cambambe, que ele acolhia negando-os aos reclamantes. Preferiu entender-se comos jagas Zenga e Quinda e autorizá-los a fazerem guerra ao Cafuxe, com a condição de restituírem os escravos dos portugueses que aprisionassem e de não molestarem os sobas nossos vassalos que continuassem fiéis, como o antigo Songa, próximo da Muxima.
As minas de Sal da Ndemba pertenciam ao soba Caculo-Kia-Kimone e havia toda a vantagem em as ocupar com um presídio, o que lhe era recomendado pelos ministros, mas Fernão de Sousa preferiu encarregar o capitão-mór do presídio da Muxima de, por intermédio dos sobas do Songe e da Muxima, chamar o Caculo às nossas boas relações, o que seconseguiu, não deixando êsse facto de provocar ciumes e a inimizade de outrossobas que se socorriam dos jagas e em especial do Cafuxe, para fazerem asguerras aos que eram nossos amigos ou se mostravam inclinados à política depaz.
Por êsse motivo o Caculo-Kia-Kimonefoi atacado, tendo sido mortos alguns dos seus principais, e foi então queresolveu vir entregar-se completamente a nossa protecção, pedindo para se vir undar(i) a Luanda, e tomando nós conta da exploração da mina de sal.
Ainda no sul, mas para alémdo Libolo, no Haco, nós mantinhamos as melhores relações com o sobaNgunza-a-Nbemba (Quizambembe?) onde em 1627 Fernão de Sousa depois de mandar aocapitão-mór de Massangano que o avassalasse e undasse, abriu umafeira da maior importancia, porque ali afluia não só o negócio do Dongo,interdito pelas questões da Ginga, mas ainda o do sul, da região do Bié, que jáentão era conhecida dos nossos comerciantes.
Ao norte, não falando noCongo, na região entre o Bengo e o Dande e ainda ultrapassando êste rio, o quedava lugar a reclamações do rei do Congo, tinhamos estabelecido a feira deSambanzombe, que depois mudámos para o Bengo, e mantinhamos as melhoresrelações com os sobas Quiluange, Cancango, Campangola, Quitexe, Cauanga, etc.,e ainda com o Ambuila, todos Dembos, estando ocupadas por portugueses eexploradas pela agricultura as margens dos dois rios, havendo uma povoação comduas igrejas, e um capitão-mór em Matemo.
(i) Undar era a confirmação ou reconhecimento do sobapelo governador geral, e era feita com determinado cerimonial em Luanda.
Carta do Governador Fernão de Sousa de 25 de Dezembro de 1625
DECLARAÇÃO DOS TRIBUTOS QUE SE PEDEM AOS SOUAS
(ortografia da época; atenção à letra “u” que pode ser “b ou v”)
Futa
1°. Futa responde em Portuguez, a prezente que o ynferiordá a seu superior em demõstração que o reconhece por superior a modo de hucazeyro ao senhorio. A este respeito não se atreue soua nenhu yr a prezenya decappitão de prezidio sê lhe leuar futa, e os cappitaes a tê já tanto por suaque se o soua a não leua, ou se descuyda pede lhe a sua ynfuta, e pera esteeffeito sê cauza os chamão muytas vezes aos prezidios, e os detê neles huzandode modos injustos, e parece já tributo pondolhe nome de proês, e precalços. Omesmo huzão quando vão fazer alguã deligencia por mandado dos Gouernadores polaterra dentro, e a todo o soua pedê infuta obrigandoos a dala por força eviolencia; o mesmo fazê os brancos quando os mandão seus cappitães adeligencias, ou vão a negocio de que os souas recebem grande opressão.
Loanda
2°. Loanda he tributo em reconhecimto devassalagê, de vassalo pera sõr, que os Souas pagauão a ElRey de Angola. OsGouernadores, e cappitães mores, e cappitães dos prezidios o forão yntroduzindoem sy a exemplo d'El Rey de Angola, e a este tributo responde os baculamentosque pagão a El Rey nosso sõr pelo que se não pode pedir Loanda aos Souas porquepagão baculamento, e somente a S. Mag.e pertence este tributo.
Vestir
3°. Vestir he hu modo que seintroduzio pera pedir peças aos Souas pela maneira seguinte, mandauão osGouernadores hum Macunze que responde a Embaixador cõ cantidade de panos deseda cõ suas empondas, e cõ feregoulos que he o vestido dos negros, e a cada Souadezia que hera Macunze do Gouernador, e q hia buscar a Loanda, e como herãosempre pessoas doutas nesta negoceação despião o melhor que podião a cada Souaobrigandoos com praticas e que chamão milongos a darê pera o Gouernador, e oMacunze, lingoa, e companheiros as peças que não podião dar. Outras vezes seofferecião pessoas aos gouernadores a fazer estas missões; por certa cantidadede peças per contracto, e algus herão tão deuotos que se offerecião fazelo àsua custa, o que fazia a viagë por qualquer destes modos se apercebia de cedas,e doutras cousas, hia polas Prouincias, e em cada soua a q chegaua se assentauaem hua cadeira d'espaldas e se reprezentaua Gouernador, e intimidando o soua oobrigaua se hera poderoso a lhe dar polo menos dez peças, e sendo menor acinco, a fora as que daua pera a companhia e mantimentos, e agazalhado necessoem que às vezes entraua molhéres, e filhos dos Souas, cõ grande dezacato seu,que elles muito sentião, isto mesmo fazião, e fazë os cappitaes dos prezidiosmandando Macunzes polos Souas à imitação dos Gouernadores.
Ocambas
4°. Ocamba he mandar o capitão do Prezidio aos Souas do seu destricto ou qualquer outro brcoao soua com q corre hua peruleira de vinho, ou pano, ou outra fazenda cõ tençãode lha pagar o soua cõ fingimento de amizade, e boa correspondencia, e nãoquerendo alguas vezes aceitala o soua o obrigão a tomala por boas palauras, elha deixao em caza, e se o soua se descuyda em a pagar a mandão arrecadar deleem peças de indias por tres, ou quatro preços mais do q valia o q lhe mandarão.Conuê que os capitães dos prezidios, e Portuguezes nao huzë de ocambas quecomprê, e vendão a preço certo, e que os souas nao sejão obrigados a pagalas.
Imfuca
5°. Infuca he vender aossouas de fiado per modos, e palauras q lhes parece que ou não pagarão, ou ofarão tarde dandolhes as fazendas per rogos, ou por força, e passado certotempo mandão os capitães, e Portuguezes pedir aos souas que lhe paguê o quederão a infuca, e não pagando prendenlhe molheres, e filhos, e vassalos a quechamão filhos de Morinda q são forros, e amarardos së ordë de justiça osmandão a esta Cidade a vender por peças, e embarcar de mar em fora, polo que sedeue euitar este modo de venda, e que somte se faça nas feiras, epumbos, por Pombeiros.
Outros modos
6°. Costumão os capitães dosPrezidios pôr Tendalas, e manilumbos, escrauos forros, e catiuos pelos quaesexercitão todos os modos de tirar peças chamando os Souas aos Prezidios, ouseja pera guerra, ou pera fazer baluartes, e obras nos Prezidios em têpo desuas sementeyras, ou de nojos, ou de outras necessidades em que nao podë yr, enão yndo os meação por leuãtados, e por remirë sua vexação se concertão portantas peças, e aos que vão ao Presidio não lhe dão audiencia tënos ao sol noterreyro descontentaose das obras que fizerão, e por peças libertão suaspessoas, e se liurão destas vexações, e a tudo isto chamão proës, eprecalços de seus cargos.
Vndar
7°. Vndar he ceremonia de qhuzao os Souas quando succedê nas Terras por morte do vltimo sõr da terra, ouquando por cauzas justas conforme a suas leis, e costumes lanção o sõr fora daterra, e ellegê os macotas que são os do Conslo outro sõr, o qualcostuma ser o sobrinho do morto, filho de sua Jrma porq este të por legitimosõr, e não o f° que dizë pode ser adulterino, este tanto que he electo, e antesde o ellegerem o fazê saber ao Gouernador pedindolhe que o aja por bem, e que oqueira vndar, q he o mesmo que confirmalo na terra, e vndar he estando o souadiante do Gor peito por terra em sinal de Vassalamto asua Mage se lhe lança hua pouca de farinha por cima dele, e elle atoma cõ suas mãos, e se enfarinha polos peitos, e braços, e antão se tê porsenhor da terra, o Gouernador o manda yestir em acabando de se vndar conforme acalidade, e poder do soua, e o soua lhe prezenta o que quer, e da a quê lhelança a farinha, e a quë o veste, capitão da gda, secretario, eTendala, o que lhe parece, isto se pode leuar se o soua volutariamteo da, e se lhe não faz força porq responde ao dereito da confirmação,chancellaria, e mais dereitos que o Donatario paga pola confirmação, e tambê se poderá tomar o que o soua de sua propia vontade dá porq të por grande desprezonão lhe tomar o que por este modo dá porq cujdão que o tê por jnimigoleuantado, e porque quando lho aceita o Gouernador por outro modo lho satisfaz.
(Biblioteca da Ajuda, cod.5I-VIII-30 e 3l. Governo de Fernão de Sousa).
In “APONTAMENTOS SOBRE A OCUPAÇÃO E INÍCIO DO ESTABELECIMENTO DOS PORTUGUESES NO CONGO, ANGOLA E BENGUELA” por Alfredo de Albuquerque Felner
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