Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


19-03-2014

Em memória MEDEIROS FERREIRA: O ELOGIO DO PENSADOR(1942-2014) por Fernando Paulouro Neves




Num país que no imediato se pensa mal a si próprio, ou faz pouco por se pensar bem -- Eduardo Lourenço bem tem procurado que os portugueses pensem acima das suas possibilidades! -- José Medeiros Ferreira é uma excepção rara, pela qualidade do seu pensamento e da sua intervenção cívica. A sua biografia é a síntese desse compromisso: pensar o país e procurar modificá-lo, zurzindo sempre os seus traumas de longa duração, do trauliteirismo político e da intolerância, à rede clientelar onde germina a corrupção, do país cadaveroso da estupidez ao analfabetismo boçal, das inquisições aos safanões a tempo da repressão, esses venenos que inquinaram e inquinam a história de Portugal.

Desde os anos 60, tinha ele então vinte anos, que o seu nome começou a impor-se cumprindo esse desígnio de desafiar a ditadura, logo na crise académica, sempre com uma persistência que o levaria à prisão e depois ao exílio. José Medeiros Ferreira. E, de facto, aquilo que o tempo nos revela, agora que ele partiu, é que ele, numa postura de anti-herói, nunca deixou de construir um pensamento, sempre projectivo em relação à realidade, de análise funda da sociedade portuguesa e das suas contradições, de um Portugal dos Pequeninos, cuja galeria não poucas vezes mostrava como as elites portuguesas andavam de costas voltadas para o futuro, ausentes da realidade (outra vez Eduardo Lourenço), embasbacadas com um provincianismo cogénito. Medeiros Ferreira teve sempre o olhar voltado para horizontes mais largos: para o mundo, que ele tentava compreender na complexidade das suas mutações.

No momento em que vamos à procura de palavras, na tentativa de definir um homem, de Medeiros Ferreira poderíamos dizer que, lembrando a sua acção política, os seus livros sobre a História Contemporânea Portuguesa, matéria em que era reputado especialista, os seus ensaios e as suas entrevistas, estamos diante do elogio do pensamento.

A sua análise nunca se confundia com a demagogia ou a propaganda. Basta ler as suas posições sobre Portugal e o estado a que isto chegou, sobre os epígonos do governo, ou sobre a Europa para percebermos a contingência negativa dos poderes, a debilidade dos líderes que se armam em senhores do mundo ou da comarca portuguesa.
Ele, que no regresso da democracia a Portugal, foi o mais jovem ministro dos Negócios Estrangeiros (tinha 38 anos) disse, numa dessas entrevistas que às vezes parecem ter o sabor de despedida, que Portugal não o soube aproveitar. Esse é outro trauma bem português.

Agora que ele nos deixou, vou ter saudades da sua ironia fina, habitualmente suporte de um poder de argumentação implacável, com que ele chamava os nomes aos bois, sempre olhando mais além, no tempo que foi o seu.