Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


06-01-2014

O reencontro Eduarda Fagundes


Na vitrine, sentada entre artigos de bazar, uma boneca de pano, de boca e olhos pintados, cabelos em fios de lã castanhos,  trançados, vestidinho de chita colorido, parecia aguardar que alguma criança a visse e a levasse. Mas qual nada, dia após dia, a esperança de ser comprada diminuía. Num mundo tão ansioso por novidades, tecnologia e brilho, aquela boneca recheada de farrapos que não fechava os olhos, não engolia líquidos, e não falava mama, não despertava interesse ou curiosidade, a não ser por uma garotinha franzina, pálida, pobremente vestida, que todas as tardes passava capengando em frente da loja e, encantada, encostava o nariz na vitrine e ficava a olhar a bonequinha como se fossem velhas amigas. Depois com pesar de ver a filha tão enlevada e não poder adquirir o brinquedo, a humilde mãe puxava a menina pelo braço e com palavras de consolo e água nos olhos, quase arrastando a criança, iam embora.

O tempo passou a boneca empoeirou e a menina não mais apareceu. Até que num final de tarde, nas vésperas do Natal, uma senhora idosa entrou na loja e após comprar presentes, tecidos, enfeites para a época festiva, viu a bonequinha e a levou. Serviria para pregar as agulhas e alfinetes das suas costuras.

Em casa, ao ser desembrulhada, caiu no chão e logo Bidu, o cãozinho da família, por ela se interessou. Abocanhada foi parar debaixo do sofá, onde encontrou os outros tesouros do cãozinho, uma bola murcha, um pé de chinelo roído, um cordão de sapato,... Mas em tempo de ver o ocorrido,  a vovó  repreendeu o cachorrinho que prontamente a atendeu e devolveu a bonequinha.  Ficou triste, além de não encontrar o colo aconchegante de uma menininha, ainda tinha que suportar as agulhadas de pontudos alfinetes. Quando os netos da velhinha chegaram, por instantes julgou que talvez, quem sabe, o seu destino mudasse com o interesse de algum deles.  Adélia, a mais nova, ao vê-la se compadeceu; “coitada é tão feinha e sem graça”. E Jorge, com uma maleta de médico na mão, de longe já diagnosticava:

Está doente já se vê. Esses olhos arregalados... E abrindo o Kit cirúrgico de brinquedo, buscando a tesoura, decretou : está muito mal,  vou operá-la de emergência...

Vovó, vovó! Gritou a menina, meu irmão vai cortar a bonequinha!

Ufa! Foi por pouco! Pensou a boneca de pano, vendo a senhora salvadora chegar! Sentiu-se desprezada. Ninguém a queria!

Vou levá-la para as crianças do hospital, lá há de haver quem a ache bonita. 

No saguão do hospital infantil, uma grande caixa de papelão, junto a uma bonita arvore de natal, acolhia os donativos. Já algumas crianças internadas se agitavam na esperança  de ganhar um presente. Foi quando de repente uma menininha surgiu não se sabe de onde e,  capengando, se arrastando com dificuldade, no meio de tantos presentes bonitos, foi direto para a bonequinha de pano, que logo reconheceu a amiga. Finalmente estavam juntas, menina e boneca, felizes.   À noite, no leito do hospital, dormiram braçadas, eram tão parecidas...

Eduarda Fagundes

Um Feliz Ano Novo