Margarida Brito (1998) Cabo Verde, ao longo da sua história, elaborou uma música tradicional de uma surpreendente vitalidade, recebendo, mesclando, transformando e recriando elementos de outras latitudes, que acabaram por dar origem a géneros fortemente caracterizados e enraizados no seu universo. Os ritmos assim nascidos traduzem toda a idiossincrasia deste povo e constituem, antes de mais, verdadeiras crónicas vivas e expressivas da sua vida, como companheiros de trabalho, exprimindo a alegria, a nostalgia, a esperança, o amor, a jocosidade, o apego à terra, os problemas existenciais bem como a própria natureza. É assim, que vamos encontrar muitos géneros vocais e instrumentais comuns a várias ilhas; outros próprios de uma só ilha, de duas ilhas vizinhas ou mesmo distantes; quase todos eles monódicos, às vezes em uníssono e a solo. Nas ilhas agrícolas, nomeadamente St. Antão, S. Nicolau. S. Tiago, Fogo e Brava, onde o homem cuida da terra que lhe dá o pão para o seu sustento, decerto à custa de dificuldades várias, iremos encontrar as cantigas agrícolas umas vezes doloridas outras alegres. São as dolentes e plácidas Toadas de Aboio (“colá boi”) em que o homem acompanha o boi ligado ao "trapiche" preso ao seu destino. São melodias verdadeiramente plangentes e profundas, muitas vezes em gama pentatónica, em St. Antão e na Brava. Nesta última o canto não está ligado ao "trapiche" mas sim às épocas de monda e tomam o nome de Bombena. No livro Cantigas de Trabalho, Osvaldo Osório escreve: "Este canto é usado mais precisamente na altura da plantação da batata doce". E acrescenta: "[...] estas cantigas normalmente nostálgicas e cujos motivos são a saudade e o amor, a despedida para a terra longe, chegam a ser uma forma de emulação no trabalho". São também as cantigas ligadas às sementeiros ou Cantigas de Monda que se dividem em cantigas de guarda de pardal (ou 'enxotar o pardal'), de guarda dos corvos e das galinhas-de-mato que se encontram nas ilhas de S. Nicolau, St. Antão, S. Tiago e Fogo. Às vezes estes cantos têm uma estrutura melódica mais ou menos elaborada, com intervalos não muito grandes e, outras vezes, são verdadeiros cantos recitativos, ou então, frases declamadas com nuances expressivas que hoje, com a falta de chuva, já quase não são cantadas. Para além dessas cantigas de trabalho ligadas à terra, existiam também, embora numa escala reduzida, Cantigas Marítimas que retratavam fielmente a fisionomia do caboverdeano; o género de ocupação e a sua dependência e ligação com o mar. As Cantigas de Ninar, outrora muito cantadas pelas avós, serviam para adormecer os netinhos. Estes adormeciam embalados pela seguinte cantilena que mais não passava de um ostinato melódico no compasso binário, hoje quase esquecida: Outro género cultivado em Cabo Verde com tendência para o esquecimento, diz respeito à geração infantil. Aqui encontramos as Cantigas de Roda e as Lenga-Lengas cantadas, ou em forma de jogos rítmicos, com percussão corporal. Quem não se lembra das lenga-lengas "Una duna trina catarina barimbau são dez..." ou de "Doll in dol fatatitiná..." ou ainda da cantiga de roda "A vida do marujinho" dramatizada por tantas crianças, e muitas outras mais, que as deleitavam nas noites de luar em que a televisão não fazia parte das suas vidas, nas ilhas? É verdade que muitos podem dizer, e têm dito, que elas não nos pertencem, porque são portuguesas e/ou de outra cultura. Porém acabaram por se tornar numa "coisa nossa". Foram adoptadas pelos nossos tetravós e bisavós e muitas delas foram recriadas como é o caso de "pirolito qui bate qui bate" à qual se acrescenta uma estrofe em crioulo. Tornaram-se nossas, tal como os instrumentos de corda que utilizamos para tocar a nossa música: o violão, o violino, o cavaquinho, etc, que vieram de fora e que acabaram por ser perfilhados. As cantigas de carácter Hierático são fundamentalmente utilizadas nas ilhas de St. Antão, S. Tiago e S. Nicolau. São cantadas "à capela" (sem instrumento) por mulheres e homens, às vezes a três vozes, às vezes em uníssono e em solo, aos quais responde o coro, quase sempre fora das igrejas e em épocas específicas. Dentro desse género encontramos na ilha de S. Nicolau as Divinas, cantada a três vozes num latim arcaico mas com deturpações legítimas se levarmos em conta que são transmitidas de geração em geração o que implica que a versão original se tenha perdido. Em St. Antão, por exemplo, temos as Ladainhas e a Salvé Rainha. Em S. Tiago, as Rezas ou 'Ressas'. Todas elas cantigas litúrgicas, mas que são entoadas pelo povo, fora das igrejas. As cantigas de carácter Pastoril são cantadas ainda em quase todas as ilhas no dia 31 de Dezembro, Dia de S. Silvestre e no dia 6 de Janeiro, Dia dos Reis, geralmente no compasso binário num andamento moderado. Têm a sua origem nas Janeiras e Reisadas portuguesas. As primeiras são cantadas por crianças, no final da tarde, sacudindo um instrumento feito com tampinhas de garrafa achatadas. Os adultos cantam-nas à noite, mas utilizando o violão, o cavaquinho e o chocalho. Estas cantigas, embora continuem vivas, estão correndo o risco de desaparecer. Hoje, as crianças praticamente já não as sabem cantar e nem sequer as recriam, o que é uma pena. Se as cantam, cantam-nas da mesma forma, deturpando as expressões como é exemplo "marido honrada" em vez de "mulher honrada". As cantigas do Dia dos Reis estão desaparecendo. Em algumas localidades da ilha da Boavista, há bem pouco tempo ainda se cantavam. Tenho em mente este pequeno fragmento que restou de uma das cantigas que cantávamos no Dia dos Reis e que começa com um intervalo de 4ª justa ascendente "Esta casa/está bem caiada/tanto por dentro como por fora/ a senhora que mora nela/vai nos dar..." O curioso é que o Pentatónico (a escala pentatónica de 5 notas) usado na música chinesa e na africana, aparece em algumas histórias consideradas tradicionais (pelo menos foram cantadas pelas gerações mais velhas) como é o caso das cantigas: Pastorinho de cabra, Blimunde e Nana Tiguera. No disco Promessa de Teresa Lopes da Silva, com um repertório constituído na sua totalidade pelas recolhas do seu tempo de menina, encontramos uma canção intitulada Sintide, que conta a história de uma mãe cuja filha tinha sido levada para a casa de 'Nho Rei Bandeira', onde o uso do pentatónico é notório com mudanças de andamento. Nesta canção tanto a melodia como a letra evocam a lamentação. A música Fúnebre, género instrumental, é utilizada, pelo menos em S. Vicente, com um ritmo marcial e dramático. Neste género o sopro de metal é predominante. Às vezes o violino e o violão são utilizados. O tema é único, (popularmente conhecido por Djosa quem mandób morrê) embora muitas vezes, mornas mais tristes sejam tocadas, como é o caso da morna Hora di bai. As músicas de Casamento (Saúde) dedicadas à noiva ou aos noivos, são tocadas nas zonas rurais de algumas ilhas nomeadamente S. Nicolau e St. Antão. Na ilha da Boavista para além do ritmo executado nos tambores, ao qual se juntam frases declamadas dirigidas à noiva, ('ó m'nina nova/ hoje e qui bu dia/runca dali/ runca dalâ...') existe ainda o Landu ('lundu' ou 'landum') de origem africana, que também foi levado para o Brasil e talvez dali para Portugal. No século XIX ainda o 'landu' era conservado nos Açores. Segundo estudiosos brasileiros o 'lundu' também chamado no Brasil de 'Calundu', inicialmente uma dança em movimento binário, transformou-se depois em canto envolvente e lascivo, um tanto lento, com letras sugestivas e amorosas, por vezes brejeiras. Na Boavista (em algumas zonas do interior de S. Tiago existe um ritmo análogo ao do 'landu' da Boavista mas não com o mesmo nome) o 'landu', género geralmente instrumental ligado à dança em movimentos vivos e rodopiantes, era dançado nas festas de casamento, mais precisamente por volta da meia-noite, com uma característica peculiar: para o dançar era obrigatório que os homens usassem fato e gravata. Hoje ainda se dança o 'landu' em qualquer festa, mas sem as etiquetas de outrora. Uma tradição comum a todas as ilhas são as Festas de Romaria. Os ritmos são executados nos tambores com o seu auge, nas festas de S. João Baptista, quando do solstício de Junho. Completam-nos os saltos de fogueiras ('lumenaras') sobretudo nas ilhas de Barlavento. Esta tradição é provavelmente de origem portuguesa. Pode-se chegar a ela através do pequeno texto que se segue: " [... ] entra o Verão que traz o calor e a abundância. A natureza apresenta-se pletórica de vida e de seiva. A 21 de Junho, o sol atinge o solstício e entra em toda a sua glória e esplendor, e por todo o país se festeja então o S. João com cantigas das fogueiras que recordam o imemorial culto do fogo..." (Fernando Lopes Graça in A Canção Popular Portuguesa). Por seu lado, Félix Monteiro diz o seguinte: "Em 1745 foi proibida uma dança em Portugal a que se dava o nome de Chegança (popularíssima e plebeia, lasciva, arrebatada, o par solto se unia rapidamente em atritos sensualíssimos - Camara Cascudo)". E acrescenta: "Ao que parece, não chegou a verificar-se a extinção da Chegança em Portugal, mas sim a sua evolução, passando a ser dançada aos grupos de dois pares soltos, por vezes de mãos dadas formando um círculo, os quais alternadamente se aproximam do centro fingindo querer unir-se em umbigadas, para depois se afastarem, ao mesmo tempo que o outro para avançarem para o centro, com os mesmos movimentos com que, noutros tempos, se dançava Colá-San Jon na ilha da Boavista". Em S. Vicente esse ritmo chamado de Colá San Jom, é dançado aos pares (por homens e mulheres e às vezes mulheres com mulheres) em movimentos de recuo e aproximação tocando-se simultaneamente com a parte superior das coxas. Em S. Nicolau [2] o ritmo é semelhante, variando no andamento (um pouco mais lento) e com uma coreografia típica, sobretudo na zona da Praia Branca, que consiste em duas filas (na sua maioria mulheres) frente a frente com meneios sensuais acompanhados de dizeres maliciosos, um pouco lúbricos, dirigidos aos homens. Este tipo de coreografia, ao que parece, existe em outros paises. Alejo Carpenter, no livro La Musica en Cuba, afirma o seguinte: "Em 1776, uma frota procedente da Europa e que havia feito escala em Havana, transportou para Vera Cruz (México) alguns emigrantes de cor que levaram com eles um baile chamado El Chuchumbé que obteve um extraordinário êxito e difusão, mas que foi proibido pela Santa Inquisição do México, porque aquela dança cubana causava danos em Vera Cruz particularmente entre as donzelas. Ao referir-se ao El Chuchumbé o informador da Santa Inquisição escrevia: " [... ] as coplas são cantadas por um grupo enquanto outros bailam, seja entre homens e mulheres ou entre quatro mulheres e quatro homens, com movimentos lascivos e batendo barriga contra barriga". Ainda no mesmo livro Carpenter afirma que um padre chamado Labat descreve uma dança muito parecida, vista por ele em Santo Domingo em 1698 " [...] os bailarinos estão dispostos em duas fileiras; os homens de um lado as mulheres do outro. Saltam, giram sobre si mesmos, aproximam-se, retrocedem para de novo se reunirem ao compasso do tambor [... ] parecia que davam golpes de ventre. Afastam-se logo dando voltas com gestos absolutamente lascivos". O Batuque, de origem africana, que surge em Cabo Verde provavelmente só na ilha de S. Tiago (existente também no Brasil, através da ida dos escravos, e nos Açores, na ilha de S. Miguel), é executado num ritmo de tempo binário mas de divisão ternária, marcado pela percussão das 'tchabetas e palmas' acompanhadas pela cimboa monocórdica, às quais se juntam o canto e a dança. Segundo Dulce Almada o Batuque é uma variante do ritmo de San Jon. Esta teoria tem a sua razão de ser na medida em que o Batuque, inicialmente de ritmo binário, (no Brasil este ritmo manteve-se) isto é, num compasso binário simples de dois por quatro, transformou-se no mesmo ritmo de San Jon que é o compasso composto de seis por oito, pois são compassos correspondentes, cada compasso simples corresponde a um compasso composto e vice-versa. No San Jon o andamento é mais acelerado e a poliritmia é mais complexa. O Finaçon é uma melopeia que consiste num encadeamento de provérbios ou assuntos do quotidiano, declamados, com inflexões vocais, no ritmo de batuque, quase sempre improvisados no momento e normalmente cantado por uma mulher. Esses improvisos podem arrastar-se durante horas. A Tabanca da ilha de S. Tiago (também existente na ilha do Maio), é um agrupamento muito complexo, provavelmente de origem africana. O ritmo da Tabanca é binário, executado por tambores, cornetins e búzios, estes geralmente em três registos diferentes (grave, médio e agudo) responsáveis pelo ostinato rítmico-melódico, cuja tessitura geralmente é de uma sexta. Eutrópio Lima da Cruz escreveu que "trata-se essencialmente duma procissão dançada [...] que mobiliza uma vila inteira ou grupo de pessoas unidas para a vida e para a morte [... ] A dança da tabanca é uma manifestação muito importante na vida do grupo. Esta manifestação colectiva insere o indivíduo num sentimento de solidariedade que confere à procissão uma certa importância e lhe dá uma aparência de organização, magnitude, ritmo e esforço colectivo embora continue sendo um divertimento". Outrora existiram algumas formas musicais, muito em voga na maior parte das ilhas e que eram dançadas nas chamadas "Danças de Salão", como são exemplos: na ilha da Boavista o Rill ('Reel'), dança de origem irlandesa no compasso 6/8, hoje já extinta; o Maxixe brasileiro, também extinto, dança movimentada com base nos ritmos africanos acentuadamente sincopada, de atmosfera quente e sensual. No Brasil foi uma dança das ruas que depois entrou para as salas sofrendo algumas modificações, passando a ter movimentos e passos mais moderados. Alguns estudiosos brasileiros afirmam ser o Maxixe uma variante do Landu. Também em Cabo Verde se dançava o Tango (actualmente faz parte do repertório de alguns grupos de dança), o Schottish ('chotisse' em terminologia caboverdeana); o Galope, dança em ritmo binário ainda hoje presente nas festas de casamento no interior de algumas ilhas, que faz parte da última "marca" da Contradança sendo esta também uma tradição bem conservada nas ilhas de S. Nicolau, Boavista e sobretudo em St. Antão. O Bolero, sul-americano e não o espanhol, ainda é tocado por alguns grupos musicais. A Contradança, segundo Teófilo Delgado, um dos "mandadores" da Contradança da zona de Fontainhas em St. Antão, contém cinco "marcas". Provavelmente com origem na Country-dance inglesa, levada para a Holanda e França nos fins do séc. XVII, adquiriu cidadania francesa, difundindo-se principalmente nas classes médias. Em Cuba a Contradança introduzida pelos franceses acabou por se transformar num género cultivado por todos os compositores crioulos do séc. XIX, com a mudança do compasso 2/4 para 6/8. Em Cabo Verde a Contradança, género instrumental mais ligado à dança, foi talvez introduzida pelos franceses. A Mazurca é uma dança originária da região polaca da Mazúria (no início dança popular, depois dança aristocrática) em compasso ternário com acento nos contratempos. Em Cabo Verde ainda hoje é dançada e tocada em quase todas as ilhas com incidência nas de St. Antão, S. Nicolau e Boavista. No Fogo existe o Rabolo que é uma variante da Mazurca. A Valsa, também no ritmo ternário com o primeiro tempo acentuado, é de origem francesa, baseada na galharda provençal que se dançava dando voltas (donde valsa) com o corpo. Os alemães atribuem a sua origem na Allemande (forma musical). Os austríacos, sobretudo os vienenses, cultivaram-na a tal ponto que graças aos compositores Strauss, se tornou numa dança quase nacional. Em Cabo Verde esta foi muito cultivada pelos músicos e compositores podendo, ainda hoje ouvir-se algumas das valsas antigas ou mesmo feitas pelos músicos actuais. Outras formas musicais também dançadas antigamente são a Polca ou o Fox, entre outras, muito apreciadas pelos músicos, sobretudo pelo grande exímio no violão, Luís Rendall, que foi o maior responsável pela introdução de outra forma musical brasileira, o Chorinho. De todas as formas musicais brasileiras, o Samba é a mais cultivada pelos cabo-verdianos, fazendo parte do repertório tradicional. O Funaná, música em compasso binário, com andamento duplo, lento-médio e rápido, é assim como todas as outras formas musicais existentes em Cabo Verde, ligado à dança. Inicialmente presente apenas no interior de S. Tiago, passou depois para a cidade, com algumas mudanças no campo instrumental. No princípio era executado na 'Gaita de Mon' (concertina ou acordeão diatónico) e ferrinho, depois passou a ser tocado com instrumentos electrónicos a partir da independência de Cabo Verde, ganhando uma certa virtuosidade e enriquecimento a nível harmónico. De acordo com pesquisas feitas junto de pessoas mais velhas, em algumas localidades do interior de S. Tiago, o Funaná antigamente era chamado de 'badjo di gaita'. O movimento mais lento era chamado de Samba (de acordo com uma demonstração feita por um senhor com cerca de setenta anos, o Funaná dançava-se como o Samba era dançado antigamente no Brasil). De S. Tiago, o Funaná viajou para as outras ilhas onde é muito apreciado. Dança-se aos pares com movimentos do quadril cadenciados, sensuais e vivos. A Coladeira, no ritmo binário e de andamento mais moderado que o Funaná, segundo alguns caboverdeanos, apareceu nos anos cinquenta em Cabo Verde. É tocada e dançada sendo também companheira das noites caboverdeanas. É chamada, por algumas pessoas mais velhas, de 'Contra-Tempo', apesar de o termo 'Contra-Tempo' significar fora de tempo, em que a acentuação cai no tempo fraco. A Coladeira varia no ritmo, de acordo com influências sofridas, sobretudo das músicas latino-americanas e brasileiras e mais recentemente o Zouk, este último muito apreciado pelos jovens nas discotecas. No seu livro Mornas e Coladeiras de Frank Cavaquim, Moacyr Rodrigues escreve o seguinte: "As músicas estrangeiras como o Baião, o Fox e mais tarde a Cúmbia, vão nela deixar os seus vestígios porque na mesma família. Em muitas ocasiões Merengues e Cúmbias estrangeiras são aproveitadas em ritmo de Coladeira." Para Jorge Monteiro existem dois tipos de Coladeira: a que nasceu da aceleração do andamento da Morna, isto é, da passagem do compasso quaternário para o compasso binário resultante do cê cortado, e a que nasceu da adaptação dos ritmos estrangeiros no compasso binário. Para Eutrópio Lima da Cruz, a Coladeira é resultante da passagem da Morna do compasso quaternário (4/4) simples, para o compasso binário composto (6/8). [3] A partir destas teorias podem-se fazer algumas experiências com várias Mornas. O curioso é que, ao tentar fazê-la com a Morna Maria Barba acelerando o andamento mas conservando a sua acentuação, instintivamente deparei-me com o ritmo de Landu e não com o da Coladeira como ela é habitualmente cantada. O mesmo se passou com a Morna Força de Crê-Tcheu. A Morna é a forma musical cultivada em todas as ilhas de Cabo Verde. De andamento lento, em compasso quaternário simples, esta música, que é a que mais caracteriza o caboverdeano, quanto à sua origem tem sido objecto de atenção e de preocupação de vários estudiosos como Baltazar Lopes, Aurélio Gonçalves, Jorge Monteiro, Félix Monteiro, Manuel Ferreira, Eutrópio Lima da Cruz e Vasco Martins. Que a Morna sofreu evoluções é um facto inegável, muito embora tenha conservado o seu ritmo. Basta analisarmos e compararmos as mornas das várias gerações, mesmo as mais antigas chegadas até nós, como é o caso de Brada Maria, considerada a mais antiga de Cabo Verde, e segundo Eugénio Tavares, oriunda da ilha Brava. Tem um andamento um pouco menos lento que as posteriores, o tema é único sem partes contrastantes e o ritmo é menos sincopado. As mornas de B. Leza, como se pode comprovar, são diferentes das de Eugénio Tavares. A riqueza harmónica das mornas do primeiro, ganha com a introdução dos acordes de passagem e segundo Baltazar Lopcs isso verificou-se pela influência que Luís Rendall exerceu sobre B. Leza. Vasco Martins em A Música Tradicional Cabo-Verdiana – I A Morna referindo-se ao mesmo assunto, diz: "As situações harmónicas tornam-se mais complexas a partir de Luís Rendall e B. Leza, no emprego de acordes modulativos [... ] quase sempre a modulação é ao tom relativo maior ou menor e é uma característica ao mesmo tempo, que os acordes de passagem, das mornas do B. Leza e pós B. Leza. Hoje assiste-se também a uma predominância do tom maior relativo, o que produz um novo ambiente à morna, menos dramática e melancólica." A própria temática das mornas mudou, embora o mar, o amor, o amor à terra natal, temas que tantos poetas cantaram, estejam ainda presentes. A Morna será sempre a música mais representativa do caboverdeano. Por muito que as pessoas temam pela sua desvirtualização, ela já sofreu influências várias no passado e poderá vir a sofrer ainda outras, mas permanecerá sempre como a morna caboverdeana. Se alguém tivesse dito a B. Leza que não deveria introduzir as modificações de ordem cromática a nível da harmonia, porque, agindo assim, estaria a "estragar" ou a "matar" a Morna e se B. Leza tivesse dado ouvidos a essa pessoa, hoje de certeza, não teríamos mornas como Eclipse, Noite de Mindelo, Lua Nha Testemunha e tantas outras que serão sempre escutadas com o mesmo deleite musical. O que aqui fica expresso, é sobretudo válido para atenuar as fortes criticas de que têm sido alvo os jovens compositores das mornas actuais.
|