Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


02-02-2006

Patrimônio Arquitetônico de Timor Leste em debate


Diálogos no grupo http://groups.yahoo.com/group/timorcrocodilovoador/ sobre Património Arquitetônico de Timor Leste e a notícia, Planos de urbanização de Díli e Baucau têm traço português (ler as mensagens na sequência de 1 a 5)

(5)Moisés Bonifácio, Caruaru ,Pernambuco, Brasil, comenta a correspondência de Pedro Kaul(3)  e as correspondências de Henrique Correia (4 e 2) ( correspondências a seguir a esta).

Obrigado caro irmão Henrique Correia,
  
  O amigo, como sempre, enriquecendo-nos com contribuições objetivas e pertinentes.
  Fica o meu convite para vires a Pernambuco, faço questão de ser o Guia. Casa e comida já cá tens o amigo e tua família.
  Por acaso, a maior parte das fotos e menções de construções portuguesas na América do site colonialvoyage estão concentradas no Recife, Olinda, Igarassu, Ilhas de Itamaracá e Fernando de Noronha, etc. - todos, lugares de Pernambuco.
  Seja bem-vindo.
  
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(4)Henrique Correia, Portugal, responde a Pedro Kaul (3), Brasil (correspondência abaixo desta):

  Obrigado, Pedro e Moisés, pelos vossos comentários. Tentarei responder às vossas dúvidas.

Eu não mencionei construções anteriores por duas razões: em primeiro lugar, para não me afastar muito do tema em discussão (situação urbanística actual de Dili). Em segundo lugar, porque não há muito para mencionar, como veremos mais adiante.

Pedro: talvez você tenha feito confusão entre as duas capitais do Timor Português, pois Lifau foi fundada algures no Séc. XVII. Em 1769, o governador António Teles de Meneses mandou evacuar a população e incendiar a vila, abandonando-a em chamas rumo à baía de Dili, onde fundou a nova capital. Lifau ficou completamente destruída. Tive oportunidade de visitar o local em 1973 e pude ver que da antiga capital apenas subsistiam modestas ruínas.

Após a sua fundação, em 1769, Dili apenas tinha meia-dúzia de pequenos edifícios feitos com materiais efémeros, nomeadamente madeira. Por volta de 1800, "uma trincheira de pedra solta e baluartes de argila"(1) foi construída em Dili, a mando do governador José Joaquim de Sousa. Nos anos seguintes sucederam-se vários incêndios, que consumiam completamente as construções existentes. Daí o facto de nada restar hoje em dia desses tempos.

Em Janeiro de 1864, Dili é elevada a cidade. "De 1881 a 1888 foi executado um plano rodoviário muito oportuno. Melhorou-se também a cidade de Dili (...). O governador Rafael Jácome Lopes de Andrade preocupou-se com o alojamento dos funcionários, promoveu o saneamento de Dili, mandou construir o farol do porto (...)."(2)

Já no Séc. XX, foram construídos alguns edifícios de arquitectura historicista, mais ou menos neoclássica, de que são exemplos a Câmara Municipal(3) ou a catedral de Dili, ambos destruídos durante a invasão japonesa. "A Capital era, naquela época, um aglomerado sem importância. (...) Àparte uma ou outra excepção, o traçado dos edifícios era simples, vulgar, a tender para a uniformidade. Só a catedral, de construção recente, se destacava da trivialidade do conjunto. E a cidade orgulhava-se do seu templo de linhas modernas, cuja torre, apontada ao céu, emergia altiva do copado do arvoredo (...)."(4)

"O novo governador [depois da rendição japonesa], capitão Óscar de Vasconcelos Ruas, encontrou a capital e todos os outros centros populacionais arrasados pelos bombardeamentos aéreos ou queimados e destruídos."(5) "Ao bombardeamento sucedera o desembarque acompanhado de fogo nutrido de metralhadora e depois, o espectáculo arrepiante do saque a que submeteram a cidade."(6) Que eu me lembre, em 1972, eram meia-dúzia os edifícios anteriores à invasão japonesa que tinham ficado de pé, como o da Intendência de Dili ou o da residência do administrador de Liquiçá.

O Coronel Themudo Barata, antigo governador de Timor (1959-63), afirmou: "A ocupação japonesa só deixou destroços na terra e traumas profundos nas almas"(7); "Chegámos a Dili, que, vista do ar, era um extenso aglomerado de choupanas cobertas com folhas de palmeira, com um pequeno bairro de alvenaria junto ao farol e mais três ou quatro outras casas dispersas pela cidade."(8)

Espero ter conseguido explicar as razões porque Dili, uma cidade do Séc. XVIII, tem (tinha, no meu tempo) um aspecto tão moderno. Mas para os meus caros colegas não ficarem de mãos a abanar, sugiro que visitem o sítio que indico em baixo, sobre os vestígios portugueses em Solor. Esta ilha vizinha de Timor foi "o principal entreposto para as actividades comerciais dos portugueses que negociavam no arquipélago ocidental"(9) (Flores-Solor) desde o Séc. XVI, onde chegou a haver um mosteiro. No sítio poderão ver fotos tiradas na fortaleza portuguesa, com canhões e tudo (estranhamente não foram roubados ainda), e ficar boquiabertos com a passividade das autoridades portuguesas, que nada fazem para preservar este valioso património histórico, testemunho das odisseias dos nossos antepassados.

http://www.colonialvoyage.com/solor.html

Vale a pena verem o resto do sítio, que é muito completo. Os brasileiros, especialmente, vão gostar.

http://www.colonialvoyage.com/


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(1) Gunn, Geoffrey, Timor Loro Sae: 500 Anos, Livros do Oriente, Macau, 1999, p. 121
(2) Timor - Pequena Monografia, Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1970, p. 64
(3) NOTA: uma fotografia das ruínas da Câmara Municipal de Dili pode ser vista na capa do livro Australianos e Japoneses em Timor na II Guerra Mundial, de José Duarte Santa, Editorial Notícias, Lisboa, 1997
(4) Liberato, Cacilda, Quando Timor Foi Notícia, Editora Pax, Braga, 1972, p. 27
(5) Timor - Pequena Monografia, Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1970, p. 69
(6) Liberato, Cacilda, Quando Timor Foi Notícia, Editora Pax, Braga, 1972, p. 44
(7) Abreu, Paradela de, Os Últimos Governadores do Império, Edições Neptuno, Lisboa, 1994, p. 291
(8) Ibid., p. 294
(9) Gunn, Geoffrey, Timor Loro Sae: 500 Anos, Livros do Oriente, Macau, 1999, p. 62

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(3) Pedro Kaul ,Florianópolis, Santa Catarina Brasil, escreveu sobre o Patrimônio Arquitetônico de Timor Leste. Ele comenta a correspondência de Henrique Correia e a notícia Timor-Leste: Planos de urbanização de Díli e Baucau têm traço português
(correspondências a seguir,  2 e 1 ).

Amigo Henrique,
  Muito interessante o seu relato sobre a urbanização e seus problemas em Timor-Leste. Apenas notei que você não mencionou nada a respeito de construções antigas, pelo que me interesso muito: - possíveis igrejas, fortes/fortalezas, palácios e outros prédios públicos ou não, que datassem dos séculos passados (XVI, XVII, XVIII e XIX) e que tivessem sobrevivido, de alguma maneira, isto é, total ou parcialmente, às invasões e destruições perpetradas pelos japoneses, e posteriormente pelos indonésios nessa ilha. Na antiga Lifau, por exemplo, primeira "capital" do território, no atual enclave de Oecussi, fundada no século XVIII (se não me engano), não restou nada de construções antigas, tais como palácio do governador, igrejas, cais do porto, etc. ?
  A respeito de construções, no Brasil, que datam do tempo colonial, registro que temos obras arquitetônicas aqui muito antigas, dos primórdios do século XVI (primeiros anos após o descobrimento/achamento do Brasil), que ainda se encontram praticamente como eram na sua origem. Refiro-me a igrejas e conventos da cidade de Olinda, Pernambuco, construções erguidas por volta do ano de 1530, e que sobreviveram à destruição e incêndios por que essa cidade passou, ao tempo de invasões holandesas, na primeira metade do século XVII.
  Abraços,
  P. Kaul.  (Florianópolis, Brasil)

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(2) Henrique Correia, Portugal, comentou a notícia Timor-Leste: Planos de urbanização de Díli e Baucau têm traço português (1):
 
Esta notícia encheu-me de alegria, porque sei bem o caos urbanístico em que a ocupação javanesa deixou Dili. O meu amigo, e também nosso colega, Alex Tilman esteve recentemente de visita a Portugal e descreveu-me o desastre que foram os 24 anos de influência indonésia no urbanismo da capital timorense. Aproveito a ocasião para fazer uma breve retrospectiva arquitectónica e urbanística de Dili.

Encurralada entre o mar, a Norte, e as montanhas nos restantes pontos cardeais, Dili não tem grandes possibilidades de expansão. No entanto, durante a ocupação indonésia houve um afluxo de população à capital, fenómeno típico dos países subdesenvolvidos, que provocou um súbito aumento de população, dos cerca de 25.000 habitantes em 1974, para os 150.000 em 1999. Este brutal aumento fez-se à custa de habitações precárias com áreas diminutas e de fraca qualidade construtiva, sem arruamentos suficientes e nem sequer o espaço mínimo entre elas. A rede de saneamento, dimensionada para uma população 6 vezes menor, era à base de fossas sépticas. Com o aumento de população, as novas construções foram feitas sem saneamento e os coilões (canais de drenagem de águas pluviais) de Dili passaram a servir de esgoto a céu aberto dessas novas habitações, com as desvantagens gravíssimas da insalubridade daí decorrente: doenças e contaminação das águas, nomeadamente do mar. Também a recolha de lixo de
uma tamanha população é problemática, exigindo recursos materiais e humanos que estão muito para além das possibilidades da capital timorense.

Recuando um pouco no tempo, lembremos que Dili ficou completamente destruída durante a ocupação japonesa, na década de 40 (parece uma triste sina a que esta cidade tem estado condenada). Daí o estranho paradoxo de Dili, em 1975, ser uma cidade fundada no Séc. XVIII e de aspecto moderno, ao mesmo tempo. No meio desta desgraça toda houve este aspecto positivo, que foi a possibilidade de se repensar a estrutura urbanística da cidade em termos modernos, dotando-a de edifícios e equipamentos de boa qualidade, ruas espaçosas e planeando o seu crescimento a médio-longo prazo. Infelizmente, nada disto aconteceu após a destruição da cidade em Dezembro de 1975, com o bombardeio a que foi sujeita aquando do desembarque aeronaval indonésio.

O último plano de urbanização de Dili que conheço, antes de 1975, foi concebido pelo arquitecto português Fernando Schiappa, em 1966-68, que foi igualmente responsável pelos projectos do edifício do Banco Nacional Ultramarino e das casas para os seus funcionários (junto à escola do Farol), em 1969. Para mim, estas são as habitações com melhor qualidade arquitectónica em Timor, até 1975, com a sua distribuição dos espaços e volumes, linguagem arquitectónica e adequação climática.

Schiappa, nascido em 1926, tem um currículo brilhante. Especializou-se em arquitectura tropical, tendo elaborado também projectos e normas para escolas de Angola e Moçambique, quando era funcionário da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações (1954-76). Entre outros estudos, publicou uma obra de levantamento, desenho e investigação sobre os habitats tradicionais de Timor.

Depois desta explicação de como o urbanismo e a arquitectura de Dili foram tratados com esmero por um especialista como o arqº Schiappa, entenderão certamente porque espero que as autoridades timorenses escolham o "Cenário 1". Os habitantes de Dili têm direito a viverem em condições dignas e saudáveis, e a terem orgulho numa cidade bonita e bem planeada, pois os seus filhos e netos também têm ou terão esse direito.

Para além disso, concordo com a deslocação das instalações portuárias para fora da cidade, pois assim cidade e porto terão mais possibilidades de expansão e crescimento. Com a actual situação, parte da zona mais bonita e nobre da cidade (Av. de Portugal - Av. Alves Aldeia) está devorada por um porto cada vez mais glutão de espaço. Também concordo com a reactivação do aeroporto internacional de Baucau: até 1975, este aeroporto era a principal porta de acesso a Timor por via aérea. A sua pista permite a aterragem de aviões B-747, sendo uma imprescindível infraestrutura logística e turística. Essa hipótese de reavivar o velho aeroporto está em convergência com o plano de fomento que decidiu criá-lo em Baucau, após apurados estudos na década de 60. Esses estudos concluiram que, dado o relevo acidentado de Timor e a reduzida área disponível de Dili, a melhor opção era construí-lo no planalto de Baucau. Acrescente-se que a reactivação deste aeroporto também terá o mérito de descentralizar
infraestruturas, actividades e postos de trabalho, nomeadamente nos serviços e turismo, contribuindo para contrabalançar a macrocefalia e o crescimento anormal da capital.

Em Dili, a obsoleta pista de aterragem de terra batida que havia em 1975 era suficiente para os pequenos voos internos. No entanto, prevendo-se o crescimento futuro de Timor (o tal planeamento a médio-longo prazo), à data da invasão indonésia estava já em laboração uma brigada de Obras Públicas cuja missão era melhorar estradas, construir pontes e o novo aeroporto de Dili. No entanto, estava previsto que este não substituiria nunca o de Baucau. Os indonésios, quando chegaram, construiram a sua versão do aeroporto de Dili, embora do projecto da administração portuguesa apenas tenham "aproveitado" as máquinas. Mas o novo aeroporto, tal como a ampliação do porto, foram realizados por motivos meramente militares, sem ter em conta os interesses da cidade.

Não me querendo alongar mais sobre este assunto, defendo a escolha do "Cenário 1", pois mais vale ter a coragem de destruir agora o que está mal feito e a visão de reconstruir bem para os próximos 100 anos, do que poupar uns tostões mantendo quase tudo na mesma agora e daqui a 10 anos termos uma situação completamente incontrolável, que nem a maior fortuna do mundo conseguirá parar.

Henrique Correia
Portugal

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(1) Helena Espadinha,Portugal,enviou a notícia
Timor-Leste: Planos de urbanização de Díli e Baucau têm traço português

  31-01-2006 8:15:00.  Fonte LUSA.    Notícia SIR-7692486
   Eduardo Lobão, da Agência Lusa Díli, 31 Jan (Lusa) - O traço português nos planos de urbanização das duas principais cidades de Timor-Leste, Díli e Baucau, foi hoje apresentado pormenorizadamente em público e contempla dois cenários, ambos a cumprir no prazo de 10 a 15 anos.

  Desenhados e calculados por uma equipa multidisciplinar, coordenada por arquitectos portugueses, com apoio da Cooperação Portuguesa, os dois planos prevêem desde a retirada do porto comercial do centro de Díli até à aposta em Baucau como principal aeroporto internacional do país.

  As alterações propostas, com consequências nos planos de construção e de realojamento, coincidem num ponto: uma grande dose de coragem política por parte do governo timorense.

  João Alves, secretário de Estado para a Coordenação Ambiental,
  Ordenamento do Território e Desenvolvimento Físico, diz que o governo
  está preparado.

  "Sabemos que isto é um desafio e também sabemos que o melhor para
  desenvolvimento são os desafios. Estamos prontos a enfrentá-los",
  garantiu à Lusa.

  E os desafios que o governo timorense se declara pronto a enfrentar são,por exemplo, no chamado "Cenário 1", a aposta numa política de habitação e de renovação urbana, com o fim das construções precárias que informalmente e ilegalmente ocupam grandes áreas nas duas cidades.

  Esta renovação urbana assenta ainda no desmantelamento de todos os
  bairros de génese indonésia, cabendo ao governo os encargos sociais e
  políticos de programação e de execução de uma política de realojamento alternativo.

  O "Cenário 1", classificado como "arrojado" pela equipa portuguesa que elaborou os documentos, propõe a retirada do porto comercial do
  perímetro urbano de Díli, a promoção das instalações aeroportuárias de Baucau a aeroporto internacional, ficando o actual aeroporto Nicolau
  Lobato, de Díli, remetido a equipamento secundário, de apoio ao esperado incremento da actividade turística.

  O "Cenário 2", que implica muito menos investimentos que o alternativo, assenta numa política de habitação que confere prioridade à recuperação do parque urbano existente.

  O porto de Díli manter-se-á, neste cenário, no mesmo local, sendo alvo de obras de ampliação e o aeroporto da capital mantém igualmente a
  importância que detém actualmente, sofrendo obras de beneficiação e
  ampliação.

  Estas opções atribuem a Baucau o reforço das funções portuárias.

  Contudo, como salientou a equipa responsável pelos dois planos de
  urbanização, os dois cenários são complementares, tendo sido apontados em alternativa para facilitar a identificação das alterações a introduzir nas duas cidades.

  A apresentação pública destes planos constitui a segunda fase de um
  processo iniciado em Novembro de 2005, aquando da divulgação pública
  genérica dos documentos.

  Os dois planos de urbanização foram desenvolvidos com o apoio da
  Cooperação Portuguesa através do GERTiL - Grupo de Estudos de
  Reconstrução de Timor-Leste da Universidade Técnica de Lisboa.

  A inventariação dos edifícios e equipamentos urbanos iniciou- se em  Julho de 2005.

  O estudo, entregue formalmente ao governo de Timor-Leste em Novembro de 2005, contou na sua elaboração com a participação de arquitectos,
  agrónomos, juristas e engenheiros portugueses em parceria com finalistas timorenses dos cursos superiores de Ciências Agrárias e de Engenharia,da Universidade Nacional de Timor LoroSae, sob coordenação do GERTiL.

  Com o estudo foi ainda entregue o Sistema de Informação Geográfica, que contém todos os dados integrados nesta primeira fase, e que permitirá às autoridades timorenses gerir toda a informação relativa a Díli.

  Lusa/Fim