Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


08-11-2017

O desconhecido Veiga Simões por Diogo Ramada Curto


 

FOTO MUNICÍPIO DE ARGANIL / BIBLIOTECA MUNICIPAL  

Compreendeu cedo a política racista e os campos de concentração do III Reich. Foi escritor, jornalista, político, diplomata e historiador. Enquanto embaixador em Berlim, assinou os vistos que salvaram muitos judeus na II Guerra Mundial. Salazar demitiu-o e o seu nome não ficou para a história

Diogo Ramada Curto

DIOGO RAMADA CURTO

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Alberto da Veiga Simões (Arganil, 1888-Paris, 1954), intelectual e historiador, pertenceu à geração de António Sérgio (1883-1969) e Jaime Cortesão (1884-1960). Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, entrou, cedo, para a carreira diplomática. Entretanto, colaborou na imprensa, publicou os primeiros livros, incluindo poesia, memórias da vida estudantil coimbrã, teatro e os resultados dos primeiros passos dados na investigação histórica. Entre os últimos, destaca-se um estudo sobre as recentes tendências literárias, publicado em 1911 com o título “A nova geração: estudo sobre as tendências actuaes da literatura portuguesa”. A sua participação na revista “A Rajada” (1912), ao lado de Vergílio Correia e do muito jovem Almada Negreiros, revela também a sua ativa participação em movimentos literários e artísticos. Poucos anos depois, em resultado da sua colocação na Amazónia brasileira, os seus relatórios foram publicados em formato de livro, constituindo-se num monumento de análise económica e social — “Dàquem & dàlem mar: Portugal & a Amazónia: estudo de política económica”, em 1916, e “Interesses portugueses na Amazónia”, no ano seguinte.

O seu prestígio como diplomata foi reconhecido politicamente, o que lhe valeu a pasta de ministro dos Negócios Estrangeiros (1921), durante a Primeira República, num governo que não foi além dos cinquenta e nove dias: “O tempo suficiente para publicar a sua reforma”, defende Lina Madeira em “O mecanismo de (des)promoções do MNE: O Caso Paradigmático de Aristides de Sousa Mendes”, obra publicada em 2013 pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Uma reforma que, segundo informação que me foi prestada por Mário Matos e Lemos, incidiu na reorganização dos serviços consulares.

A partir de 1926, Veiga Simões remeteu-se a uma posição mais discreta dentro do MNE, foi colocado na Europa e concentrou-se nas suas investigações acerca dos primórdios da expansão portuguesa. A ele se deveu a ênfase posta na figura do infante D. Pedro, cuja biografia terá deixado em manuscrito, em oposição à figura de recorte salazarista do infante D. Henrique, enquanto príncipe casto. Em andanças por várias capitais europeias, na companhia da mulher — D. Maria Antónia, uma das divas da geração do Bristol — proferiu conferências, entre 1931 e 1932, na Haia e em Bruxelas, as quais foram reunidas em livro sobre relações internacionais, publicado em 1932, em francês, com o título “Les nouvelles orientations de la politique économique internationale”.

Em 1933, Veiga Simões foi nomeado ministro plenipotenciário em Berlim (Portugal não tinha na Alemanha representação ao nível de embaixada). Nos seus relatórios para Lisboa, passou a analisar a ascensão de Hitler. As políticas de expansão imperial alemãs, conforme escreveu de Berlim em abril 1938, assentavam no “primarismo confortável da doutrina nazista”, recorda Lina Madeira num outro livro, “Alberto da Veiga Simões: esboço biográfico”, de 2002. A sua oposição ao nazismo era, pois, inequívoca. Advertiu também que Portugal se deveria demarcar da Alemanha e optar por um alinhamento com a França e a Grã-Bretanha.

A partir de 1938, a sua correspondência com o MNE revela um envolvimento direto na concessão de vistos a judeus que procuravam emigrar e fugir da política racista do Reich. Porém, não se sabe quantos vistos terão sido passados por sua iniciativa nem em que condições concretas. Em Lisboa, nos círculos do MNE e da PVDE, existiam interpretações diferentes acerca da mesma política de concessão dos vistos, a par de diferentes sensibilidades em relação à figura de Veiga Simões.

OS GÉMEOS SOUSA MENDES

César de Sousa Mendes, irmão gémeo de Aristides, ministro dos Negócios Estrangeiros entre 1932-1933, foi inimigo de Veiga Simões. Para César Mendes, “Veiga Simões estava associado a tudo aquilo que ele desprezava na I República, como as clientelas políticas e a discriminação contra os monárquicos como ele próprio” — citado por Rui Afonso em “Injustiça. O caso Sousa Mendes”, de 1990. César não se coibiu de perseguir o ex-ministro da I República, na sua passagem pelas Necessidades, instaurando-lhe um processo disciplinar e acusando-o de ligações aos comunistas franceses, como recorda Lina Madeira nas suas obras.

Inimigos. Os irmãos Sousa Mendes. César, à direita, era inimigo de Veiga Simões, cujo papel na concessão de vistos a judeus é muitas vezes esquecido quando se discute Aristides de Sousa Mendes

Inimigos. Os irmãos Sousa Mendes. César, à direita, era inimigo de Veiga Simões, cujo papel na concessão de vistos a judeus é muitas vezes esquecido quando se discute Aristides de Sousa Mendes

FOTO MUNICÍPIO DE ARGANIL / BIBLIOTECA MUNICIPAL

A ascensão e queda de César Mendes do cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros surgiu, aliás, num contexto de intrigas nas Necessidades que transcendiam em muito a sua inimizade com Veiga Simões. Valeu-lhe o laço forte que tinha com Salazar e o facto de se poder vangloriar de ter trabalhado para “o triunfo do 28 de Maio”, escreve ainda. A antipatia de César Mendes em relação a Veiga Simões era recíproca e manifesta. E a mesma animosidade, embora em menor escala, era partilhada pelo seu gémeo, Aristides. Numa carta particular para a mãe, datada de novembro de 1924, César refutou as acusações de Veiga Simões respeitantes à sua participação em movimentos monárquicos e, lembrando um folheto da autoria do irmão gémeo que servia na carreira consular, intitulado “Para a história”, escreveu “o infame — referindo-se a Veiga Simões – nem o Aristides poupa e acusa-o de espião dos monárquicos quando esteve na Galiza”.

Em 1925, César participou numa cabala para desacreditar Veiga Simões. Um caso que se arrastou pelos jornais, com acusações feitas ao último na imprensa monárquica acerca do seu envolvimento em práticas de corrupção, homossexualidade e ménages à trois, num processo que foi inconclusivo por falta de provas. Foi neste contexto que Veiga Simões esbofeteou, tendo acabado por matar, Aníbal Soares, jornalista e diretor do “Correio da Manhã” e, depois, do “Diário Nacional”, autor da conhecida novela “Ambrósio das Mercês: Memórias”, de 1903, com prefácio de Carlos Malheiro Dias.

Será ainda de notar que tais conflitos e animosidades tinham, em geral, como contrapartida relações com amigos comuns, mantidas em função de interesses partilhados. Assim terá acontecido com o escritor e historiador da literatura Fidelino de Figueiredo, que manteve contactos tanto com César Mendes como com Veiga Simões. Existem cartas do último para Fidelino que foram publicadas, enquanto este último ficou a dever a César Mendes, pelo menos, a notícia de uma tapeçaria representando Vasco da Gama existente no Museu de Estocolmo, como se lê em “A Épica Portuguesa no século XVI”, de 1950.

O desconhecido Veiga Simões

 

   
 

O desconhecido Veiga Simões

Compreendeu cedo a política racista e os campos de concentração do III Reich. Foi escritor, jornalista, político...