Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


06-01-2014

COMO ERA VERDE O MEU VALE Apelação Sentimental


Guido Bilharinho

 

                   A extensa obra de John Ford (1895-1973), que se distribui entre 1921 a 1971, é marcada por altos e baixos, como de qualquer outro cineasta com tantos filmes e ainda  mais estadunidense, onde a pressão do mercado sobreleva às considerações de ordem estética, cultural, social e humanística.

                   Conquanto tenha incursionado por vários gêneros, foi no western que sua filmografia atingiu os mais altos níveis de realização, notadamente em No Tempo das Diligências (Stagecoach, EE.UU., 1939) e Rastros de Ódio (The Searchers, EE.UU., 1956).

                   Alguns de seus dramas ficaram famosos e obtiveram grande popularidade, a exemplo de Vinhas da Ira (Grapes of Wrath, EE.UU., 1940) e Depois do Vendaval (The Quiet Man, EE.UU., 1952).

                   Entre os dramas que alcançaram sucesso e nomeada destaca-se também Como Era Verde o Meu Vale (How Green Was My Valley, EE.UU., 1941).

                   Durante muito tempo ainda (ou talvez sempre?) o êxito de público não coincidirá com o valor artístico, atributo, principalmente em cinema, só acessível a poucos.

                   Isto porque, se há filme anódino, apelativo, sentimentalóide e meramente nostálgico é esse.

                   As qualidades que possui derivam de contribuições extra-cinematográficas, como certas particularidades da trama, entre elas, a de transcorrer a ação numa família operária, na qual pai e filhos trabalham em mina de carvão mineral, por sinal, forte agente poluidor.

                   Mas, se mostra as dificuldades financeiras dos protagonistas é só de modo referencial e elíptico, elidida toda consequência restritiva e os problemas advindos da carência permanente de recursos. Se focaliza uma greve, revela apenas alguns de seus aspectos secundários, inclusive omitindo informações essenciais, a exemplo de como os operários conseguiram sobreviver durante meses sem trabalhar e sem ganhar.

                   Não obstante todo esse quadro de dificuldades (pouco salário, greve, desemprego, perigos mortais nas minas), o núcleo dramático restringe-se a enfatizar aspectos familiares usuais, desviando e direcionando o foco de atenção para fatos e acontecimentos menos importantes ou mesmo desimportantes do convívio familiar.

                   De modo que, embora família operária paupérrima, sua vida transcorre como se essa circunstância não fosse determinante de todo um modo de ser e viver.

                   Contudo, ao contrário disso, o cineasta romantiza o entrecho, revezando, como é próprio dessa tendência, acontecimentos propícios com ocorrências desastrosas, procurando dosar emoções tristes e alegres, fatos positivos e negativos, de modo a manter equilíbrio entre sensações de euforia e tristeza, tanto das personagens quanto principalmente dos espectadores.

                   A ênfase na estória, a linearidade narrativa e o convencionalismo da linguagem caracterizam a realização. O objetivo, no caso, é apenas contar a estória, explorando-lhe as possibilidades de forte emotividade, um dos ingredientes mais empregados pelo cinema comercial.

                   A linearidade narrativa não permite (nem admite) aprofundamento nas questões e nem ao menos que sejam abordados problemas sérios e fundamentais do ser humano enquanto tal e da sociedade enquanto organização assentada na exploração econômica das riquezas da terra.

                   O relacionamento inter-pessoal, nessa restrita e medíocre contextualização, permanece adistrito à sua manifestação natural, derrogada toda tentativa de desvendamento e amostragem de conteúdo, natureza e significado.

                   A linguagem cinematográfica, conquanto correta, ou por isso mesmo, não apresenta laivos de criatividade ou inventividade, limitando-se a conduzir a ação como simples objeto fotográfico.

                   Não obstante um ou outro momento de alguma sutileza ou atilamento, no mais o filme não ultrapassa a condição de produto industrial embalado com os atrativos e chamarizes mais convenientes aos desígnios dos estúdios, de sucesso e faturamento.

                   Entre os raros atos das personagens dignos de menção, salienta-se a afirmativa do pastor evangélico ao menino acamado, ao oferecer-lhe exemplar de A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson: “eu quase gostaria de estar no seu lugar se isso significasse ler esse livro pela primeira vez”. Talvez mais que simples elogio do livro, manifestação nostálgica das primeiras emoções da juventude.

                   O filme é repleto (tão-só) de personagens estereotipadas inseridas em situações banalizadas, tratadas, mesmo as mais trágicas, naturalisticamente e sem criatividade.

                   Em suma, típico exemplar do cinemão estadunidense, parente próximo, quando não co-irmão, das sensaboronas novelas televisivas, como outrora, ao tempo de sua própria realização, o era das novelas radiofônicas.

 

(do livro O Drama no Cinema dos Estados Unidos. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2008).

______________________

Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.