Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


14-07-2015

Homenagem a CAPITÃO HENRIQUE GALVÃO


CAPITÃO HENRIQUE GALVÃO

15 de Setembro de 2012 by dumartins

 Venho agora falar-vos de  uma figura controversa da nossa história, e talvez por isso das mais injustamente esquecidas, o capitão Henrique Galvão.

Henrique Carlos da Mata Galvão nasceu em 4 de Fevereiro de 1895.

Desde cedo se manifestou acérrimo defensor dos opositores da República de Bernardino Machado; participou no golpe militar de 28 de Maio de 1926 (que instaurou a Ditadura militar em Portugal), foi administrador das colónias e deputado à Assembleia Nacional durante o Estado Novo, mas em 1950, em litígio com Salazar e as suas políticas extremistas, afasta-se do regime e começa a conspirar contra este.

Henrique Galvão é apanhado, preso e expulso do exército. Foge então para a embaixada da Argentina, e posteriormente para a Venezuela, onde lhe é concedido asilo político. Galvão passa então a ser visto como uma espécie de anti-herói, um ídolo patriota e uma alternativa ao fascismo entre os anti-salazaristas que não se reviam no comunismo. Mas o melhor ainda estava para vir…

O general Humberto Delgado, que em 1958 havia perdido de forma fraudulenta as eleições presidenciais para o então candidato do regime, o almirante Américo Tomás, encontrava-se no exílio no Rio de Janeiro, e planeava já há algum tempo um golpe de estado que derrubasse o governo.

Em 1959, Henrique Galvão escreveu no exílio a “Carta Aberta a Salazar”; são apontamentos extremamente críticos e de um humor fantástico, onde ele chega a intitular por diversas vezes o velho Salazar de “Manholas Júnior” (:D) Diz ele a certa altura que Salazar era “o pedreiro das pedras mortas” e termina afirmando: “(…) não cultivo ódios (nem contra ti), mas tenho ansiosamente sede de justiça”.

É sob as orientações de Humberto Delgado que, na noite de 21 de Janeiro de 1961, o capitão Galvão embarca clandestinamente no paquete Santa Maria (a jóia da Marinha portuguesa), nas Antilhas Holandesas, numa viagem que levaria centenas de passageiros da Venezuela rumo a Miami, nos Estados Unidos. No interior do navio já se encontravam alguns homens armados, treze portugueses e onze espanhóis, que constituíam a Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação (DRIL) e participariam na espectacular operação de sequestro do navio, denominada “Operação Dulcineia”. O objectivo da operação era derrubar os regimes de Portugal e de Espanha; para isso, era necessário levar o navio para África, para a ilha de Fernando Pó (Guiné), controlada pela Espanha de Franco, e a partir daí atacar e dominar Luanda (Angola).

Passadas algumas horas do embarque, já na madrugada do dia 22 de Janeiro, o grupo de homens armados liderados por Henrique Galvão e pelo comandante espanhol Jorge Sottomayor tomaram o navio de assalto e detiveram toda a tripulação, matando a tiro um dos oficiais do navio, que ofereceu resistência.

O assalto até correu mais ou menos como o previsto, e o navio ainda andou tranquilamente uns dias pelo oceano. Após alguns desentendimentos entre o grupo revolucionário, e defraudadas as expectativas de ancorar em Fernando Pó, dada a aproximação de uma tempestade tropical, Sottomayor e os seus homens decidem levar o navio para Cuba, alegando que lá seriam recebidos como heróis; mas a certa altura, o Santa Maria é avistado por um cargueiro dinamarquês, que de pronto avisa a guarda costeira norte-americana. Caças da força aérea americana e uma fragata britânica interceptam o paquete português e tentam fazê-lo recuar. O capitão Galvão não cede, mas após receber uma mensagem do presidente do Brasil, Jânio Quadros, a anunciar que lhe daria asilo político, Henrique Galvão e a DRIL decidem rumar até ao porto de Recife.

Uma vez no Brasil, o presidente Jânio Quadros recusou-se a entregar os revoltosos às autoridades portuguesas e o navio permaneceu em poder da DRIL até 2 de Fevereiro, dia em que os fuzileiros da marinha brasileira assumiram o seu controlo.

Henrique Galvão ficou exilado no Brasil até à sua morte, a 25 de Junho de 1970.

O capitão Henrique Galvão tornou-se para mim uma das figuras mais misteriosas e por isso também mais fascinantes da história recente de Portugal. Dissidente do regime, afirmou-se sempre um anti-comunista, e lutou até ao fim pela liberdade do país não enveredando por qualquer partido ou corrente política da época. Era uma “persona non grata” por muita gente, pois fazia oposição quer ao regime fascista de Salazar quer ao Partido Comunista, facto pelo qual era muitas vezes incompreendido. Ele acreditava que a oposição ao regime tinha de ser feita pela força, em conjunto com acções de grande repercussão, chamando a atenção da comunidade internacional. Como ele próprio dizia: “homens como nós foram feitos para os grandes momentos… tudo o resto é vida, não serve para nada!”

Depois de escrever estas palavras, não posso deixar de pensar no seguinte: todos os homens moderados de Portugal desde a implantação da república foram mais tarde ou mais cedo afastados do poder, pagando a maioria com a própria vida o facto de simplesmente quererem um regime democrático para o nosso país, senão vejamos:

1915 – Manuel de Arriaga, o primeiro presidente da primeira república, foi obrigado a resignar ao cargo devido à revolta militar de 14 de Maio. Era um homem sério, competente e… moderado.

1918 – O presidente da república Sidónio Pais (que inicialmente até implantou um regime mais conservador), foi assassinado por um opositor da ala esquerda republicana, pondo fim a um regime que até vinha mostrando credibilidade;

1921 – Na “noite sangrenta” de 19 de Outubro, são assassinados de uma só vez dois dos heróis da revolução do 5 de Outubro, o Almirante Machado Santos e o oficial da Armada José Carlos da Maia, ex-ministro da Marinha. Para além deles, é morto também o coronel Botelho de Vasconcelos, antigo apoiante de Sidónio Pais;

1958 – O general Humberto Delgado, homem inteligente e de grande visão política, é derrotado de forma fraudulenta nas eleições presidenciais pelo candidato do regime fascista, almirante Américo Tomás, por defender um regime democrático;

1959 – O capitão Henrique Galvão, que pretendia um regime democrático para Portugal e se afirmava como alternativa ao comunismo, é atrozmente perseguido pelo regime salazarista e obrigado a refugiar-se na Venezuela;

1965 – O general Humberto Delgado é assassinado em Villanueva del Fresno (Espanha), por agentes da PIDE, depois de lhe ter sido montada uma cilada;

1974 – O primeiro ministro do I Governo Provisório após o 25 de Abril, o advogado e professor universitário Adelino da Palma Carlos, cidadão farense (imagine-se, um homem altamente moderado, que insulto!), é forçado a pedir a demissão do cargo passados apenas 2 meses de governação.

1979 – Francisco Sá Carneiro, fundador do PPD/PSD, ganha as eleições legislativas em coligação com o CDS de Freitas do Amaral, instaurando o primeiro governo constitucional democrático em Portugal desde a subida de Salazar ao poder.

1980 – O governo de Sá Carneiro dura menos de um ano (pois…). O então primeiro ministro morre convenientemente num “acidente” de aviação em Camarate, a 4 de Dezembro;

Termino apenas colocando a seguinte questão: se hoje em dia há muita gente que se sente farta dos anos de governação do chamado “bloco central”, pensem que durante mais de 70 anos, esses “centristas” incómodos e todos os que se opuseram às ideologias extremistas foram altamente perseguidos, afastados do poder, assassinados ou obrigados a fugir do país.

Sou eu obrigado a concluir que (se excluirmos os breves onze meses de governo do Dr. Sá Carneiro), não temos um governo decente em Portugal desde que o nosso amigo açoriano Manuel de Arriaga foi forçado a abdicar.

Fiquem com o trailer do filme português “Assalto ao Santa Maria”, de Francisco Manso (2010); um filme razoável que mostra de forma algo ficcionada os acontecimentos daquela madrugada de 22 de Janeiro de 1961. Conta no entanto com uma performance convincente do actor Carlos Paulo, e serve de certo modo para relembrar e esclarecer melhor os portugueses sobre estes acontecimentos.

 

Homenagem a: Capitão Henrique Galvão