Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


01-05-2013

O defunto vivo Eduarda Fagundes


Mais um "causo" mineiro...pra quem gosta.

Eduarda Fagundes

O defunto vivo

Num passado não muito distante, o pacato cotidiano das corrutelas e pequenas cidades interioranas era movimentado pelas festas religiosas e histórias fantásticas contadas à noite em animadas reuniões familiares. Depois do jantar, nas varandas das casas ou sentados em volta de uma fogueira no terreiro das roças, os peões e agregados das fazendas contavam as novidades do dia , piadas, e estórias sobre fenômenos sobrenaturais que arrepiavam os cabelos e punham visões assombradas na imaginação dos mais ingênuos. A morte, sempre temida, quando chegava a algum morador da casa, era fantasiada pela onipresença de fantasmas que povoavam o imaginário das crianças e dos mais suscetíveis que à noite, de medo, não dormiam.  As lendas eram contadas de boca em boca, e de geração em geração, com acréscimos e adendos. Os personagens ganhavam nomes e até referências que davam às estórias ares verídicos onde se misturava o fictício e o real.

Povo extremamente religioso e supersticioso, quando alguém morria nas fazendas, tinha o costume de buscar o defunto para ser enterrado no cemitério da cidade. Famosa ficou a seguinte estória...

Naquela tarde, Zé da Rosa, o motorista da Lajeado, e o ajudante, funcionário da funerária, seguiam pela estrada rural, apressados. A caminhonete levantava poeira. Queriam chegar à fazenda para pegar o defunto antes que a tempestade anunciada os alcançasse.  

Foi quando de repente, acenando no meio da estrada, um rapaz pedia carona. Solícitos, param.  Deixaram-no saltar para a carroceria,  depois de lhe explicar que havia atrás um caixão vazio. Iam buscar um defunto na roça.  Tocaram em frente sem perda de tempo. Não demorou muito e grossos pingos de chuva começaram a cair. Sem pestanejar o homem entrou no caixão e fechou a tampa para não se molhar. Não haviam percorrido dois quilômetros, e eis que surge outro campesino no caminho, todo encharcado, pedindo boleia. Na chuvarada, não houve tempo para explicações. Zé parou o carro e o carona subiu ligeiro, .  onde jazia o caixão ocupado.

Quando a chuva amainou, ouviu-se um grito de pavor.  Assustado, o motorista brecou e apalermado viu o matuto pular, e caído na estrada, tentando, tonto, abalar, enquanto na carroceria o outro carona, sentado, com a tampa do caixão levantada, com cara de espanto,  sem entender nada, dizer:

Não sei por que ele fez isso, eu só perguntei se a chuva havia passado!

Maria Eduarda Fagundes

Uberaba, 17/04/13