Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


06-01-2014

FILMES DE WILLIAM WYLER Não Entediam Mas Não Empolgam


Guido Bilharinho

 

                        Como se sabe, no complexo industrial-cinematográfico hollywoodiano, a direção de filmes submete-se à constante pressão, consistente, basicamente, nas opiniões, interesses, condicionamentos, limitações, desejos e (falta) de nível cultural do público espectador combinados com os objetivos da classe dominante em geral e os interesses financeiros dos industriais do filme em particular.

                        Essa convergência resulta em coquetel eficaz, que explica o êxito, a manutenção e a persistência dessa indústria.

                        Num contexto tão limitativo quão castrador, a sobrevivência e a atividade de certos diretores decorrem de maior ou menor adequação, quando não submissão às diretivas da produção.

                        Quando o diretor tem pretensões artísticas, o choque e os atritos entre ele e os estúdios são constantes, resultando, muitas vezes, na irregularidade e desnível de sua filmografia.

                        Nenhum cineasta estadunidense que trabalha com ou nos grandes estúdios escapa dessa via-crucis.

                        Quando se fala em cineasta não se está referindo, evidentemente, ao mero diretor empregado, que apenas obedece ordens ou segue as instruções do produtor, como qualquer assalariado.

                        Contudo, até mesmo alguns cineastas, que se distinguem do simples diretor pela categoria de suas realizações, enquadram-se, por convicção ou sobrevivência, nos preceitos industriais desejados pelo público e impostos pelas forças acima mencionadas.

                        Um deles é William Wyler (1902-1981, natural da Alsácia), habilíssimo artesão, que não chega, a rigor, à categoria de cineasta e, muito menos, de autor, justamente porque não pretendeu, não pôde ou não teve capacidade para atingir esses patamares artísticos.

                        Mas, se Wyler não alcança tais níveis, sua filmografia nem deveria merecer consideração ou, merecendo-a, há de ser colocada no devido lugar, realçando possíveis qualidades e apontando fragilidades, no caso, congênitas.

                        A análise de seus filmes Beco Sem Saída (Dead End, 1937), Jezebel (Idem, 1938), O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights, 1939), O Galante Aventureiro (The Westerner, 1940), Pérfida (The Little Foxes, 1941) e Os Melhores Anos de Nossa Vida (The Best Years of Our Lives, 1945) revela, antes de mais nada, cineasta conformado e conformista na temática; linear no enfoque dramático ao manipular ingredientes emocionais; convencional na forma e destituído, em qualquer aspecto, de laivos ou pretensões criativas e artísticas. Porém, correto tecnicamente, hábil na condução da narrativa, equilibrado na dosagem e distribuição de lances sentimentais e, até mesmo, em determinadas passagens, levemente irônico, quando não perspicaz. Por essas e outras, todos esses filmes são de fácil digestão emocional.

                        Contudo, salvo uma ou outra ironia e instantâneos fugazes de posição crítica, nada acrescentam, pouco ultrapassando, em decorrência das tímidas qualidades apontadas, a laia das novelas radiofônicas e televisivas. Essa ultrapassagem só se faz por força da discrição e elegância com que Wyler enfrenta as situações sentimentais mais conflituosas, nisso equiparando-se ao esposo de Bette Davis, em Pérfida, sendo esta personagem, pois, seu reflexo.

                        Não só ela, é claro, mas, também, os protagonistas de O Galante Aventureiro e de Jezebel e o pintor de Beco Sem Saída.

                        Já suas heroínas de bom caráter são atormentadas, não só por presas a situações amorosas dilemáticas, que - excetuados os desencontros ocorrentes em Jezebel, justamente pela dubiedade e ambiguidade de suas personalidades, e em O Morro dos Ventos Uivantes - lhe são favoravelmente resolvidas, também em decorrência de possuírem aferrada dignidade, sujeita a toda e qualquer prova.

                        O objetivo dessa filmografia é contar estórias que agradem ao público. Para isso, utiliza Wyler de fórmulas e receitas apropriadas, usualmente testadas.

                        O espectador e o leitor comuns restringem seu interesse à intriga e à explosão ou pelo menos à manifestação visceral de emoções e sentimentos, às atitudes drásticas, aos choques e entrechoques de personalidades e aos lances dramáticos. Desde que tudo apresentado articuladamente mediante extravasamentos sentimentais e as exterioridades dos relacionamentos e convivências. Sua falta de formação artística e os diversos condicionamentos a que são submetidos em decorrência dessa lacuna não permitem e nem admitem maiores exigência, profundidade e alcance.

                        Enquadrado, obediente e limitado por essa realidade, o cinema hollywodiano, do qual Wyler é um dos maiores (conquanto dos mais dignos) exemplos, além de obter os lucros materiais decorrentes, ainda reforça o sistema, mantendo esse público onde sempre esteve, ou seja, fora do circuito cultural sofisticado.

                        Resta, no caso de Wyler, como já salientado, correção e esforço artesanal e demais atributos lembrados, à falta de consistência dramática e qualidade artística, pelo que seus filmes ora citados subsistem apenas como exemplares comportados destinados a leve passatempo. Não entediam mas também não empolgam.

 

(do livro O Drama no Cinema dos Estados Unidos. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2008).

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.