25-03-2013 Correr atrás do vento - A Palhinha Machado
Caturrices
XxxIII (Portugal)
Correr
atrás do vento
A.Palhinha Machado
E, de repente, assim,
sem mais, não é que a PGR resolveu investigar os Bancos de cá,
suspeitos (vá-se lá saber porquê) de práticas restritivas da
concorrência (leia-se: cartelização, conluio) prejudiciais aos
seus clientes?
Torço para que os
Ilustres Procuradores tenham umas luzes de Finança que os orientem
nas duras tarefas a que lançaram mãos: (i) provar a existência de
um cartel; (ii) provar o prejuízo dos clientes.
Ah! Os spreads!
Ah! As comissões! E, já agora, se não for pedir muito, os
encargos avulsos que os Bancos debitam com grande à vontade.
Comecemos
pelos spreads. Em teoria, os spreads justificam-se
para cobrir perdas prováveis. Se a PGR passar os olhos pelas
recomendações do Comité de Basileia (a autoridade mundial, nesta
matéria), e convém que o faça, aperceber-se-á das duas “Regras
de Ouro” que estão na base de qualquer sistema bancário
financeiramente sólido e estável q.b.:
1ª
Regra – O spread de um empréstimo bancário deve ser
suficiente para absorver, pelo menos, a perda média (ou perda
esperada) em empréstimos desse tipo (tal como os prémios
cobrados pelas Seguradoras num ano devem ser superiores às
indemnizações que elas esperam ter de pagar, nesse ano) - é o que
se designa por cobertura horizontal do risco de crédito;
2ª Regra – Os
Capitais Próprios de um Banco devem ser suficientes para absorver,
quer as perdas não esperadas (aquelas superiores à média),
quer as insuficiências na cobertura horizontal do risco de
crédito a que ele se encontrar exposto.
Temos assim que, em
tese, para cada devedor, seu spread. Ainda que os Bancos
Comerciais bem orientados: (i) façam a gestão do risco de crédito
por “grandes números” (isto é, estatisticamente), agrupando os
devedores em classes de risco - e fixando spreads por
classes de risco; (ii) saibam perfeitamente que a propensão
para não pagar depende não só do devedor, mas também da natureza
da dívida (em geral, a primeira dívida a ser deixada para trás é
a do cartão de pagamento, e só em desespero de causa se falha na
prestação do empréstimo da casa).
A esta luz, estranho
será que todos os Bancos estejam a levar os mesmos spreads,
seja qual for o devedor. E quando assim é, cabe perguntar:
Cartelização? Excessiva preocupação com quota de mercado?
Deficiente gestão do risco de crédito? Ou necessidade imperiosa de
contabilizar receitas que dêm para pagar estruturas muito
empoladas?
Mas quem tem de
responder a estas perguntas, que apontam inequivocamente para a
estabilidade do sistema bancário é o BdP, não a PGR. Tanto mais
que a “bolha de dívida” que nos atirou para o atoleiro em que
hoje estamos se deveu ao facto de o BdP nunca ter tido a curiosidade
de investigar como é que os Bancos de cá estavam a respeitar
aquelas duas Regras de Ouro.
Se tivermos em conta
que, entre nós, boa parte da actividade bancária é “de retalho”
(aquela em que o risco de crédito é gerido com ferramentas
estatísticas), e que mesmo em economias financeiramente mais
evoluidas a perda média na Banca de Retalho ronda os 4%-6%,
como não concluir que o conluio, se provado, beneficiou afinal boa
parte dos devedores, nestes últimos 15 anos, pelo menos?
Verdade seja dita que
a 1ª Regra de Ouro não refere spread, mas taxa de
retorno – ou seja, quanto o Banco credor vai receber por cada
€ 1 que colocar efectivamente à disposição do devedor. E é
aqui que entram as comissões.
É que há comissões
e comissões. Há comissões por serviços prestados (atenção! ter
a porta aberta para emprestar dinheiro não é propriamente prestar
um serviço, mas estabelecer um comércio). E há comissões
financeiras puras, que servem unicamente para aumentar a taxa de
retorno dos empréstimos (agravando, simetricamente, o custo do
dinheiro que os devedores pedem emprestado).
Os preçários dos
Bancos distinguem, com meridiana clareza, as comissões que
correspondem a serviços prestados (descrevendo-os com igual
clareza) daquelas puramente financeiras? Raramente. Então, a PGR,
além de ter de averiguar, Banco a Banco, classes de risco, métodos
de avaliação e de gestão de risco e custos médios do funding,
vai ter ainda de lidar também com a falta de clareza dos preçários.
Mas tudo isto não compete ao BdP, enquanto Autoridade de Regulação
e Supervisão?
Surpreenda-se,
Leitor: Sim e não. Na realidade, não ocorreu ao nosso preclaro
legislador investir o BdP como Autoridade de Concorrência no
sistema bancário. E está à vista o imbroglio que esse
esquecimento veio provocar.
Não é realista
supor que os clientes, principalmente os clientes “de retalho”,
de cada vez que têm de fazer uma operação bancária, percorram
todos os Bancos (rua a rua, ou através da net) para se informarem
das comissões (e dos encargos) que cada um pratica – a fim de
escolherem o que mais lhes convenha.
E é até muito
simples instalar um clima de sã concorrência em matéria de
comissões (e de encargos). Basta que o BdP: (i) recolha
sistematicamente todos esses preçários; (ii) os arrume, comissão
a comissão, em 4 classes, dos mais baratos aos mais caros; (iii)
obrigue (como Autoridade de Concorrência) os Bancos a inscreverem
nos seus respectivos preçários em que classe cai cada uma das
comissões (e dos encargos) indicadas. E os clientes, consultado o
preçário, sabem logo se bateram à porta certa, ou à porta
errada.
Como se vê, os
Bancos, para construirem uma taxa de retorno, tem dois graus de
liberdade – a saber: (i) o spread; (ii) as comissões
financeiras. Por isso, só ao nível das taxas de retorno (isto é,
do custo do capital para os devedores) será possível comprovar
seguramente a existência de cartel.
Tudo fia mais fino
nos depósitos bancários. Haverá concorrência no modo como os
Bancos captam depósitos? O que salta à vista é que o mercado dos
depósitos bancários (incluindo os Certificados de Depósito, mas
não o da restante dívida emitida pelos Bancos) tem uma organização
típica de oligopsónio: poucos a “comprar”, com um (a CGD) a
fixar as condições de compra e todos os restantes a seguirem-no,
sem lhe disputar a liderança. Há mais mercados assim.
Cabe, então,
perguntar se faz sentido sonhar com o dia em que a concorrência
prevaleça neste mercado?
Não penso que faça,
pelas seguintes razões: (i) os Bancos de cá têm preferido captar
depósitos por grosso, junto de Bancos estrangeiros - dando pouca
importância à sua base de depósitos “doméstica”; (ii) a
tributação directa torna a remuneração líquida insignificante
(e a remuneração real, negativa) - salvo quando estão em jogo
montantes elevados por prazos longos; (iii) o Tesouro, que poderia
introduzir mais concorrência na captação de fundos, tem
privilegiado o endividamento externo - talvez, quem sabe? para não
fragilizar os Bancos de cá; (iv) financeiramente, somos pouco
sofisticados – e, até ver, entre nós, a inovação financeira
rende mal; (v) last, but not the least, os Bancos de cá
ignoram o que seja a intermediação monetária – e como ela pode
multiplicar os resultados (com mais risco acumulado, é certo).
Então, está tudo
bem, por cá, em matéria de concorrência Não está. Desde logo
não está bem pensar que a concorrência nas actividades bancárias
em nada se distingue da concorrência num qualquer mercado de bens e
serviços. Distingue-se - e é essa, aliás, a razão de sujeitar os
Bancos a regulação e supervisão.
E
não há nada a apontar? Nem tanto. Dois exemplos, apenas, um de
cartel de facto, outro de abuso de posição dominante:
Bancos
há que impõem swaps de taxas de juro e outras operações
financeiras complexas a PME que, apenas, pretendem algum dinheiro
emprestado - e que nada percebem, nem têm de perceber, de tais
complicações. Vezes sem conta, quem só necessita de 1,000 é
levado a endividar-se em 2,000, ficando o excesso a caucionar esses
tais swaps. Mais operações, mais comissões – e comissões
chorudas, porque são operações que exigem a intervenção de
especialistas.
Para
estimular a poupança, um Governo, há anos já, resolveu instituir
os PPR atribuindo-lhes benefícios fiscais interessantes (que,
entretanto, foi retirando aos poucos). Sendo instrumentos
financeiros, cada PPR teria de estar domiciliado forçosamente junto
de uma Instituição Financeira por cá estabelecida. Mas
esqueceu-se o Governo, na sua generosidade, de contratualizar com as
Instituições Financeiras interessadas as condições (comissões e
encargos) que elas poderiam praticar. Todas estavam admitidas e
nenhuma restrição havia às condições que praticassem.
Resultado: boa parte do benefício fiscal tem ido parar às mãos
das Instituições Financeiras – que nem tiveram de se conluiar,
tão óbvia era a oportunidade que o Governo lhes proporcionava.
a. palhinha machado
08
de Março de 2013
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