Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


01-04-2014

Reformando a reforma ortográfica


A nova ortografia está no ponto ideal de ser rediscutida e aprimorada. Já houve tempo para testá-la em todas as situações possíveis A tentativa de unificar e simplificar a ortografia da língua portuguesa é um projeto antigo dos países lusófonos, que divide os acadêmicos e enfrenta resistências ferozes. Razões de natureza linguística, histórica, cultural e até mesmo afetiva costumam causar reações, toda vez que se decide mexer na ortografia. Por ser um projeto mais amplo e que envolve mudanças maiores, a unificação ortográfica é ainda mais complicada. O acordo de 1931 entre Brasil e Portugal foi aprovado, mas não chegou a ser praticado. Em 1945, foi definido um outro acordo luso-brasileiro, mas o governo do Brasil não o ratificou. Já o acordo de 2008, promulgado em 29 de setembro daquele ano -- e que deveria ter entrado em vigor no dia 1º de janeiro de 2009 --, foi repudiado por escritores de Portugal e esteve em vias de soçobrar, pela falta de adesão de uma parte significativa dos falantes da língua portuguesa, mas ganhou um fôlego novo com a perspectiva de revisão de alguns pontos. Já em uso na maior parte das redações brasileiras (embora a implantação oficial tenha sido adiada para 1º de janeiro de 2016), a nova ortografia está no ponto ideal de ser rediscutida e aprimorada. Houve tempo para testá-la em todas as situações possíveis, e tanto os pontos positivos quanto os negativos ficaram suficientemente aclarados. Portugueses e brasileiros têm razões distintas para não gostar de certas novidades. Lá, uma das maiores queixas está relacionada à extinção das consoantes p e c em palavras como Egito (Egipto), ótimo (óptimo), correto (correcto) e ação (acção), entre outras. Alegou-se, em meio a uma polêmica intensa que envolveu professores, escritores e outros especialistas, que certas consoantes mudas, extintas pela reforma, tinham a função de indicar o grau de abertura das vogais átonas -- mas há quem discorde disso. No Brasil, a nova ortografia foi adotada sem grande resistência pelos principais usuários da língua escrita, como editoras de livros e órgãos de imprensa, que se esforçam por assimilar as mudanças desde que foram implantadas. Algumas inovações, como a supressão completa do trema e do acento circunflexo em paroxítonas como voo, enjoo e veem, foram rapidamente absorvidas e passaram a fazer parte do cotidiano dos redatores, enquanto outras continuam dando trabalho. É difícil de entender -- como mencionou a repórter Daniela Jacinto, na página Educare de ontem -- por que paraquedas perdeu o hífen e para-choque manteve o sinal diacrítico. Assim como é complicado elaborar frases com o verbo parar, sem que a terceira pessoa do presente do indicativo (para, agora sem acento agudo) seja confundida com a preposição para, indicativa de direção ou de finalidade. A experiência dos redatores, editores, revisores e outros que trabalham cotidianamente com a língua formal demonstrou, além disso, o quanto são contraproducentes as exceções às regras contidas já no nascedouro da reforma ortográfica, o decreto nº 6.583/2008. Se a aplicação das regras fosse generalizada, rapidamente elas seriam absorvidas e em pouco tempo não haveria mais dúvidas. Como há exceções e não existem regras claras para defini-las, a pessoa fica obrigada a consultar diversas vezes ao dia um dicionário atualizado ou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, para saber se determinada formação leva ou não o hífen. Por tudo isso, merece ser acompanhada com interesse -- e apoiada objetivamente, com assinaturas e sugestões -- a iniciativa do movimento http:// simplificandoaortografia.com, que colabora com o esforço do Senado Federal na tentativa de reduzir e simplificar as normas ortográficas. Rever a ortografia racionalmente, à luz da experiência acumulada nos últimos cinco anos, é o mais correto a fazer, se o que se quer é uma língua passível de ser compreendida e utilizada corretamente por todos os seus falantes
Notícia publicada na edição de 28/03/14 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 003 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.

http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia/539015/reformando-a-reforma