Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


16-07-2014

POEMA DA MALTA DAS NAUS de António Gedeão


Ei-lo aqui, puro, inteiro, íntegro o exaltante «Poema da Malta das Naus», do grande António Gedeão / Rómulo de Carvalho, simultaneamente excelso na arte literária como na Ciência, categoria sumamente rara, dir-se-ia uma dádiva dos deuses, só a poucos concedida...
POEMA DA MALTA DAS NAUSAntónio GedeãoLancei ao mar um madeiro, 
espetei-lhe um pau e um lençol. 
Com palpite marinheiro 
medi a altura do sol.Deu-me o vento de feição, 
levou-me ao cabo do mundo. 
Pelote de vagabundo, 
rebotalho de gibão.Dormi no dorso das vagas, 
pasmei na orla das praias, 
arreneguei, roguei pragas, 
mordi peloiros e zagaias.Chamusquei o pêlo hirsuto, 
tive o corpo em chagas vivas, 
estalaram-me as gengivas, 
apodreci de escorbuto.Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.ANTÓNIO GEDEÃO

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