Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


27-04-2014

Manuel Avelino, um herói cabo-verdiano esquecido


Manuel Ernesto Araújo Avelino era filho de Manuel André Avelino e Luzia da Silva Araújo Avelino, naturais e residentes no Fogo. Nasceu em S. Filipe, a 16 de Setembro de 1898 e foi batizado na Igreja da Nossa Senhora da Conceição.Por: Alberto Rui MachadoComo diz a professora Ondina Ferreira no blog Coral Vermelho “como quase todas as crianças daquela época, Manuel Ernesto brincou, jogou e correu arco nas ruas e nos becos da então Vila de S. Filipe. Aí também frequentou a escola primária. Aprendeu a nadar e enfrentava com denodo as ondas bravias e altivas das praias de “Fonte Bila”, “Praia de Nossa Senhora” e da “Barca-Baleeira”, tornada mais tarde “Cais Vale dos Cavaleiros”.É ainda Ondina Ferreira que assegura que “quem aprendeu a nadar naquele beira-mar de respeito e naquelas vagas alterosas e desafiadoras da ilha do Fogo, se aprendeu de facto, fica bom nadador para o resto dos seus dias”. Essa afirmação iria ser confirmada anos mais tarde num episódio que iremos relatar adiante.Também no dizer da própria irmã, Maria Martina Avelino de Pina, “desde miúdo sempre se mostrou destemido e corajoso” e quando foi posto à prova pelo destino, estes seus atributos vieram ao de cima de forma insofismável.No início da adolescência ficou orfão de pai e mãe, tendo sido criado, juntamente com os irmãos, por tias do lado materno. Essa terrível perda não afectou, contudo, a sua forte personalidade e aos 14 anos seguiu para Lisboa para casa de um tio, o comandante Guidão Avelino.Mais tarde seguiu para a Holanda, onde se fixou e começou a trabalhar no cargueiro misto (carga/passageiros) da marinha mercante “Colômbia”, da Companhia de Navegação Holandesa KNSM (Koninklijke Nederlandsche Stoomboot Maatschappij).Numa visita a colegas amigos, na então ilha de Voorne, conheceu a holandesa Willempje Heijndijk, com quem viria a casar-se em 1929. Foram viver para a localidade de Brielle e tiveram três filhos: Manoel André Avelino, Maarten Avelino e Luzia Avelino.Quando estalou a II Guerra Mundial, Manuel Avelino fazia ainda parte da tripulação do “Colômbia”, que se fez ao mar na véspera da Holanda ser invadida pelos alemães.Em 1941 o “Colômbia” foi requisitado pela Marinha de Guerra Holandesa e, de Março a Setembro desse ano, transformado, na Escócia, em barco de guerra e equipado com 18 canhões e algumas metralhadoras.Manuel Avelino, que mantinha a nacionalidade portuguesa (Cabo Verde era ainda uma colónia de Portugal), passou automaticamente a pertencer à Marinha Holandesa, embora oficialmente não fosse holandês, situação pelo menos insólita.O “Colômbia” passou a ter uma função importante no contexto da guerra: abastecia os submarinos holandeses de víveres, combustível, munições e torpedos (quando começou a guerra, a Holanda tinha 26 submarinos). Comandado por John Louis Karel Hoeke, o ex-navio mercante estava estacionado em Colombo, na Ilha de Ceilão (actual Sri Lanka).Entretanto Willempje, mulher de Manuel Avelino, continuava a sua vida na Holanda ocupada, não sabendo ao certo onde ele se encontrava. Durante os cinco anos que durou a guerra, com a dificuldade de comunicações que havia naquele tempo de guerra, a família recebeu apenas duas cartas dele através da Cruz Vermelha.No início do ano de 1943, o transformado barco de guerra “Colômbia” saiu de Colombo para Bombaim e depois seguiu para a África do Sul via Mombaça.Durante a viagem o barco foi prestando o seu apoio a submarinos holandeses e britânicos, com a tripulação sempre em alerta por causa dos ataques aéreos. Além disso, o perigo espreitava-os a todo o momento, por causa dos muitos submarinos alemães que se encontravam naquelas águas.No dia 27 de Fevereiro de 1943, após a partida da Cidade de Simons, situada a sul da cidade do Cabo, o “Colombia” foi descoberto pelo submarino alemão “U526”. Às 11 horas e 45 minutos, a uma distância de 1.500 metros, o submarino disparou três torpedos contra o “Colômbia”, tendo dois deles atingido o vaso holandês.Uma corveta da Marinha Britânica que se encontrava na área entrou em combate, tentando ajudar o “Colômbia” mas não conseguiu afundar o submarino alemão que, após os disparos, se tinha posto em fuga.O “Colômbia” começou a inclinar-se perigosamente e foi dada ordem aos tripulantes para abandonarem a embarcação. Os 318 tripulantes correram então para as 6 grandes baleeiras que começaram a ser arriadas.Manuel Avelino, que já se encontrava numa baleeira, reparou então que as outras baleeiras estavam presas no cordame e não desciam, enquanto o “Colômbia” se afundava rapidamente.O cabo-verdiano saltou da sua baleeira para o convés e, mesmo arriscando a própria vida, conseguiu fazer descer as baleeiras com os seus camaradas dentro. Saliente-se que o próprio comandante Hoeke já se encontrava a salvo numa baleeira, enquanto Manuel Avelino, no barco, lutava para salvar os seus colegas.Poucos segundos antes que o barco desaparecesse num turbilhão, Manuel Avelino mergulhou do convés da popa para o mar. Nadando entre o leme e as hélices conseguiu milagrosamente sair ileso e alcançar uma das baleeiras. Graças à sua coragem e sangue-frio só oito dos tripulantes não se salvaram. Tinha então 44 anos.A tripulação do Colômbia foi depois transportada para a Inglaterra pelo “Queen Mary” que fora, entretanto, transformado em barco de transporte de tropas. A 6 de Maio de 1943, a Rainha Guilhermina da Holanda, no seu exílio em Inglaterra, louvou o cabo-verdiano pela sua coragem e sangue frio e condecorou-o com a Cruz de Mérito.A 3 de Junho de 1943, Manuel Avelino foi ainda condecorado com a Cruz de Guerra pela Marinha Holandesa mas continuou a servir noutros navios mercantes da KNSM que transportavam tropas aliadas para a Sicília e só no verão de 1945 lhe foi possível reunir-se à família. Finalmente em 1947 foi-lhe concedida a nacionalidade holandesa Manuel Avelino faleceu a 8 de Junho de 1980 em Brielle com a idade de 81 anos. A sua mulher, Willempje, falecera 8 anos antes.Em Maio de 2012 foi inaugurada uma Rotunda em Brielle com o nome de Manuel Avelino, e foi lá colocada uma placa com a descrição dos actos heróicos praticados por ele no dia 27 de Fevereiro de 1943 e que lhe poderiam ter sido fatais.No dia da inauguração estiveram presentes os três filhos de Manuel Avelino, inclusive Maarten Avelino, que vive na África do Sul, o Presidente da Câmara de Brielle que discursou, outras entidades de Brielle e amigos da família do iluste cabo-verdiano.Por último gostaríamos de reforçar o pedido feito a Ondina Ferreira por Nilda Anita de Pina Delgado, sobrinha de Manuel Avelino: que fosse atribuído a uma rua ou largo de S. Filipe o nome desse herói foguense. Ela terá, inclusivé, sugerido o Largo conhecido como “Meia Laranja”, por aí se encontrar a casa onde Manuel Avelino terá nascido.Fica aqui mais uma vez o repto à edilidade de S. Filipe.Este artigo foi baseado numa recolha de factos feita por Maria Odete Machado Koene e teve também a preciosa ajuda de Daniel da Conceição nas traduções dos textos em holandês.http://asemana.publ.cv/spip.php?article98936&ak=1