Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


24-10-2015

Genealogia-Fontes Os Deputados brasileiros nas Côrtes Gerais de 1821 por Carvalho


Os deputados brasileiros
nas Côrtes Geraes de 1821



 

DO MESMO AUCTOR


 

D. João III e os francêses. (A. M. Teixeira & C.ta, Lisboa, 1909).





 


 

Imprensa Moderna―Porto

Grande Premio na Exposição do Rio de Janeiro de 1908



 

Subsidios para a Historia do Brasil

 

Os

Deputados brasileiros

nas

Cortes Geraes de 1821

por

M. E. Gomes de Carvalho

 

 

PORTO

Editores: LIVRARIA CHARDRON, de
Lello & Irmão―R. das Carmelitas, 144


1912



 

CAPITULO I

 

SUMÁRIO:

Causas da revolução de Portugal de 1820.―Incerteza sobre o regresso d' el-rei.―Necessidade da adesão do Brasil para o êxito da revolução.




Em consequência da invasão francesa e da abertura dos portos do Brasil ás nações amigas, a miséria no Reino ia em crescimento assustador. Cada ano assinalava nova redução na marinha; aumentava a importação dos géneros de primeira necessidade, a começar pelo trigo; fechavam-se as fabricas, os produtos vencidos da concorrência inglesa no ultramar, e os operários, famintos, tornavam-se mendigos ou ladrões. Em 1820 a penúria atingia o extremo. Esgotado inteiramente, o erário não pagava aos funcionários públicos nem restituía os depósitos. Queixavam-se os soldados de que havia oito meses não recebiam os soldos, e nem mesmo os compromissos sagrados do monte-pio eram satisfeitos;[1] à miséria ajuntava-se a humilhação. Humilhação [6]no exercito, onde a presença de oficiais europeus fazia acreditar na incapacidade do português para defender só a terra natal; humilhação em todas as classes, porque a gloriosa nação se achava reduzida à colónia do Brasil, constituído o centro da monarqohia, por abrigar o soberano.[2]

O descontentamento geral e o entusiasmo com que a Espanha acolheu o juramento da constituição de Cadiz pelo rei, a 7 de março de 1820[3], induziram os liberais do Porto, auxiliados pela guarnição, a se revoltarem em 24 de agosto contra o absolutismo, com programa verdadeiramente moderado. Não pregavam a republica nem mesmo a substituição da monarquia, a despeito de haver o rei abandonado a nação, em fuga precipitada para o Brasil; ao contrario, referiam-se a ele com expressões de respeito, simpatia e dedicação, que certamente não merecia o chefe que já não podia justificar a sua ausência da pátria. Manteriam a religião católica. O que queriam era a participação do povo nos negócios públicos. Nem isso era cousa nova, porquanto outrora os soberanos, por força do direito consuetudinário[4] ouviam acerca dos interesses nacionais os representantes do clero, da nobreza e do povo. Era o restabelecimento desse fôro, conculcado pela realeza, com as modificações adequadas ás ideias do tempo e com as garantias necessárias [7]para não ser de novo frustado, que, em ultima analise, se traduziria a constituição que os procuradores da nação, convocados pelos revolucionários, pretendiam então fazer.

Resoluções tão moderadas e reivindicação tão justa, defendidas por homens de moralidade elevada, como os chefes do movimento, á medida que se divulgavam, iam conquistando os ânimos e anulando as veleidades de resistência manifestadas nos comandantes das armas de Trás-os-Montes e da Beira[5]

A regência, designada por el-rei, que em 2 de setembro reconhecia, em carta ao soberano, a impossibilidade de defender o regime por lhe não inspirarem confiança as tropas da capital, e a impossibilidade de viver, porque a sublevação das opulentas províncias do norte tiravam ao governo a fonte mais copiosa de rendas,[6] aos 15 de setembro perdia a direcção da causa publica, acclamados outros governadores pelos batalhões e populares reunidos no Rossio. Estes, de acordo com os chefes da insurreição portuense, criaram o governo supremo.

Aceita a revolta por todos os ângulos do reino com jubilo tal que desterrava receios de perturbação da ordem, os novos directores da politica empenharam-se com fervor na execução do seu programa. Duas questões levantaram-se, ardentes e inquietadoras: tornaria a Portugal el-rei ou qualquer pessoa da sua família? Que acolhimento [8]reservaria à nova ordem de cousas o Brasil?

Tornava-se indeclinável a presença do monarca, não só para sancionar o movimento, mas ainda para restituir o velho reino á sua condição de metrópole, da qual se achava despojado por ser governado por prepostos e receber ordens de além-mar. Assim, um dos primeiros actos do novo governo é depreciar ao soberano que volva á patria ou mande alguma pessoa de sua familia, a fim de consolidar a obra da regeneração social[7].

Avultava, contudo, a desconfiança de que el-rei não acudiria ao appelo. No meado de março, a imprensa portuguêsa de Londres noticiava que a familia real assentára fixar-se para todo o sempre no Brasil, e pouco depois correu voz de que estava imminente a declaração official d'aquelle proposito.[8] 

A maneira ambígua por que o soberano respondia á regência do reino, ao instar ella pelo seu regresso, robustecia o boato. Na verdade, D. João recusava-se volver ou mandar um dos filhos á terra de onde saíra com terror pânico dos franceses. Sentia-se bem no Brasil, onde «se cria amado»[9], não o torturavam achaques[10] e não havia vizinhos que pusessem em perigo a [9]sua segurança. A 12 de outubro de 1820, o brigue «Providencia» tirou-lhe a quietação com a noticia da revolta portuense, transmitida pelo governo que o representava em Portugal. Ao mesmo tempo que o inteirava dos graves acontecimentos, participava-lhe haver convidado o clero, a nobreza e o povo a se reunirem em cortes, e mais uma vez depreciava ao soberano que viesse[11]. A resposta do monarca chegou a Lisboa a 16 de dezembro, quando desde muitas semanas a insurreição varrera do poder o cardeal patriarca, o marquês de Borba, o conde de Peniche, o conde da Feira e Antônio Gomes Ribeiro, delegados do soberano. Depois de notar a incompetência da convocação da assembleia sem o seu concurso, dizia que ele ou um dos filhos tornaria á antiga metrópole, logo que, encerrado o parlamento e conhecidas as suas propostas, houvesse certeza de que o real decôro não corria risco de afronta[12]

Se era nesses termos que o rei respondia aos homens de sua confiança, racionalmente os revolucionários não deviam contar com a sua presença na Europa, tanto mais que o conde de Palmela, agora em viagem ao Rio, ia lançando nas terras portuguesas a que a arribava, Madeira e Bahia, a ideia de resistência ao governo de Lisboa, com o fim de assegurar á coroa a proeminência na reconstituição politica da monarquia[13]. [10]Sem embargo do desassossego gerado pela disposição do soberano, transparente nesse documento, os que regiam os destinos de Portugal julgaram mais acertado deixar ao Congresso, o qual se devia abrir brevemente, o cuidado de chamar novamente el-rei á Europa. Demais, da effervescencia dos animos, que a revolução não podia deixar de criar nos estados ultramarinos, não era temerário prever a superveniência de sucessos capazes de mudar a inclinação do soberano.

Não era menor a ansiedade com que o governo de Lisboa aguardava o julgamento do Brasil acerca da insurreição, julgamento considerado decisivo da sorte do velho reino. Um dos mais ouvidos publicistas da época afirmava que, sem o apoio do ultramar americano, Portugal se expunha a perder a independência, não por causa das forças que lhe poderia opor a antiga colónia, mas pelos auxílios de seus aliados; e, nessa tremenda conjuntura, não hesitava em aconselhar a pátria a que esquecesse ressentimentos e sufocasse antipatias, para se unir á Espanha, a fim de não continuar a ser «miserrima colónia». Era um alvitre desesperado, ponderava, porque perderia assim uma parte da autonomia, mas «muito custa perder uma perna ou um braço; e algum deles ou alguma d'elas também ás vezes se perde, quando, exaustas todas as esperanças, é de necessidade perder uma parte para salvar o todo»[14].

 



Notas:


[1] Relatorio de Fernandes Thomaz, sessão de 5 de fevereiro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 1.º pag. 35).

[2] Manifesto de 15 de de dezembro de 1820. (Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 118).

[3] Proclamação da junta do Porto (Documentos para a historia da Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 14).

[4] Gama Barros―Administração publica,―vol. 1.º pag. 539.

[5] Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 17.

[6] Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 25.

[7] Carta do governo supremo, de 6 de outubro de 1820 (Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 75).

[8] O Campeão em Londres, de 1 de agosto de 1819 e de 16 de março de 1820.

[9] Moniz Tavares―A revolução de Pernambuco de 1817―(Ser. do Inst. Hist. de Bravé, anno 1897, vol. 60.)

[10] Mello Moraes―Brasil-reino e Brasil-império.

[11] Carta de 2 de setembro de 1820 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 125.

[12] Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 125).

[13] Maria Amalia―Duque de Palmella, vol. 5.º cap. 9 pag. 367.

[14] O Campeão em Londres, de 16 de setembro de 1820, vol. 2.º pag. 120.

 

 

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