Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


25-06-2014

Aprender a língua Isabel Rei Samartim


É curioso que um estado como o da Espanha, com várias línguas oficiais, tenha tantas dificuldades para ensinar mais línguas do que uma. As sociedades onde não há conflitos linguísticos são invariavelmente monolingues, daí a promoção espanhola duma das línguas oficiais por cima das outras. Porém, na Galiza alguns extremistas ainda teimam em defender o bilinguismo social como caminho à normalidade.Para difundir essa anomalia do devir linguístico, a palavra “bilinguismo” foi acompanhada de outras com grande carga positiva como “harmónico”, que vem de harmonia e remete para equilíbrio e beleza. Também “cordial”, que vem de coração e evoca amor e compreensão. E finalmente “restitutivo”, que vem de restituir e visa devolver o que foi tomado ou que se possui indevidamente, uma espécie de justiça linguística que não chega a definir bem em que se fundamenta, se no direito a usar a língua própria ou no dever de conhecer a promovida pelo estado, deixando tudo como está. Em todos os casos a força dos adjetivos é indicativa da fraqueza da proposta: o bilinguismo sempre será um problema para as pessoas, especialmente para as que não conheçam bem as duas línguas em conflito.Do outro lado, o monolinguismo social, ademais de ser a situação normal dos grupos humanos, favorece o bom aprendizado de outras línguas e a formação de indivíduos bilingues, trilingues, quatrilingues e mais. Bem sabemos que o número de línguas que uma pessoa domina é proporcional à sua capacidade para entender outras culturas, outras visões do mundo, para viajar e comunicar-se noutros países. E temos essas capacidades como algo bom, erudito, que denota qualidades humanas apreciáveis. Essas outras línguas aprendidas num contexto social monolingue não interferem na língua primeira de instalação, que normalmente é a familiar e a do lugar de criança, a mais querida, com a que amamos e sonhamos, com a que nos enfadamos e nos ferimos. A língua em que pensamos.O conflito aparece quando o que amamos, o que pensamos, não pode ter o lugar que lhe corresponde no nosso mundo. O tira-puxa de influência e espaço social entre duas línguas concorrentes, ou mais bem entre as pessoas que as falam, é lancinante e esgotador, provoca inúmeras interferências e um aprendizado deficiente, impedindo o desempenho confortável em qualquer uma delas. Não merece a pena alimentar esse bilinguismo social. Ainda menos se uma das línguas não é concebida na mesma categoria que a outra. É o caso galego, onde muitas vezes a língua própria é apresentada como imperfeita e subsidiária, como dependente, portanto, como inferior.Aprendermos e utilizarmos a língua tal como é no resto do mundo é um dever cívico fundamental. A rapidez com que as galegas dominamos o chamado português prova que não é, e nunca foi, alheio a nós. Encontremo-nos nesta visão sem fronteiras da nossa língua, usemo-la todos os dias e todas as noites entre nós, no nosso emprego, no nosso lazer, com as nossas filhas e mães, incorporemos às nossas vidas esse imenso coração latente que diz “obrigada”, “você”, “embora”, “guarda-chuva”. Deixemo-nos levar da mão das irmãs, atrevamo-nos a comprovar que ainda temos língua, que não leva tanto tempo aperfeiçoá-la, que conhecê-la na sua diversidade é o primeiro passo para nos identificar com ela. E, sim, identifiquemo-nos com ela, façamos um ato coletivo de vontade estética, de responsabilidade histórica, de estilo cívico, aprendamos a língua e proclamemo-nos integrantes de pleno direito da lusofonia.(*) Opinião publicada originalmente no n.º 137 do Novas da Galiza, na seção Língua Nacional.Isabel Rei SamartimMulher, música guitarrista, galega. Pensa que a amizade é uma das cousas mais importantes da vida. Aprendeu a sobreviver sem o imprescindível. Aguarda, sem muita esperança, o retorno do amor. Entanto isso não acontece, toca e escrevinha sob a chuva compostelana.

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