Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


10-04-2015

PRATICAR MELHOR DO QUE O MESTRE Inácio R Andrade


Reeditando (43)

 

43PraticarMelhorDoQueOMestre

As mulheres carregavam as quindas na cabeça.

 

PRATICAR MELHOR DO QUE O MESTRE

 

     Tal como afirmara na cabina do comboio-mala para Silva Porto, Abel provou de facto que nada havia que não aprendesse. E depressa! E bem!

     Alguns meses depois de começar a trabalhar na loja, praticava já melhor do que o mestre a regra dos comerciantes dignos desse nome: «Comprar por um, vender por dois. Ou até por três, se for possível...».

     As mulheres carregavam do quimbo as quindas na cabeça, que vinham cheias até cima: de milho, feijão ou mandioca, conforme a época do ano. Entravam pela porta estreita e iam logo pôr a carga na plataforma da balança decimal.

     Abel pegava nos pesos, passava-os de mão para mão, ora para um lado, ora para o outro, atirava-os ao ar, enquanto tentava calcular qual ou quais devia pôr no prato suspenso do travessão.

     De repente, em menos de dois segundos, como num passe de mágica, parava as mãos, escolhia o peso conveniente, punha-o no prato, retirava-o logo de lá e anunciava:

     — São vinte quilos, portanto cinco angolares.

     A negra franzia a testa, manifestando a sua dúvida e o seu desalento:

     — Cinco só?! Num pode...

     Abel confirmava:

     — Pode, pode. Não discutas. São cinco angolares e são mesmo!

     De longe, como que alheio ao que se passava, Joaquim Hipólito assistia a tudo. Esboçava um sorriso e comentava consigo:

     — O gajo tem um jeitão para isto. Sim, senhor!

 

Inácio Rebelo de Andrade

do romance «O Pecado Maior de Abel»

http://olhoatento.blogs.sapo.pt/reeditando-43-77739