Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


10-02-2019

Salto ao castelo Dança de espadas / de paus Miranda do Douro


Dança de espadas / de paus.
Com o Grupo de Pauliteiros de Miranda do Douro.

FICHA TÉCNICA
Realização: Tiago Pereira
Som: Sara Morais
Filmado em Miranda do Douro (Distrito de Bragança) no dia 13-03-2011.

adancaportuguesaagostardelapropria.pedexumbo.com

https://vimeo.com/54860974?fbclid=IwAR1X6JC6xww0zc1YSe6FsuiXT6tGFMxGgq2HHEHUXXLSgDgCP4idVWbbHCg

 

O que são os “Pauliteiros de Miranda”?

Por causa da opinião geral que “os Pauliteiros de Miranda são um grupo de dança original de Miranda do Douro”, preciso esclarecer logo do princípio que não se trata dum grupo, mas de vários grupos de diferentes aldeias do concelho de Miranda. Embora em Portugal a dança dos Pauliteiros se tornasse emblema da cidade de Miranda do Douro, a dança dos paulitos faz parte dum género de dança chamada “dança de espadas” que se encontra no mundo inteiro. 

Segundo Stephen Corrsin (1997: 1) o tipo de dança de espada dito “encadeado”, a que pertence a dança dos Pauliteiros, existe exclusivamente na Europa e em territórios colonizados por Europeus. Citações desta dança remontam à Idade Média, mas devem evitar-se hipóteses sobre a sua origem – sobretudo por causa da constante modificação e adaptação desta dança a circunstâncias históricas. 

No meu estudo cito elementos guerreiros, religiosos e rituais da dança dos Pauliteiros sem classifica-la definitivamente numa destas categorias. Em Portugal ainda se encontram outras danças de espadas sendo a maioria conhecida como “mouriscas” – das quais curiosamente nenhuma tornou tão popular como as danças dos Pauliteiros de Miranda. 

É importante mencionar que os Pauliteiros não se restringem exclusivamente ao concelho de Miranda, mas existem também noutras localidades próximas de Miranda. 

Por fontes escritas constatei que a dança dos paulitos se dançava e se dança nos concelhos Vimioso, Bragança, Vinhais, Mogadouro, até mesmo no concelho de Macedo de Cavaleiros. Hoje em dia fundam-se além disso grupos de Pauliteiros em outras regiões portuguesas, sobretudo nas tunas de estudantes, e nas comunidades portuguesas no estrangeiro. Embora um capítulo aborde a fundação de grupos de Pauliteiros nas comunidades portuguesas no estrangeiro, e a expansão dos Pauliteiros em Portugal, o meu estudo concentra-se sobretudo nos Pauliteiros de Miranda, pois nos grupos do concelho de Miranda. 

Devido à facilidade de ver actuações dos Pauliteiros de Miranda em todo o Portugal, preferi estudar a dança dos paulitos no contexto dito mais “tradicional” e por isso passei três meses de trabalho de campo em Miranda entre Agosto 2003 e Setembro 2004. 

Em Junho 2003 pesquisei também na comunidade portuguesa de Saint-Denis (Paris). O resultado das pesquisas no terreno e em bibliotecas e arquivos portugueses, é o primeiro estudo sistemático de diferentes aspectos dos Pauliteiros de Miranda. 

No entanto, as obras de António Maria Mourinho e doutros autores mencionando os Pauliteiros no quadro dos seus estudos sobre cultura mirandesa (ver Vasconcelos, Alves, Schindler, Gallop, Veiga de Oliveira, Giacometti e Caufriez) serviram-me como base.

A restrição a Miranda resulta também da suposição de que em Portugal esta dança se enraíza nesta zona, onde poderá ter chegado através da população de León. A saber, a danza de palotes ou paloteo é muito divulgada em Espanha. Uma confrontação com o repertório dos Pauliteiros de Salselas (Macedo de Cavaleiros) (Cravo 2000) mostrou que havia mais adaptações recentes de modas portuguesas (Canções e danças populares portuguesas) nos lhaços Salselenses do que de Miranda (O termo lhaço designa a marca individual ou melhor dito a peça musical e coreograficamente fechada da dança dos Pauliteiros. Os lhaços constituem junto com os passacalles o repertório dos Pauliteiros). Não se pode dizer, porém, que devido a um repertório mais “moderno” e devido à aglomeração de grupos de Pauliteiros na zona de Miranda, todos os Pauliteiros, incluindo os de Salselas, são uma imitação dos Mirandeses – um discurso às vezes encontrado na população mirandesa. 

Contudo, os Pauliteiros definem em comum com a língua mirandesa uma comunidade: a dos Mirandeses.
 

Dentro dos chamados ranchos folclóricos (grupos representando tradições locais de música e dança, encontrados em todo o território de Portugal e no Estado Novo utilizados como propaganda ideológica),  os Pauliteiros tomam um lugar especial: eles constituem-se exclusivamente de homens, vestem um costume bem diferente dos outros ranchos e a coreografia complexa com paulitos e castanholas chama a atenção. Além disso, por causa das semelhanças com a danza de palotes espanholas são por vezes não considerados como fazendo parte do folclore português, por outro lado são defendidos pelos Mirandeses como sendo mais “autênticos” do que os ranchos uniformizados de Portugal. 

No meu estudo a expressão “rancho dos Pauliteiros” serve porém como contraparte aos dançadores que ainda executam as suas funções nas festas religiosas de Miranda. 
Aqui preciso acrescentar uma questão interessante: Antigamente, e em Miranda ainda hoje, os “Pauliteiros” eram chamados “dançadores”. Visto que em Espanha os “Pauliteiros” se chamam danzantes, o segundo termo parece mais correcto. Não se sabe a partir de quando a expressão “Pauliteiros” foi utilizada e por quem foi inventado. Fora de Miranda, os dançadores mirandeses são exclusivamente conhecidos como “Pauliteiros”. De qualquer modo, este termo já aparece nas Memórias do Abade de Baçal (Alves 1990 [1925]). 

A institucionalização dos Pauliteiros
 

Para mim, “rancho” é sinónimo de “institucionalizado”. Um dos primeiros ranchos de Portugal foi talvez o dos Pauliteiros de Constantim que actuaram na Sociedade de Geografia em Lisboa em 1898. O maior impacto na institucionalização, patrimonialização e uniformização dos Pauliteiros de Miranda teve porém o Padre António Maria Mourinho, que não só escreveu sobre a dança dos paulitos, mas também fundou o Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas – Pauliteiros de Miranda em 1945. Este era um grupo de danças mistas de Duas Igrejas que, incluindo os Pauliteiros de Cércio, e mais tarde os de Duas Igrejas, representava os Pauliteiros de Miranda em Portugal e no estrangeiro, produzia gravações comerciais e participava em competições de dança e de arte popular. 

Embora outros Pauliteiros de Miranda lamentem ter este grupo modificado a dança dos paulitos incluindo instrumentos rítmicos (ferrinhos, pandeiros e pandeiretas) que não faziam parte do acompanhamento tradicional dos Pauliteiros (gaiteiros ou tamborileiro) e divulgado a imagem de “homens em saias brancas”, este grupo serviu como “modelo” para os Pauliteiros de Miranda actuais. Nas conversas com Sebastião Martins (85 anos), um antigo dançador dos Pauliteiros de Cércio, aprendi que os Pauliteiros de Cércio já estavam “institucionalizados” e promovidos pela Câmara Municipal de Miranda do Douro antes da direcção de António Mourinho. Além disso, estes Pauliteiros utilizaram o traje das saias, que difere do traje das calças utilizada nas festas religiosas mirandesas, a partir da actuação em Londres, em 1934. Devido à falta de documentos sobre o traje dos Pauliteiros antes do fim do século XIX, não se sabe se o traje das saias foi revivificado pelos Pauliteiros de Cércio por causa da actuação em Londres ou se eles foram inspirados por trajes de outras danças de espadas europeias, talvez inglesas ou espanholas. 

Um bom exemplo para a distinção feita entre a forma “rancho” e “tradicional” dos Pauliteiros, é S. Martinho de Angueira: há 4 anos o antigo dançador e actual chefe dos Pauliteiros de S. Martinho, Fortunato Preto (cerca de 55 anos) e o gaiteiro Desidério Afonso (cerca de 50 anos) fundaram nesta aldeia os Pauliteiros “folclóricos” segundo o modelo dos Pauliteiros de Cércio para as “saídas”, ou seja, actuações fora de S. Martinho. Quando falo do “modelo” dos Pauliteiros de Cércio penso na apresentação com saias brancas ao contrário das calças pretas que os dançadores de S. Martinho ainda vestem na Festa da Nossa Senhora do Rosário no último domingo de Agosto. Curiosamente, alguns rapazes, assim Fortunato Preto me contou, participam somente ou no “rancho” ou na festa em honra da Nossa Senhora do Rosário.


Foto 2: Pauliteiros de S. Martinho, dança depois da missa, 
Festa da Nossa Senhora do Rosário, S. Martinho de Angueira, 

22.8.2004 (foto: Barbara Alge) 

 

A Popularidade dos Pauliteiros de Miranda - Associa��o Gaita de Foles

 

   
 

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