03-03-2005Embaixada Galega da Cultura-Renovação- Núm 14RENOVAÇÃO
Núm.14 Dezembro, Janeiro e Fevereiro de 02-03 Boletim cultural e informativo da Embaixada Galega da Cultura
Redação : apartado dos correios, 24034-28080 Madrid.Conselho: Moncho de Fidalgo, Tomé Martins, Suzana Couceiro, R. Queixomariu Fidalgo, Roi da Bolandeira, J.L. Galego, J. Luís A. Fernando do Savinhão. Ricardo A. Windor. Nem Renovação nem as pessoa que compõem a Embaixada Galega da Cultura se responsabilizam das opiniões individuais assinadas ou de grupos identificados cujas idéias possam ser referenciadas ou comentadas sem qualquer cumplicidade. Nota do Conselho. *Bandeira autonomista da GALIZA. Noutros números de Renovação temos amostrado a bandeira dos patriotas galegos que é a que leva uma estrela vermelha no centro, também o brasão. Esta informação e outras vão dirigidas aos leitores lusófonos não galegos.
Conteúdos deste número: Televisão portuguesa para a Galiza. Relato breve. Especial Olivença. "Prestige", uma praga. Falo português da Galiza. Poucas palavras sobre Euclides da Cunha. Campanha já está em curso Galiza quer ver televisão portuguesa 2002-09-17 12:15:57Galiza - A organização reintegracionista Assembléia da Língua está a promover uma campanha para ter acesso à televisão portuguesa a partir da Galiza, chamando a atenção para as vantagens que as transmissões poderão trazer e enfatizando a «cidadania comum européia». A solicitação vai mesmo seguir para o Governo português e para a Xunta de Galicia. (c) PNN - agencianoticias.com "Jornal Digital" A campanha da Assembléia da Língua pretende conseguir a instalação de retransmissores para permitir receber na Galiza os dois canais públicos portugueses (RTP1 e RTP2), a SIC e a TVI. A organização reintegracionista defende que receber as emissões das televisões lusas facilitaria o conhecimento da língua portuguesa, «a segunda língua românica em número de utentes», sublinham no texto de apresentação da campanha. Xico Paradelo, membro da Assembléia da Língua, em declarações ao «Canal Lusofonia», referiu que «o que acontece em Portugal é importante para empresários, médicos ou titulados em português, mais do que acontece em Canárias, Málaga ou Lazarote». Para o responsável, a possibilidade de ver canais portugueses poderá contribuir para a «normalização da língua galega». Para a Assembléia da Língua, as dificuldades técnicas para a recepção dos canais televisivos de Portugal nas casas da Galiza podem ser solucionadas, tendo em conta a tecnologia atual, «mas é preciso que os respectivos governos tenham a suficiente sensibilidade e vontade política», salienta. Em termos legais, tendo em conta a legislação estatal e, em especial, a comunitária européia, existe atualmente possibilidade de solicitar a recepção da televisão portuguesa na Galiza. A União Européia (UE) fomenta a «livre prestação de serviços de mercadorias», na qual se inclui o serviço da recepção de televisão. http://www.jornaldigital.com/index.php - Deus, que é aquilo? Era um homem montado num aparelho estranho... Tinha umas rodas traseiras enormes, para nós eram gigantescas. Nossas apreciações dimensionais ficavam ultrapassadas. - Bota fume! O Daniel exclamou indicando com o dedo "fura-bolos"... Os dedos tinham seu nome, o senhor Antônio de Ferreirinho ensinara-nos a denominá-los "cientificamente": pequenino, medianinho, pai de todos, fura bolos e mata piolhos! O senhor Antônio de Ferreirinho era um grande tipo, certamente seu filho retrocedera na escala humana com respeito a seu pai. Foi um grande amigo dos miúdos de Vila velha. A chuva apertava, a névoa mais espessa fora-se lá detrás do Cotarelo, quiçá naquela altura da manhã estaria chegando a Sárria. - Em Sárria sempre há névoa, não se pode madrugar para ir à feira! Dizia o senhor Antônio. E o homem montado no estranho aparelho seguia seu caminho, ruidoso e monótono. As rodas gigantescas iam abaulando naquele caminho estreito e ziguezagueante. Alguns homens seguiam à máquina também admirados do fato de que "sessenta cavalos" mecânicos foram tão ruidosos! Aquele é que foi o nosso primeiro encontro com os tratores, com efeito, uma novidade. E após aquela fugida de Vila Velha havia que regressar! Lembras, Daniel? Eram tempos nos que os pais que tinham a possibilidade, além de lhes dar aos filhos chouriços, ovos, manteiga... também lhes davam vinho com açúcar, afirmavam ser ele bom para a "anemia"! E tu bem dele que engolis-te, mas não lho tomes a mal, eles faziam-no com boa fé. Mas tu ficas-te bêbedo para a vida, além desse mal que te atacava sem piedade... Agora é que aproveito para que desde arriba me escuses o meu pânico àquele mal estranho que che fazia tremer daquele jeito, que medo passava! E havia que regressar a Vila velha, o homem da máquina lá ia caminho da Matança e nós éramos tão miúdos que nossos pais andariam na nossa procura. Como naquela outra vez que lá nos marcháramos seguindo a linha de alta tensão que havia chegar à França... Asseguram que umas vezes é para trazer e outras para levar energia elétrica. E assim é que deve ser! Lembras-te? - Em chegando àquela montanha vê-se a França! - alguém de nós comentara.- Boa asneira. A um e a outro lado do caminho havia árvores que soltavam água com as suas canas penduradas como se fossem guarda-chuvas. Giestas gigantes em giesteiras escuras lembrava-nos a incerteza, o medo, o lobo ou quem sabe! Já ficava longe o rugir do trator, o monótono rugido daquela primeira máquina que nós tínhamos descoberto apenas se ouvia. Eu já não lembro bem como terminara aquela nossa aventura da perseguição do trator? Porém se tu recordas conta-lho a meu pai e desculpa-te em meu nome. Há macacos onde tu estás? E porquê aquele nosso medo aos macacos? A cozinha dos pais do Daniel achava-se naquela altura à esquerda uma vez que se tinha traspassado a porta de entrada do prédio. Um recinto amplo precedia à porta da cozinha, desse mesmo passadiço partia a escada para o andar superior assim como uma porta que conduzia para as cortes... A cozinha era típica, chamavam-se "econômicas", ignoro o porquê? Havia uma janela que dava para o horto. E ali estávamos, Daniel, os dous sozinhos e de súbito descobrimos que tínhamos medo, ou melhor dito, eu ia-me para minha casa mas tu para não ficares só inventas-te aquilo dos macacos: - Não te vás, aí fora há macacos e podem-te comer! O pânico invadiu-me e fiquei em silêncio, lembro que estávamos pintando com uma caneta nos azulejos brancos da própria cozinha, os que faziam de mesa. Mas tu deveste contagiar-te do meu medo que exclamas-te então: - Mas como andam sempre com a boca aberta, metemo-lhes um tição ardendo se entram na cozinha. Grande tipo aquele, mas também muito maluco o Daniel, segundo era ele de bom assim era de tolo, mas não merecia o final que o destino traidor lhe tinha assinado...Não é que acredite muito nisso do "destino" mas se o há, com o Daniel "passou-se" da raia! Era um dia cinzento, quiçá de outono ou quem sabe, é possível que de primavera, a "senhorita" andava nervosa, algo se passava pela sua cabeça que o ar estava carregado de partículas elétricas! A "senhorita", assim nos obrigava a que a chamáramos, era a mestra da escola, em paz esteja, afortunadamente para os miúdos daquelas terras! - Demo de bicha, malhou nele como se fosse um cão ao que arrebatar uma peça de caça! - assim é que falou o Daniel. Ele foi o meu melhor defensor, minha melhor testemunha para demonstrar que era inocente...Que não faria o rapaz para que a "senhorita" malhara nele até que o sangue lhe chegara aos pés? Mas eu nada fizera ainda que possa resultar impossível de crer... Aquelas mestras ao serviço da causa franquista e também, não esqueçamos, ao serviço da causa castelhanista mais radical e absolutista... Por falares em galego o mesmo che rompiam um dedo da mão que che abriam a cabeça como fizera a "senhorita" comigo...Eu apenas tinha onze anos e Daniel estava ali também para comprovar a crueldade dos servidores do ministério da educação espanhol. Mas eis o triste, a atitude dos inocentes "súbditos"; submissa e até considerando-se eles próprios os culpáveis... O que faltava. Se a vês lá, Daniel, dá-lhe recados da minha parte! Diz-lhe que afinal a verdade sempre chega, ainda que seja tarde, mas chega... Triste consolo, pois a verdade também chegou para as tribos índias da América, mas avondo tarde. Que digo, como vás tu estar no mesmo lugar, ela não era boa, se realmente Deus é justo não a terá enviado ao mesmo lugar que a ti, tu és bom, melhor, eras. Mas quem sabe, já vês que pelas alturas políticas há muita corrupção e ao melhor Franco tem aí montado um grupo de pressão, vai tu saber!! Faço-me a pergunta de se Deus será "castelhano" porque na Galiza seus "ministros" sempre exercem como se Deus ignorara que os galegos também somos da "bezerra"... Não sei o que significa essa expressão mas meu pai sempre a usava: - Nós também somos de "Deus como a bezerra"!! E meu pai era homem de muito mundo, sabe-lo... Um dia disse: - Jorginho, agora que te vás do ninho como um pássaro, a esvoaçar polo mundo, cumpre-me avisar-te dos problemas que podes vir a ter se te não comportas, meu filhinho. Sempre pacífico, sempre educado. Arreda-te da farfalha. Desconfia do muito requintado sem fundamento, - ainda o estou escutando, com aqueles olhos sempre vivazes e a espreitar.- Assim como a Terra gira à volta do Sol, a verdade sempre chega a seu destino. Moncho de Fidalgo http://bvg.udc.es/ficha_autor.jsp?id=JosRodri&alias=José+Ramom+Rodrigues+F Do chefe de imprensa do DESPORTIVO DA CORUNHA (Deportivo de La Coruña) recebemos este correio em resposta a uma comunicação nossa onde nos amostrava-mos indignados pela política castelhanista desta equipa galega. A mensagem está redigida em "galego" macarrónico ou castrapo, nome com que se conhece na Galiza à língua portuguesa ou galego-portuguesa escrita com ortografia castelhana e cheia de castelhanismos: De: Rafel Carpacho < Estimados amigos: Ademais de xefe de prensa, son un acérrimo defensor da nosa cultura galega, como o proba a miña extensa biblioteca en galego. Seguide loitando. Moito ánimo. Rafa Carpacho-Xefe de Prensa. ESPECIAL OLIVENÇA De seguido publicamos uma série de trabalhos que tratam da Olivença, essa porção de terra que a Espanha ocupou a Portugal. "…Quando eu estudava nos Salesianos de Atocha em Madride, havia um rapaz (Pacheco se apelidava se me não lembro mal?), com quem eu falava na língua da Galiza… Então ignorava o porquê ele sabia falar "galego" agora sei que é porque ele nascera na Olivença…" Moncho de Fidalgo. Olivença, Nobre, Leal e Notável terra portuguesa (Vice-Presidente do Grupo dos Amigos de Olivença) Bibliografia:<O:P</O:P Olivença, Matos Sequeira e Rocha Júnior;<O:P</O:P Compilação para o Estudo da Questão de Olivença, Embaixador L. Teixeira de Sampayo;<O:P</O:P Olivença, Reflexões sobre Usurpação e Aculturação, Carlos Consiglieri;<O:P</O:P Nos Caminhos de Olivença, Carlos Luna;<O:P</O:P A Ponte da Ajuda, Estudo Arqueológico, Manuel Cid. Olivença: Padrão da consciência portugalaica (Tirado do jornal português "Público") " LONDRES, OS GALEGOS REAGEM Ontem, domingo 15 de dezembro, teve lugar uma manifestação de protesta To the Secretary-General of the International Maritime Organization We don’t see safer shipping and cleaner oceans on the coasts of Galiza and Portugal! Instead we see that the Oil Pollution Conventions are not applied effectively, rogue ships are still allowed to sail and IMO Member States turn a blind eye to flags of convenience. Yet again we witness an "incident" like the Prestige oil spill, which will ruin thousands of households who depend on the sea for their livelihood, to say nothing of the repercussions on the rest of the local economy and the impact on the marine environment. How long do we still have to listen to pious words and good intentions when we know full well that there are many more of these so-called "incidents" waiting to happen and nothing really effective seems to be done in order to ban old single-hulled tankers? Are the fishermen, shellfish gatherers and harvesters of Galiza being taken for a ride once again? How many more disasters like the Aegean Sea, the Erika, etc. etc., and now the Prestige, perhaps the worst of them all, before real action is taken to stop this kind of international economic terrorism? Do the concepts of maritime safety, marine environment protection, or oil pollution preparedness, response and co-operation mean nothing to global interests after all? In the name of decency: until when? NUNCA MAIS: NEVER AGAIN! Publicamos este artigo em catalão do jornal "Balears". Balears, 17 /12/2002 Galiza indefesa Escrevemos-lhe esta carta num momento particularmente triste para toda a península ibérica. Como sabe a contaminação emitida pelo barco petroleiro Prestige está a afectar praticamente toda a costa da Galiza e ameaça as costas nortenhas Portuguesas. O governo da Espanha demonstra falta de solidariedade para com os povos do ocidente peninsular ao permitir que um barco com graves deficiências mecânicas contamine irreversivelmente ao longo dos próximos anos um dos mais belos litorais da nossa península. A decisão de levar este barco danificado e carregado de fuel para o sul e para o oeste demonstra uma total indiferença pelas consequências que as populações costeiras da Galiza e de Portugal vão sofrer nas próximas décadas. Este sucesso infeliz e desastroso para a economia local da Galiza e de Portugal faz-nos lembrar um outro acontecimento que está presente na nossa memória. Durante os anos 1807 a 1811 decorreram as três invasões dos exércitos franco-espanhóis e napoleónicos, as quais ocuparam transitoriamente parte do território português e que provocaram a perda do território de Olivença. O governo espanhol dessa época não soube acautelar nem defender intransigente os povos peninsulares enfrentado o estado napoleónico francês e também não mostrou nenhuma solidariedade com o povo irmão que é Portugal. Passaram 200 anos destes acontecimentos e em certa maneira Olivença ficou refém do tempo, sendo a prova viva da ignóbil atitude do governo espanhol em aliar-se ao invasor Francês. O governo espanhol não honrou todos os documentos e tratados que os reinos medievais peninsulares fizeram de defender a integridade e liberdade da Península Ibérica sempre que fosse necessário. Com este desconcerto no destino deste barco petroleiro o governo espanhol mostra novamente que não está à altura de honrar os compromissos de defender os povos da Espanha e de pugnar por uma Península Ibérica solidária. Augusto B. Manuel Alonso. J. Abreu Mário R. Excelentíssimo Senhor Dom Manuel Fraga Iribarne Dizer O Intocável Celso Alvarez Cáccamo As catástrofes e crises colectivas oferecem-nos, infelizmente, muitos motivos para reflectirmos sobre a linguagem. Levo um mês observando e registrando o discurso público sobre a agressão económica e política a este país causada polo desastre do Prestige, sobretudo nos médios de comunicação, e o que observo confirma-me nas teses de Pierre Bourdieu sobre o carácter construtor e dominador do Discurso. Muitas das minhas observações, suponho, são de senso comum, e nem se comentam por óbvias: por exemplo, a coerente insolência desses locutores legítimos da televisão espanhola a pronunciarem em espanhol os topónimos "Muksía", "Lákse" ou, como não, "La Korúña". Aqui o exercício de apropriação simbólica não pode ser mais evidente: "Muxía" e "Laxe" são palavras espanholas, pois pertencem a uma das "lenguas españolas" consagradas na sua Constitución. A pronúncia dos "x" por esse locutor é a correcta, as outras são dialectais. Mais ricos em significados são os contrastes simbólicos e sociais entre o português de muitos marinheiros e o espanhol dos locutores da TVG, variante regional do espanhol da TVE. Bourdieu destaca que a legitimação duma nova língua de autoridade não consiste apenas na sua regularização formal, mas, sobretudo, na geração de novos discursos com novos vocabulários e novos universos conceptuais para representar o mundo social. A Língua Espanhola que se está a normalizar na Galiza sob duas variedades formais gera o discurso democrático da Modernidade, do Estado, da Eficácia, do Voluntariado, da Responsabilidade Cívica. Em programas de televisão sobre o desastre do Prestige mostra-se nos intervalos propaganda oficial sobre a segurança no trabalho no mar: barcos limpos, grandes e totalmente equipados. A voz que nos fala, em espanhol ou galego-espanhol, é um acento grave e masculino, regular, profundo, sério e (como não), ceceante como España. Os discursos de ministros, jornalistas e científicos baralham cifras sobre ajudas macroeconómicas, cifras sobre graus de toxicidade e viscosidade do "fuel-óleo", sobre profundidades submarinas. Por contra, o discurso galego-português de marinheiros e mariscadoras fala em termos quotidianos dos ganapães, os trueiros, as redes de almofadas caseiras, o Monstro do chapapote, a necessidade de comer ou emigrar. Eufemismo e materialismo associam-se assim correlativamente com duas cosmovisões de classe intrinsecamente antagónicas, com duas linguagens e duas línguas irreconciliáveis no espaço deste Estado, em definitivo com dous projectos sociais em conflito. Contudo, os protocolos da tolerância ocidental permitem um certo grau de crítica a esse próprio Discurso que tenta tornar a agressão económica e social sistemática em imponderável "natural", como no caso dos temporais que estragam vilas mal condicionadas, como no caso das epidemias de vacas loucas causadas pola cobiça económica, como no caso dos terramotos vinculados a monstruosas barragens antiecológicas. As fendas que permite o Discurso são cousas como a utilização pública da acusação de "MENTIREIROS", a própria petição de "demissão" (que, não paradoxalmente, legitima os governantes como os nossos governantes), ou os jogos de palavras com "bigote" (sic) e "chapapote", como se o que caracterizasse o totalitarismo fosse o pêlo facial. A personalização das culpas da catástrofe não ajuda para a compreensão das suas causas e para o seu combate. Sabemos também, por exemplo, da rápida apropriação por parte da oligarquia política do lema Nunca Mais. Tentam esvaziá-lo de conteúdo, como com toda a imaginação popular, e agora há que lutar para destinar-lhe novos sentidos, ligar esse Nunca Mais a outro projecto social e económico desafiante e potencialmente emancipador. O Poder sabe bem o quê são e como são as armas do Discurso. Mas as grandes palavras ausentes de toda esta confrontação social são a palavra rei, a palavra monarquia, o nome próprio Juan Carlos de Bourbon. Eis o imenso tabu que nos sobrevoa como uma imensa maré negra discursiva, obturando os coídos da consciência. Avonda com cartografar brevemente a colonial conduta do rei de España (e, quando escrevo estas linhas, do seu filho) contra as suas palavras na sua visita a Muksía: Manchou de piche os seus sapatos pagos também por nós, para fazer-se a foto enquanto criticava os que se faziam a foto. Veu como representante dum Estado que é na realidade miserável, um longo fracasso histórico que desde há décadas os governantes espanhóis tentam paliar em Europa. Mas no quadrículo do televisor a imagem era outra: o Estado engrandece-se polo zoom preciso dos jornalistas lacaios do Discurso focando o rosto real afectado por tanto sofrimento nos seus domínios. Logo, a cena televisiva elegida para ré-legitimar um chefe de estado colonial é, de novo, a do cidadão ou cidadã "popular" que louva o Rei e o venera nataliciamente como se fosse o quarto Melchior ou Gaspar. O Chefe do Estado espanhol desceu ex-machina, como no teatro clássico espanhol, para citar-nos Fuenteovejuna, uma referência tão remota para nós (polo menos para mim) como os Ananda Randa ou o mito do Tempo dos Sonhos dos aborígenes australianos. Porque na realidade a mensagem real não ia dirigida a nós: ia dirigida a España, para que, desde abaixo, desde o "pueblo", desde "los pueblos de España", chegassem procissões de voluntários e caixas de turrão a demonstrarem a inutilidade do pouco autogoverno da Galiza que ainda se gere desde aqui. Não lamento intrinsecamente a debilitação desse pedaço de Estado, dessa Xunta desaparecida nas fauces do chapapote espanhol. Só tento destacar que as práticas de auto-organização que contemplamos, como defesa material, estão também ligadas a uma linguagem, uns discursos e uma língua que contêm o potencial da revolta, paralela a este Estado, e portanto contra dele. E que o Intocável, o Inominável, portanto, o adversário histórico desse espírito de revolta, deveria ser já também nomeado e tocado por essas linguagens. Por exemplo: o Reino de España, como não podia ser doutro jeito, "falhou-nos" de novo porque nunca foi concebido para não nos "falhar". A Juan Carlos de Bourbon, responsável constitucional máximo para as boas e para as más, por essa dignidade que declara ter a realeza deveria dar-lhe vergonha ser Chefe desse Estado. Por princípio, não posso nem sequer ser republicano, defender qualquer forma de estado. Mas devo constatar que a resistência actual contra o chapapote -símbolo e produto da lei capitalista- é uma forma de república. Quando lhe comentei a um conhecido intelectual independentista na manifestação contra Aznar na Corunha que a consigna deveria ser Juan Carlos, Abdicação, não só Políticos, Demissão, ele tentou desactivar: "Claro que estou de acordo, mas essa não é a questão agora". Não, o regime monárquico nunca é a Questão. O Discurso fagocita também as elites intelectuais, já o vemos. Mas lembrem os nacionalistas galegos que nunca poderá haver soberania sob um regime e com um Chefe de Todos os Exércitos que, por lealdade constitucional, poderia enviar o mesmo exército que agora está a escarvar nas praias para matar marinheiros independentistas se ao Reino lhe fosse necessário. Isto é constitucionalmente assim de claro, não nos enganemos. Ou é que alguém ainda pensa que a forma do Estado moderno pode ser neutral? O Intocável é agora o rei e a monarquia, uma forma de estado que é essencialmente antidemocrática porque glorifica o privilégio do sangue masculino de família e porque consagra a propriedade privada do Reino e as suas colónias, incluindo as nossas costas infectadas. Digamo-lo, a ver quem escuta, e sobretudo a ver se se entende, para que os partidos que dizem "defender-nos" não defendam em lugar disso os privilégios do autoritarismo monárquico: Nunca Mais. Nunca Mais monarquia capitalista na Galiza. Em nenhuma parte. Sempre preferirei o idealismo das palavras deste tipo a esse "realismo pragmático" dos políticos que, dia a dia, não deixa de ser uma derrota. DO "DIARIO DIGITAL": O caso "Prestige" O SR. LULA, UM GRANDE PRESIDENTE PARA UMA COMUNIDADE GRANDE, A LUSOFONIA: Da Folha de São Paulo, Terça-feira, 03 de Dezembro de 2002: REPRODUZIMOS UMA ENTREVISTA AO EURODEPUTADO Camilo Nogueira pelo jornal português "Correio da Manhã" FALO PORTUGUÊS DA GALIZA Poucas palavras sobre Euclides da Cunha Nascido a 20 de janeiro de 1866, no Distrito de Santa Rita do Rio Negro (hoje Euclidelândia), município de Cantagalo – Estado do Rio de Janeiro – Euclides Rodrigues da Cunha, filho de Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha e de Eudóxia Moreira da Cunha, não foi exatamente o que se poderia chamar de um homem feliz. Na mais tenra infância, contando apenas três anos, ficou órfão de mãe e, daí por diante, sua infância e adolescência foram de um ir e vir constante, em casa de parentes e escolas diversas, sem pouso fixo, o que, acredito, em muito contribuiu para torna-lo uma pessoa introspectiva e tristonha. Embora tímido e reservado, era possuidor de grande sensibilidade que já se manifestava na adolescência quando, aluno do Colégio Aquino, no Rio de Janeiro, passou a colaborar com o jornal de estudantes "O Democrata", com artigos e alguma poesia. Corria o ano de 1888 e as relações entre o Império e os quartéis, onde era cada vez maior o número de abolicionistas e republicanos, andavam muito tensas. Os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, onde Euclides estudava, combinaram um ato de protesto a ser realizado no momento em que o Ministro da Guerra passasse a tropa em revista.Chegado o momento, ninguém fazia nada.Euclides, indignado com a falta de atitude dos companheiros, dá um passo a frente e atira o seu sabre aos pés do Ministro. A 14 de dezembro, depois de submetido a conselho disciplinar, foi expulso da Escola Militar. Em razão do "episódio do sabre", como ficou conhecido o fato, ao transferir-se para São Paulo, no mesmo mês, foi muito bem recebido pelos republicanos paulistas. Convidado a escrever para o jornal "Província de São Paulo", sob o pseudônimo de Proudhon, Euclides publicou, em janeiro de 1889, uma série de artigos em que pregava a queda da monarquia. Após a Proclamação da República (15 de novembro de 1889), Euclides voltou ao Rio de Janeiro, onde foi reintegrado ao Exército. Casou-se, em agosto de 1890, com Ana Emília Sólon Ribeiro, a qual passou a assinar Ana Emília Ribeiro da Cunha, filha do então Major Sólon Ribeiro. Em julho de 1893 Euclides tornou-se adjunto do ensino da Escola Militar. Em agosto do mesmo ano o então Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, mandou chamá-lo para que, em função de sua recente formatura e entusiasmo republicano, escolhesse a posição que desejava ocupar. Euclides então, demonstrando a sua retidão de caráter, disse-lhe que desejava, apenas, aquilo que previa a lei para os engenheiros recém-formados: um ano de prática na Estrada de Ferro Central do Brasil. Após três meses na Central do Brasil, devido a Revolta da Armada, voltou ao Rio de Janeiro, para trabalhar nas fortificações do morro da Saúde contra os navios sublevados; trabalho esse que exercia sem entusiasmo. Por essa época, Euclides publicou dois artigos na Gazeta de Notícias, onde criticava o senador governista João Cordeiro, por este haver pedido o fuzilamento sumário dos inimigos do governo que sabotaram a Central do Brasil e o jornal "O Tempo". Sendo uma época de radicalização extrema, Euclides, pela publicação dos artigos, foi punido com a transferência para a cidade mineira de Campanha, onde trabalhou na construção de um quartel. Desiludido com a carreira militar, reformou-se em 1896 no posto de capitão. Transferiu-se no mesmo ano para São Paulo, indo trabalhar na Superintendência de Obras do Estado, tendo exercício, a princípio, em São Carlos do Pinhal. Suas funções de engenheiro obrigavam-no a constantes deslocamentos. As notícias que chegavam das sucessivas derrotas das forças governistas na luta contra os jagunços de Antônio Conselheiro em Canudos, levaram-no a publicar dois artigos, um em março e outro em julho de 1897, no jornal "O Estado de São Paulo", sob o título de "A Nossa Vendéia". Até então Euclides, como a grande maioria da população, era de opinião de que se tratava de uma guerra entre os defensores da república e os monarquistas, a serviço de quem estaria Conselheiro. Na condição de enviado d’O Estado de São Paulo, a 14 de agosto de 1897 Euclides da Cunha embarcava para Salvador, agregado à comitiva do Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, para cobrir os acontecimentos em Canudos. De sua chegada a Salvador até o dia em que partiu para Canudos, Euclides gastou seu tempo pesquisando sobre a região, conseguindo mapas, ouvindo relatos, procurando a verdade. Mesmo tendo chegado a Canudos a 16 de setembro, quase no fim da luta, Euclides conseguiu captar todo o seu barbarismo. Os prisioneiros, embora poucos, recusando-se a dar vivas a república eram degolados. Soldados incendiavam casas ocupadas por velhos e crianças. Diante de tantos atos de pura barbárie, Euclides resolveu escrever a verdadeira história de Canudos, denunciando os desmandos cometidos e mostrando que, muito mais do que uma questão política, Canudos era uma questão social, conseqüência da miséria, da fome, da seca. A guerra terminou a cinco de outubro, quando ocorreu o último combate: 5000 soldados contra um velho, dois homens adultos e uma criança. Cansado, acabrunhado, desiludido e sem a visão romântica que tinha da república, Euclides voltou a São Paulo. A 14 de março de 1898 mudou-se para São José do Rio Pardo (cidade em que nasceu o único de seus filhos a deixar descendência – Manuel Afonso), onde, além de construir uma ponte de ferro sobre o rio Pardo, escreveu aquela que viria a ser sua obra prima, o seu "livro vingador": Os Sertões, cuja primeira edição foi publicada a dois de dezembro de 1902, obra esta que, cem anos depois de publicada, ainda continua atual, sendo estudada e discutida. Euclides morreu no bairro da Piedade, no Rio de Janeiro, em 15 de agosto de 1909, assassinado por Dilermando de Assis. Nádia Povoa Chaia Outras Obras Publicadas: - Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus – - Castro Alves e seu Tempo (conferência) - Peru Versus Bolívia, - Contrastes e Confrontos - À Margem da História, |