10-04-2015PRATICAR MELHOR DO QUE O MESTRE Inácio R AndradeReeditando (43)
As mulheres carregavam as quindas na cabeça.
PRATICAR MELHOR DO QUE O MESTRE
Tal como afirmara na cabina do comboio-mala para Silva Porto, Abel provou de facto que nada havia que não aprendesse. E depressa! E bem! Alguns meses depois de começar a trabalhar na loja, praticava já melhor do que o mestre a regra dos comerciantes dignos desse nome: «Comprar por um, vender por dois. Ou até por três, se for possível...». As mulheres carregavam do quimbo as quindas na cabeça, que vinham cheias até cima: de milho, feijão ou mandioca, conforme a época do ano. Entravam pela porta estreita e iam logo pôr a carga na plataforma da balança decimal. Abel pegava nos pesos, passava-os de mão para mão, ora para um lado, ora para o outro, atirava-os ao ar, enquanto tentava calcular qual ou quais devia pôr no prato suspenso do travessão. De repente, em menos de dois segundos, como num passe de mágica, parava as mãos, escolhia o peso conveniente, punha-o no prato, retirava-o logo de lá e anunciava: — São vinte quilos, portanto cinco angolares. A negra franzia a testa, manifestando a sua dúvida e o seu desalento: — Cinco só?! Num pode... Abel confirmava: — Pode, pode. Não discutas. São cinco angolares e são mesmo! De longe, como que alheio ao que se passava, Joaquim Hipólito assistia a tudo. Esboçava um sorriso e comentava consigo: — O gajo tem um jeitão para isto. Sim, senhor!
Inácio Rebelo de Andrade do romance «O Pecado Maior de Abel» |