Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


01-08-2004

A Nova Historiografia sobre os judeus no Brasil Anita Novinsky


Anita Novinsky


Prezados senhores, colegas e amigos
Dividi esta palestra em três partes. Na primeira, farei uma reflexão sobre um fenômeno do passado brasileiro, o marranismo, mostrando que meu conceito difere do usualmente empregado; na segunda parte vou mostrar como a questão dos marranos e judeus entrou no imaginário de dois de nossos maiores escritores, Machado de Assis e Castro Alves; na terceira parte falarei sobre um projeto: a criação de um Laboratório de Estudos sobre a Inquisição, a Intolerância e o Racismo no Brasil.
Numerosos estudos foram feitos nos últimos anos sobre os marranos portugueses que se dispersaram pelos quatro cantos do mundo. Em todos eles encontramos uma grande lacuna: o Brasil. Apenas para dar um exemplo: recentemente foi publicada em Israel uma coletânea de ensaios, em dois volumes, com o título The Sephardi Legacy
[1] O Brasil está completamente ausente. Também na historiografia brasileira, com exceção das obras específicas sobre o assunto, os autores que trabalharam sobre a questão da cultura brasileira, como Darcy Penteado, Carlos Guilherme Mota e outros, não se referem nem aos judeus nem aos marranos. É como se na história do Brasil eles nunca tivessem existido. Entretanto, hoje se confirma o que já me havia dito o saudoso Lourival Gomes Machado, "que sem a história dos cristãos-novos não se pode escrever a história do Brasil."
A história dos cristãos-novos, judeus ou marranos no Brasil difere fundamentalmente da história dos conversos na Europa e somente pode ser entendida se inserida no contexto colonial, que ninguém caracterizou melhor do que nosso grande mestre Gilberto Freyre. Os portugueses de origens judaicas passaram no Brasil por experiências totalmente diferentes dos judeus que ficaram em Portugal ou que se expatriaram pelo mundo. Mesclaram-se com a população nativa e também com os negros e entraram intimamente na composição étnica do povo brasileiro. Encontramos entre eles místicos, religiosos e messiânicos, mas também violentos aventureiros como os bandeirantes, que hoje sabemos, eram em grande parte de origem judaica. Do ponto de vista psicológico, os brasileiros cristãos-novos mantiveram algumas características provenientes de sua condição de excluídos, que marcou seu comportamento e sua filosofia de vida.
Vou procurar transmitir-lhes o meu conceito de marranismo, que basicamente difere da conotação que lhes tem dado a maioria dos historiadores. Em primeiro lugar creio que devemos abandonar o estreito e tradicional conceito que identifica o marranismo com o criptojudaísmo. É preciso despir o marranismo de seu conteúdo religioso.
Marranismo foi um fenômeno extremamente complexo, paradoxal e diversificado, que começou na Espanha e Portugal e se transferiu para o Brasil, onde adquiriu nuances muito específicas às quais já me referi em outros trabalhos. Não houve um marranismo, mas muitos marranismos
[2] . O brasileiro marrano, que atravessou nossa história colonial, expressou-se dialeticamente, não só quando cumpria alguns preceitos religiosos judaicos, mas também sua laicidade.
Como disse o famoso filósofo Levinas, o judaísmo não se reduz a uma mera religião, nem a um Estado, nem a uma nação, nem a uma cultura, nem a uma Ética, nem a um fenômeno existencial, mas é tudo isso ao mesmo tempo.
O Brasil foi o país que recebeu o maior número de imigrantes portugueses marranos. No estado em que se encontram as pesquisas e os estudos demográficos realizados sobre vários estados do Brasil, podemos afirmar que aproximadamente 25 a 30% da população branca nacional era constituída de marranos. Essa média se aplica a Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraíba
[3] . Sobre Pernambuco, Goiás e São Paulo, os estudos estão em andamento. Mas devemos lembrar que essa porcentagem não inclui os cristãos-novos que lograram diluir-se em meio às elites locais, que fugiram ou se embrenharam pelas selvas brasileiras, mas apenas os que ficaram registrados nos livros inquisitoriais.
O exame de milhares de páginas manuscritas referentes à vida colonial me levaram a fazer uma revisão crítica do tradicional conceito de marranismo e me aproximar do conceito de submarranismo e pós-marranismo tão sugestivamente proposto pelo filósofo francês Edgard Morin
[4] . Morin conta que começou a entender a complexidade e fecundidade do marranismo quando escreveu o Prefácio do livro Les Juifs d´Espagne[51] , onde coube a mim os dois capítulos referentes a Portugal e ao Brasil. E Morin diz textualmente o que me atraiu no marranismo foi a experiência psicológica complexa que traz consigo uma dupla identidade, dilacerante e eventualmente criadora, fermento da superação dos dogmas das duas religiões, resultando numa postura interrogativa e crítica em Montaigne e na busca de novos fundamentos em Spinoza[6] .
Mas Morin foi mais longe ainda e estendeu sua concepção de marranismo até Karl Marx e Sigmund Freud, mostrando que esses judeus, como os marranos, viviam num mundo ao qual não podiam pertencer. A experiência marrana pode assim ocorrer com os judeus, em qualquer tempo e em qualquer lugar.
O conceito de pós-marranismo empregado por Morin levou-me a refletir sobre a vida de um dos maiores poetas alemães do século XIX, Heinrich Heine
[7] , que permaneceu marrano por toda a sua vida. Como outros marranos do Império Luso colonial,, Heine quis se adaptar a um mundo que não o aceitava. Foi forçado a converter-se para poder penetrar no ambiente culto e aristocrático alemão. Heine, no fundo, nunca conseguiu se integrar, apesar de sempre sentir-se alemão. Nutria um profundo amor pela Alemanha, como os portugueses, que durante gerações, mesmo no exílio, permaneceram emocionalmente ligados a Portugal. Quando o padre Antonio Vieira pediu ao rei D. João IV para readmitir em Portugal os judeus exilados, referiu-se ao amor que os judeus sentiam pela pátria[8] .
E o padre Pantalião de Aveiro
[9] conta que quando foi em visita a Safed, na Palestina, ficou impressionado como os portugueses que lá encontrou, principalmente com as mulheres, que choravam de saudades de Portugal.
Apesar do grande número de conversões e da profunda assimilação, a Alemanha provou aos judeus e fê-los compreender a impossibilidade de tornarem-se alemães. Três séculos depois da conversão forçada dos judeus ao cristianismo, Heine escrevia: "o certificado de batismo é o cartão de entrada à cultura européia". Mas será que foi mesmo? Depois do batismo, os judeus alemães, como séculos antes os judeus portugueses, podiam ser apenas espectadores
[10] . A ambigüidade do mundo de Heine se repetiu, como no mundo moderno, com tantos judeus de Viena no final do século XIX, Kokoska, Gustav Mahler, Stefan Zweig e outros, mesmo depois do batismo continuaram "outsiders" nas profundezas da alma.
Em uma novela A cidade de Lucca, Heinrich Heine transmite a imagem que pode ser bem a imagem do Santo Ofício: uma grande empresa que governa com absoluto poder pelos seus diretores (os Inquisidores), vendendo seus bens de salvação sem admitir nenhuma concorrência
[11] .
Mas há uma realidade que temos que conhecer para entender esse fenômeno de dimensão universal, o antimarranismo, que perdurou em Portugal durante a época moderna: o perigo que a intelligentsia marrana representava para a continuidade do antigo regime. Durante três séculos, o "judaísmo" foi o horror não só da Igreja, mas do sistema político português.
Os judeus têm sido através dos tempos estereotipados como subversivos e os marranos eram vistos como um elemento perigoso da sociedade. Traziam novos conceitos de justiça e liberdade para uma sociedade impregnada de fanatismo, de crendices e superstições. Foram subversivos Spinoza, Garcia da Orta, Damião de Góes. Foi subversivo Bento Teixeira, Antonio José da Silva e também outros. A maior glória do regime totalitário português foram seus subversivos.
Para compreendermos a verdadeira história dos marranos é preciso que voltemos às fontes, não somente aos processos, pois como sabemos, muitos réus confessavam serem judaizantes sob tortura e medo, mas encontrar as idéias expressas pelos contemporâneos, tanto cristãos-velhos como cristãos-novos que viviam no mesmo território. É importante que conheçamos as mensagens secretas que os prisioneiros confinados nos cárceres mandavam para seus parentes no Brasil, precisamos conhecer as petições enviadas ao Rei, frases sussurradas nos silenciosos corredores dos conventos, palavras trocadas nas boticas, que eram o ponto de encontro dos poetas, escritores dissidentes e outsiders. E, ainda mais, encontrar o que os judeus marranos pensavam de si mesmos e de seus carrascos.
Uma rica fonte para entender o fenômeno marrano em toda sua complexidade são os escritos do padre Antonio Vieira, que durante toda sua vida lutou pela justiça e liberdade dos judeus. Vieira era um homem de dentro da Igreja, portanto um testemunho insuspeito. Numa carta que escreveu ao Papa Inocêncio XI, a cujo conteúdo principal já me referi em outro trabalho, acusa a hipocrisia e os crimes praticados pela Igreja na sua pátria
[12] . Como Vieira passou grande parte de sua juventude na Bahia, conhecia intimamente os cristãos-novos da colônia e quando voltou a Portugal, servindo como diplomata do rei D.João IV, e durante as viagens que fez a Holanda e a França, tornou-se amigo dos judeus portugueses que tinham se expatriado. O padre Antonio Vieira, no século XVII, alertou o Papa contra o racismo[13] , com o mesmo espírito com que três séculos depois o Papa Pio XI mandou preparar a Encíclica contra o racismo, que se tivesse sido aplicada, poderia ter salvo milhares de vidas.
Mas nem Vieira no século XVII nem o Papa Pio XI no século XX conseguiram salvar os judeus. Vieira foi derrotado em todos os seus planos, e Pio XI morreu antes de concretizar sua proposta. A Encíclica foi examinada pelos seus sucessores, e os chefes espirituais assim como as grandes nações silenciaram quando em Portugal se queimavam os judeus ou quando os sufocavam na Alemanha nas câmaras de gás. As igrejas cristãs que protestaram quando Hitler ordenou a eutanásia de todos os deficientes físicos e mentais não se manifestaram quando Hitler mandou matar todos os judeus. Hoje podemos dizer, e com remorsos, que os judeus foram abandonados sempre, por toda a humanidade.
Para escrever uma história total do Brasil, como proposta pelos historiadores modernos, é necessário que tomemos como referência o grupo marrano e tentar encontrar o legado que nos deixaram em sua longa trajetória de três séculos. Como o judaísmo não está ligado exclusivamente ao domínio do sagrado, mas transborda além de seus limites religiosos, seus componentes são muitas vezes puramente profanos. Marranos deixaram no Brasil uma literatura, uma arte, uma política, uma economia que não foram ainda devidamente estudas.
Numa segunda parte desta minha palestra, vou me referir a dois grandes escritores brasileiros, Machado de Assis, que nos deixou uma bela imagem do drama marrano, assim como sobre o destino dos judeus, e Castro Alves, para quem a sorte inglória dos judeus não lhes permite nem viver.
Machado conhecia profundamente o funcionamento da Inquisição e ninguém compreendeu melhor que ele o marranismo. Em seu poema A cristã-nova mostra-nos, de um lado, um velho judeu que, olhando a Baía de Guanabara, sonha com Jerusalém; e de outro, sua jovem filha, fiel devota do cristianismo. Com a prisão do velho pai pelos familiares do Santo Ofício, a cristã-nova deixa a Igreja e retorna ao seio dos antepassados
[14] .
Machado de Assis retomou o tema judaico na novela Ahasverus, o Judeu Errante (quem foi mais errante que o marrano?), tema que também inspirou o poeta Castro Alves. Ambos deram ao Judeu Errante uma conotação diferente da Igreja, que durante séculos utilizou-se dessa lenda como arma antijudaica. Machado apresenta nessa novela, de maneira mais profunda, a luta entre o impulso da vida e a morte.
O Judeu Errante é o elo entre o mundo terreno e a eternidade. Ahasverus é o símbolo do judeu, está cansado de sofrer e de perambular pelo mundo, almadiçoa a vida e quer morrer. Adeus céus, adeus nuvens, adeus rosa, adeus águas ! A novela conta o diálogo entre um judeu e Prometeu. O personagem grego o consola, diz que o mal vai acabar, não haverá mais injustiças na Terra, não clamarão mais os oprimidos. Uma nova era de paz e justiça espera o judeu, e Ahasverus, ouvindo Prometeu, começa de novo a sonhar com a vida e a beleza. Duas águias sobrevoam e uma delas suspira:"Ai, ai, ai deste último homem, está morrendo e ainda sonha com a vida!"
E a outra águia responde:"Nem ela a odiava tanto Senão porque o amava muito."
No poema A cristã-nova, Machado oferece uma opção, que é o sacrifício, a morte, juntamente com a fidelidade a Israel. Na novela Ahasverus é o amor à vida que emerge da esperança de um Retorno. No poema, transmite o irremediável, a fatalidade. Na novela, o sonho messiânico.
O poema A cristã-nova está sempre relacionado ao sentimento de perda, como algo que acabou e não tem retorno. Não há no poema nenhuma mensagem de esperança. Em nenhum momento Machado sugere o fim do sofrimento do povo judeu ou uma possível reconstrução da pátria, a Palestina. O poema reflete sempre a imagem da ruína, da fatalidade. O sonho com a Terra Prometida se entrechoca com a realidade implacável. Tudo perdeu-se para os judeus no naufrágio do passado. Uma só coisa salvou-se - Deus. E o velho marrano, olhando a Baía de Guanabara, suspira o salmo:
Junto aos rios da Babilônia
Nos sentamos um dia
Com saudades de Zion.
Que me seque o braço direito
Se eu me esquecer de ti Jerusalém
O poema termina com o vencedor, que não é o velho marrano, mas o Carrasco.Venceu o Mal. E para que o amor, a lealdade, a justiça voltem, os judeus terão de esperar até a eternidade.
E então talvez, na eternidade, o bem vença, e então Deus se compadeça e leve em conta o muito amor e o padecer extremo da vida dos judeus.
Castro Alves também retomou o tema do Judeu Errante e em sua poesia compara a solidão do judeu com a solidão do gênio que
Pede a mão de amigo, dão-lhe palmas
Pede um beijo de amor - e as outra almas
Fogem pasmas de si...
E o mísero, de glória em glória corre...
Mas quando a Terra diz: ele não morre
Responde o desgraçado: eu não vivi!
E como este Seminário é dedicado a pensar novos caminhos para o século XXI, quero nesta terceira parte dizer algumas palavras sobre as novas perspectivas que se abrem para os estudos sobre a história dos judeus no Brasil.
A historiografia recente valorizou enormemente os trabalhos sobre histórias de vida e coloca o historiador como um elemento ativo e sempre presente, mesmo quando dialoga com o passado. Na reconstituição da História do passado colonial o "acontecimento", o "fato", readquiriu um lugar privilegiado, pois nos permite escrever uma história existencial sem paralelo. A documentação inquisitorial nos fornece uma massa de informações perdidas e nos faz conhecer vivências desconhecidas e não abordadas de outras fontes.
Um belíssimo projeto denominado Resgate trouxe para o Brasil milhares de documentos referentes à nossa história colonial, mas privilegiou a história político -econômica. As ansiedades, angústias, medos e incertezas que pulsavam na alma dos portugueses que emigraram para o Novo Mundo não fazem parte desse projeto. Os milhares de documentos referentes ao Brasil pertencentes ao Arquivo da Inquisição não foram incluídos. É pois com a intenção de preencher essa lacuna que elaborei um projeto para a criação de um Laboratório de Estudos sobre a Inquisição, a Intolerância e o Racismo, ligado ao Departamento de História e ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Esse Laboratório interdisciplinar será dedicado inteiramente à pesquisa e contará com um acervo documental com manuscritos inéditos que hoje estão espalhados em diversos arquivos europeus, principalmente em Portugal e na Espanha, e ainda uma biblioteca especializada sobre a temática da Inquisição, cristãos-novos e heresias em geral. Uma equipe de pesquisadores trabalhará na leitura e transcrição desses documentos para posterior publicação.
Até hoje são poucos os historiadores que trabalham com documentação inquisitorial. Uma vez adquirido o "corpus documental", os estudiosos terão as ferramentas necessárias e poderão contribuir para uma melhor construção do presente. O historiador não pode prevenir o futuro. Quem poderia ter previsto a queda do regime soviético? Mas o conhecimento do passado contribui para a inteligência do mundo presente.
Está em curso uma Nova História. É preciso que se abra para a História da Sociedade Colonial novas fronteiras críticas que se oponham à corrente conservadora, que minimizou o papel da Inquisição e da perseguição aos luso-brasileiros.
Há um longo caminho para as gerações futuras percorrerem até alcançarem uma história total da sociedade colonial. O mundo desde o fim da II Grande Guerra está sendo remodelado radicalmente. É necessário criar novas definições para a história do Brasil, ajudar a formação de novos mapas mentais, adequados para um mundo em mudança, e repensar o nosso passado na sua complexidade marrana. A história, como disse Walter Benjamim, não é uma longa marcha da humanidade em relação ao progresso, mas uma cadeia ininterrupta de violências e opressões, uma montanha de ruínas que sobem até o céu. A solidão do marrano, sua impossível assimilação, suas tentativas frustradas para se integrar na sociedade, lembram uma famosa sentença da novela de Kafka, citada por Hannah Arendt
[15] quando, ao herói, símbolo do judeu, é dito: "você não é o castelo, você não é a vila, você é nada". Segundo Saul Friedlander, se considerarmos em um contexto amplo a relação entre o judeu e a civilização ocidental, na qual ele tentou integrar-se, mas pela qual foi rejeitado, o Castelo adquire uma significação mais profunda: o herói do Castelo, o Judeu, é um estrangeiro que acredita que lhe foi permitido entrar no sistema social representado pelo castelo e pela vila. Foi até convidado para entrar. Mas quando começa a se adaptar ao sistema, descobre que ninguém realmente estava pronto para aceitá-lo. Então ele se torna um revolucionário, tratando de subverter os tradicionais canais de autoridade, expressando seu protesto contra a injustiça. Mas, como diz Friedlander, os esforços revolucionários dos judeus são ambíguos, mas também o eram os dos marranos, que tinham um desejo de mudança radical, ao mesmo tempo que tinham um forte desejo de "pertencer" a essa sociedade. O judeu, como o marrano, quanto mais quer pertencer, mais isolado se torna, mais baixo ele se agarra na sua solidão[16] .
Friedlander lembra que Kafka nunca terminou sua novela, mas mencionou a alguns amigos o fim que previa. Segundo seu biógrafo Max Brod, Kafka planejou mostrar o herói cada vez mais baixo, até que de repente chega uma mensagem do castelo: ele foi aceito! Mas a mensagem veio muito tarde, o herói já está morto
[17] . Após a II Grande Guerra, quando foi descoberta a magnitude dos massacres nazistas, a tradição anti-semita arrefeceu, e Friedlander propõe uma questão terrível, que pensa, talvez, nunca seja respondida e que estendo até a experiência marrana: o castelo mandou a mensagem porque o mal, a injustiça foram reconhecidos? Ou o mensageiro foi enviado porque o herói já estava morto?
E para terminar: os nazistas mataram dois dos maiores historiadores do século XX: Marc Bloch e Simon Dubnov - porque eram judeus. E eu quero vos transmitir a última mensagem de Dubnov, ao ser fuzilado: "Companheiros! Companheiros! Escrevam! Escrevam e contem!"


Notas
[1] BEINART, Haim (Ed.) Moresht Sepharad: The Sephardi Legacy. Jerusalem: The Magnes Press; The Hebrew University, 1992. 2v. [volta]
[2] Sobre o marranismo brasileiro, ver NOVINSKY,Anita. Marranos and Marranism - a New Approach. Journal of The World Union of Jewish Studies. Jerusalém, v.40, , p.5-20, 2000. [volta]
[3] Sobre os cristãos-novos do Rio de Janeiro, ver SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Heréticos e Impuros - Inquisição e cristãos-novos, Rio de Janeiro, Século XVIII. Rio de Janeiro: Secretaria.Municipal de Cultura, 1995. [volta]
[4] MORIN, Edgar Os meus demônios. Lisboa: Publicações Europa-América, 1995. [volta]
[5] MÉCHOULAN, H (Ed.) Les Juifs d´Espagne: histoire d´une diaspora. 1492-1992. Paris: Liana Levi, 1992. [volta]
[6] MORIN, op.cit. [volta]
[7] Sobre Heinrich Heine ver EIVEIT, Philipp Henire: The Marrano Pose. Monatschefte, v. 66, n. 2, 1974 e o livro recente de LASSIN, Yigal. Heine: A Dual Life. Jerusalém-Tel-Aviv: Schoken, 2000. (em hebraico) [volta]
[8] VIEIRA, Antonio (Pe.). Obras Escolhidas, v. IV, Obras várias III [volta]
[9] DÁVEIRO, Pantalião (Frei). Itinerário da Terra Sancta e suas particularidades. Lisboa, 1593 apud MARCEL. Bataillon, testigos cristianos del protosionismo hispano-portugues. Nueva Revista de Filologia Hespanica, México, v. 24, n. 1, p. 137,[ s.d.]. [volta]
[10] ROBERTSON, Ritchie. Heine. New York, 1988. p.84 [volta]
[11] Ibid, p. 88 [volta]
[12] Manuscrito. Biblioteca da Ajuda, Lisboa. Códice 49/1v/23. p.6-8 verso [volta]
[13] Ver NOVINSKY, Anita .Sebastianismo, Vieira e o messianismo judaico. In: Sobre as Naus da Iniciação. Estudos Portugueses de Literatura e História. Araraquara, S.P., 1998. p. 65-79 [volta]
[14] NOVINSKY, Anita.O olhar judaico em Machado de Assis. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1991. [volta]
[15] ARENDT, Hannah. The Jew as Pariah: a Hidden Tradition. Jewish Social Studies, v. 6, p. 115, 1944 apud FRIEDLANDER, Saul. Some Aspects of the Historical Signifiance of the Holocaust. Jerusalem: The Hebrew University, 1977. p. 36 [volta]
[16] FRIEDLANDER, op. cit. [volta]
[17] Ibid [volta]

Fonte: NOVINSKY, Anita. A nova historiografia sobre os judeus no Brasil: perspectivas para o século XXI. In: SEMINÁRIO DE TROPICOLOGIA: o Brasil e o século XXI: desafios e perspectivas, 2001, Recife. Anais... [prelo]