Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


07-04-2019

O centenário do alfarrabista tranquilo João Rodrigues Pires


JOÃO RODRIGUES PIRES

É da Lisboa das pequenas coisas que emana o espírito gostoso que singulariza a cidade. Ternura sentimental que se instala nos lugares para crescer por dentro de nós, num afecto inconsciente que se funde no quotidiano para lhe reinventar o ritmo dos dias, e que o lisbonense verá sempre, através do prisma nostálgico, como qualquer coisa de seu, jóia de família que com mais ninguém se comparte e que só ele sabe amar a preceito. É isto que sucede aqui, nesta esquina íngreme da geografia queirosiana, onde o Teatro da Trindade se debruça sobre a Rua da Misericórdia para ver passar o buliço que desanda alheio a tudo o que vê, indiferente à quietude aparente dos três andares de o Mundo do Livro, onde nos fomos encontrar com João Rodrigues Pires, um alfarrabista que ainda hoje exerce diariamente o seu ofício, com a vitalidade invejável, como se não lhe pesassem os cem anos que leva já sobre os ombros.

Recebeu-nos com a simplicidade das pessoas interessantes, entre gravuras antigas, assinadas por Bartolozzi, William Hogarth e por outros nomes famosos que não me dei ao trabalho de identificar. Junto a nós, prontos a correr o mundo, alinhavam-se os vários volumes que compõem A Selva, de Ferreira de Castro, todos subscritos pela mão do seu autor; um manuscrito inédito de Aquilino Ribeiro, que foi grande amigo e frequentador assíduo daquela casa; e quatro elegantes livros com distintas obras de John Dos Passos, estes com dedicatórias assinadas pelo próprio punho daquele genial escritor norte-americano. Na montra, espreitava-nos a tiragem especial da obra completa de Jaime Cortesão, onde a sua viúva, Carolina Cortesão, inscreveu graciosamente o nome, para rematar com ternura as palavras bonitas que escrevera no texto.

Para lá do pequeno escaparate da entrada, sem salamaleques, penduravam-se na parede dois diplomas que premeiam uma vida. Um destes, outorgado pela Presidência da República italiana ao dono da casa em que estamos, confere-lhe l’onorifizenza di Cavalieri; e outro concede ao Mundo do Livro o Prémio Europa de la empresa Ejemplar, pelo facto de esta ser uma “empresa comprometida en producir y suministrar produtos y servicios de calidad para sus clientes”. Já na escada de acesso aos andares superiores, é um poema de Castro Alves que sobressai da parede pintada por Domingues, em 1962, para nos brindar com o espírito benfazejo que preside àquela casa: “Oh! Bendito o que semeia/Livros... livros à mão cheia/ E manda o povo pensar!/ O livro caindo n’alma/ é gérmen que faz a palma /É chuva que faz o mar.”  Inline image
 

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O centenário do alfarrabista tranquilo

 

   
 

O centenário do alfarrabista tranquilo

Lourenço Henriques-Mateus, Miguel Manso

Decano dos alfarrabistas portugueses, João Rodrigues Pires abriu as portas do seu Mundo do Livro, em Lisboa, há ...