Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


30-06-2014

Toque dos sinos das cidades históricas de Minas Gerais é Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil


Por Rosangela Barboza e Marco Antonio Sá
Fotos Marco Antonio SáO ofício de sineiro mostra que saber tocar sinos está na habilidade e na memória que passa de geração em geração. O toque dos sinos é Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

Há 20 anos o sineiro Nilson José dos Santos emociona os moradores da mineira São João Del Rei. Por vezes, enche de alegria a alma do povo, anunciando as festividades religiosas e, em outras, avisa sobre fatos tristes, como os falecimentos. 

E, nessas ocasiões,  os que ouvem o toque do seu sino, na Igreja São Francisco de Assis,  querem saber quem partiu. “Tocar sinos é uma arte. Para mim,  o sino transmite algo muito bom e  nos eleva junto a Deus”, declara o sineiro, de 37 anos. 

E assim, em pleno século 21, na era da comunicação global, as badaladas dos sinos continuam  a “falar” com as pessoas. Tanto que o toque dos sinos de nove cidades históricas de Minas Gerais, inclusive São João Del Rei, foi tombado como Patrimônio Imaterial do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2009. 

Somente no centro histórico da cidade de São João Del Rei, há  31 sinos. 

Preservar a linguagem dos sinos, segundo o Iphan,  é preservar  parte da memória e da história do Brasil. Um acontecimento plausível, levando em consideração que, segundo pesquisa realizada pelo próprio Iphan, os sinos estão perdendo espaço para  instrumentos eletrônicos, pelas dificuldades de manutenção, como custo alto  e problemas de conservação, pois é  grande o número de sinos rachados, sem badalo ou, simplesmente, sem torre apropriada para instalação. Já os equipamentos eletrônicos são previamente programados para tocar e podem gravar até centenas de  sequências de sons diferentes. 

A comunicação via sinos – Modernidade à parte, o sino é ainda uma marca das comunidades nas cidades históricas de Minas Gerais, onde os moradores "se reconhecem e se distinguem dos de outras cidades a partir do repertório desses toques e do som diferenciado de cada um daqueles bronzes", relata o  Iphan. 

As badaladas dos sinos já foram bem mais influentes na organização da vida das pessoas. Há muito tempo, quando não existia TVs  –  muito menos internet –, esses instrumentos, no alto das torres das igrejas,  eram os primeiros a informar as cidades sobre as últimas notícias.  

O sineiro Nilson conta que, antigamente, os sinos transmitiam, através do toque empregado, a chegada do bispo, o anúncio das missas e outros fatos como incêndios, falecimentos, nascimentos e até a condenação de escravos à forca. 

“Hoje ele é mais usado mesmo para anúncios das igrejas”, afirma. E para cada ocasião, um toque. “Há cerca de 40, entre os festivos e os fúnebres, e ainda os repiques, que variam para cada igreja”, ensina. 

Dobres simples, dobres duplos, repiques.... Tocar o sino é realmente uma arte, uma linguagem muito especial. E tocá-lo não significa apenas movê-lo de um lado para outro. Há uma certa combinação que só quem toca sabe e só quem ouve entende. 

Segundo o Iphan, os nomes dos toques dos sinos foram criados pelos sineiros ainda no tempo colonial e preservados na tradição oral. "Muitos deles são onomatopeicos, exprimindo o som ou o ritmo que produzem. 

Tocador de sinos – O ofício do sineiro é parte importante da pesquisa do Iphan.  A cidade de São João Del Rei se destaca nessa parte, pois lá, tal ofício é  previsto como uma atividade regular nas igrejas, principalmente as que se localizam no centro histórico. Em todas, há um funcionário, auxiliar de serviços gerais, ou sacristão, com carteira assinada e contrato que inclui, como uma das tarefas relevantes, tocar, regularmente, o sino. 

O sineiro deve conhecer muito bem cada um dos toques e tocá-los sempre na ocasião correta.  “Temos os sineiros mais antigos, que, para nós, são como baluartes”, afirma Nilson, com toda a sua experiência.  “Mas muitos mestres  já se foram e, felizmente, há a geração dos jovens que está na ativa”, conta.  

O ofício desperta muita curiosidade nos mais jovens, que iniciam o seu aprendizado através da observação e, depois, da prática. Foi assim com Nilson. “Meu pai, meu tio e meu irmão foram sineiros. Mas comecei a me aproximar da profissão quando participava das atividades da igreja e sentia curiosidade pelo toque dos sinos”, lembra. 

O que começou com uma curiosidade de moleque, se tornou uma paixão para a vida toda. “O sino, para mim, é como uma segunda família”, declara. As badaladas que Nilson mais gosta são as tocadas no Dia de Nossa Senhora da Boa Morte, sempre no dia 14 de agosto.

O sino e sua história − A palavra sino vem do latim, signum, e sua origem é associada  à história do cobre e do bronze. O cristianismo, especialmente o católico, adotou o sino com um órgão vital na arquitetura das igrejas, e há registros antigos dessa utilização há cerca de 1.600 anos, em Campânia, na Diocese de Nápoles, na Itália. 

Daí se explica a palavra campana (campainha) como sinônimo de sino, e campanário como o  lugar da igreja onde ele é instalado.  

Fundir sinos é uma ciência e uma arte que perpassam séculos na busca pelo som afinado do bronze. As etapas de fabricação são praticamente as mesmas desde o século 7º antes da Era Comum. Trata-se de um processo que se reproduz há 1.400 anos. 

Como em qualquer fundição, usa modelos e caixas de fundição  preenchidas com terra ou cavadas no chão,  onde o bronze fundido é derramado.

O artesão fundidor, também chamado de sineiro, é responsável por determinar as dimensões, o formato, a sonoridade e demais características do sino, somando um conjunto de elementos que vai incindir sobre a sua afinação.  

É um exercício de paciência e perícia. “Como em outras profissões, é preciso gostar, ter amor pelo que se faz”, completa o único fabricante de sinos de São João Del Rei, o goiano José Edivaldo Ribeiro da Silva. Sua produção de sinos é artesanal, e o peso de suas peças varia de 80 a 100 quilos, destinadas a capelas e pequenas igrejas. 

“Quando um sino trinca, se quebra,  não há mais concerto”, acrescenta José Edivaldo. Para evitar estragos, o ideal, explica ele, é usar metais nobres, de primeira linha,  na fundição. “A liga ideal para se fazer um bom sino, resistente a trincas,  é composta de três partes de cobre e uma de estanho”. Duas tradicionais fundições de sinos, de  origem italiana, se localizam em São Paulo e uma terceira, em Uberaba (MG). 

A fundição de José Edivaldo, em São João Del Rei, teve início em 1978, mas a produção de sinos começou há 20 anos. Ele aproveitou o conhecimento e a tecnologia das fundições onde trabalhou para desenvolver, junto com os dois filhos, Clayton e Carlo, sua arte sineira. 

Edivaldo usa uma areia especial e modelos permanentes, feitos de alumínio que substituem os feitos de tijolo, barro, estopa e esterco, usados pelos fabricantes mais tradicionais. Assim ele consegue diminuir o tempo de moldagem e desmoldagem dos sinos e manter sua pequena produção.  

José Edivaldo acha improvável que um dia os equipamentos eletrônicos venham a substituir os sinos. “É uma opção, mas há quem prefira o tradicional. Os sinos são muito charmosos e vibram  mais na alma e no sentimento das pessoas”, afirma. 

Além disso, há todo um cenário que deixa o sino ainda mais especial: “O sino tem a graça do movimento. Numa cidade como a nossa, o coroinha ou o  ajudante descem das torres dos sinos com alegria. 

Crianças e jovens, curiosos, sobem nas torres para ver os sinos de perto. É uma festa, uma tradição”, conta. “Quando um sino quebra, as pessoas da comunidade só faltam chorar.” 


Profissão perigo
Em São João Del Rei, cada torre de cada igreja tem seu sineiro. Nilson José dos Santos é um deles. Filho e sobrinho de sineiro, acompanha os sons dos bronzes desde os 13 anos. 

Assumiu a torre da Igreja de São Francisco de Assis em 1992 como funcionário da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis. Hoje, com 37 anos, orienta uma nova geração numa profissão que tem sua dose de perigo e já vitimou vários sineiros. 

Um risco frequente é a quebra do badalo, que então é arremessado com força para fora do sino. Walmir Castrino Jr., 46 anos, conhecido como Cabeça, sobe nas torres desde os 16. O sino considerado seu amigo é o da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, mas aos 18 anos, num descuido, teve que levar 50 pontos para cicatrizar um corte profundo no couro cabeludo, causado pelo impacto do sino maior da Igreja de São Francisco de Assis. 

Mesmo assim não perdeu a vontade e a paixão pelo trabalho, que também inspira novos sineiros, como Lucas Henrique dos Santos Bispo, de 15 anos.


Os sons do sino
Os toques mais conhecidos são Ângelus, A Senhora É Morta, Toque de Exéquias, Toque de Cinzas, Toque de Finados, Toque de Passos, Toque de Treva, Glória de Quinta-Feira Santa, Toque da Ressurreição, Toques de Te Deuns, Toque das Rasouras e Procissões, Toques de Incêndio, Toques de Agonia, Toques Fúnebres, Toques Festivos, Toque de Parto, Toque Chamada de Sineiros, Toque Chamada de Sacristão, Toque de Posse de Irmandade, Toque de Almas, Toque de Missas, Toque de Natal, Toque de Ano-Novo, Toque das Chagas ou Morte do Senhor, relata pesquisa do  Iphan. 


Toque patrimônio
O toque dos sinos das nove cidades históricas de Minas Gerais, tombado como Patrimônio Imaterial do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), são de São João Del Rei, Congonhas, Ouro Preto, Mariana, Diamantina, Serro, Sabará, Tiradentes e Catas Altas. O som tombado ecoa nas cidades, e as badaladas marcaram e influenciaram a vida dos moradores há centenas de anos.
Fonte: Família Cristã 925 - Jan/2013Inserido por: Família Cristã

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