21-09-2015O SEU TEMPO CHEGARA POR FIM Inácio R. Andrade«Tão linda e auspiciosa como uma flor que desabrocha»
O SEU TEMPO CHEGARA POR FIM Inácio Rebelo de Andrade Veio com o Cacimbo, mas ao contrário da estação, que secaria por quatro meses o capim do solo; da temperatura baixa das madrugadas, que faria toda a gente tiritar de frio; do vento agreste e persistente, que abriria feridas de cieiro nos lábios — ao contrário de tudo isso, Nhemba veio com a mãe à loja, tão linda e auspiciosa como uma flor que desabrocha. No rosto oval, os olhos pestanudos, a boca entreaberta, o nariz pouco achatado, a pele negra das faces, brilhando como uma gema magnífica; mas não só o rosto, porque também os braços ágeis, que caíam sobre os quadris, as coxas firmes, que sobressaíam sob o pano de pintado, sobretudo os seios pontiagudos, que tremiam por baixo do quimono, toda ela era ali uma promessa da mulher que estava para ser. {...} Abel viu-a contra a luz que entrava a custo pelos vidros sujos da janela; nessa meia claridade, avaliou-lhe as formas e ficou extasiado. Caramba!, que beleza!, que perfeição! Assim tão nova, com catorze anos se tanto, ela estaria já em condições de ir para a cama? Coçando a carapinha, a ponta acesa do cigarro dentro da boca, Calenga, a mãe, esperava pelo dinheiro que contava receber pela quinda de ovos acabada de vender. Tentava explicar por que razão trazia só aquilo: — Num tem os mírio nem os feijão nos ravra. Só isto. E só com isso, ovos de galinha e de pata misturados uns com os outros; sem mais nada, como não disse, mas era fácil deduzir, esperava levar consigo algum conduto para juntar à fuba que serviria à família. Ao contrário do costume, Abel foi generoso no pagamento. Calenga olhou as notas e mostrou-se surpreendida: — Sete angorare?! Ele confirmou: — Sete angolares, pois. Tu mereces. Tens muita gente a teu cargo. Perguntou logo a seguir: — Esta menina é tua filha? Como se chama? A mulher respondeu: — É sim. Si chama Nhemba. Calenga não era ainda velha, mas sabia o bastante para perceber que aquele tchindér fitava a filha gulosamente. Para quem passara anos e anos a ver brancos à procura de cafecos para desflorar, aqueles olhos húmidos revelavam tudo... Fixos e insistentes, refletiam bem a sua cupidez: «Ere quer tirar o cabaço dera. Quer mêmo!». Tinha razão. Os sete angolares entregues pelos ovos, que iam para além do valor da mercadoria, marcavam de facto o início do alembamento que Abel deveria pagar para satisfazer os seus desejos. Ou seja, como a negra intuíra de imediato, deitar-se com a rapariga. Avisada pela mãe, Nhemba estava agora ciente de que o seu tempo chegara por fim. De que podia ajudar a família, sobretudo o irmão candengue, que nascera cego, se aceitasse pertencer àquele homem. Por que não? Ele agradava-lhe: comparado com o angariador Faustino, que ia ao quimbo falar com o soba para arranjar gente para o contrato, ou com os outros comerciantes da região, que iam também aí comprar leitões na época do Natal, Abel era mais novo e mais bonito. Quando abria a boca, tinha lá os dentes todos, sem faltar nenhum. O que era raro.
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