Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


25-03-2013

Correr atrás do vento - A Palhinha Machado


Caturrices XxxIII (Portugal)

Correr atrás do vento

A.Palhinha Machado

  • E, de repente, assim, sem mais, não é que a PGR resolveu investigar os Bancos de cá, suspeitos (vá-se lá saber porquê) de práticas restritivas da concorrência (leia-se: cartelização, conluio) prejudiciais aos seus clientes?

  • Torço para que os Ilustres Procuradores tenham umas luzes de Finança que os orientem nas duras tarefas a que lançaram mãos: (i) provar a existência de um cartel; (ii) provar o prejuízo dos clientes.

  • Ah! Os spreads! Ah! As comissões! E, já agora, se não for pedir muito, os encargos avulsos que os Bancos debitam com grande à vontade.

  • Comecemos pelos spreads. Em teoria, os spreads justificam-se para cobrir perdas prováveis. Se a PGR passar os olhos pelas recomendações do Comité de Basileia (a autoridade mundial, nesta matéria), e convém que o faça, aperceber-se-á das duas “Regras de Ouro” que estão na base de qualquer sistema bancário financeiramente sólido e estável q.b.:

  • 1ª Regra – O spread de um empréstimo bancário deve ser suficiente para absorver, pelo menos, a perda média (ou perda esperada) em empréstimos desse tipo (tal como os prémios cobrados pelas Seguradoras num ano devem ser superiores às indemnizações que elas esperam ter de pagar, nesse ano) - é o que se designa por cobertura horizontal do risco de crédito;

  • 2ª Regra – Os Capitais Próprios de um Banco devem ser suficientes para absorver, quer as perdas não esperadas (aquelas superiores à média), quer as insuficiências na cobertura horizontal do risco de crédito a que ele se encontrar exposto.

  • Temos assim que, em tese, para cada devedor, seu spread. Ainda que os Bancos Comerciais bem orientados: (i) façam a gestão do risco de crédito por “grandes números” (isto é, estatisticamente), agrupando os devedores em classes de risco - e fixando spreads por classes de risco; (ii) saibam perfeitamente que a propensão para não pagar depende não só do devedor, mas também da natureza da dívida (em geral, a primeira dívida a ser deixada para trás é a do cartão de pagamento, e só em desespero de causa se falha na prestação do empréstimo da casa).

  • A esta luz, estranho será que todos os Bancos estejam a levar os mesmos spreads, seja qual for o devedor. E quando assim é, cabe perguntar: Cartelização? Excessiva preocupação com quota de mercado? Deficiente gestão do risco de crédito? Ou necessidade imperiosa de contabilizar receitas que dêm para pagar estruturas muito empoladas?

  • Mas quem tem de responder a estas perguntas, que apontam inequivocamente para a estabilidade do sistema bancário é o BdP, não a PGR. Tanto mais que a “bolha de dívida” que nos atirou para o atoleiro em que hoje estamos se deveu ao facto de o BdP nunca ter tido a curiosidade de investigar como é que os Bancos de cá estavam a respeitar aquelas duas Regras de Ouro.

  • Se tivermos em conta que, entre nós, boa parte da actividade bancária é “de retalho” (aquela em que o risco de crédito é gerido com ferramentas estatísticas), e que mesmo em economias financeiramente mais evoluidas a perda média na Banca de Retalho ronda os 4%-6%, como não concluir que o conluio, se provado, beneficiou afinal boa parte dos devedores, nestes últimos 15 anos, pelo menos?

  • Verdade seja dita que a 1ª Regra de Ouro não refere spread, mas taxa de retorno – ou seja, quanto o Banco credor vai receber por cada € 1 que colocar efectivamente à disposição do devedor. E é aqui que entram as comissões.

  • É que há comissões e comissões. Há comissões por serviços prestados (atenção! ter a porta aberta para emprestar dinheiro não é propriamente prestar um serviço, mas estabelecer um comércio). E há comissões financeiras puras, que servem unicamente para aumentar a taxa de retorno dos empréstimos (agravando, simetricamente, o custo do dinheiro que os devedores pedem emprestado).

  • Os preçários dos Bancos distinguem, com meridiana clareza, as comissões que correspondem a serviços prestados (descrevendo-os com igual clareza) daquelas puramente financeiras? Raramente. Então, a PGR, além de ter de averiguar, Banco a Banco, classes de risco, métodos de avaliação e de gestão de risco e custos médios do funding, vai ter ainda de lidar também com a falta de clareza dos preçários. Mas tudo isto não compete ao BdP, enquanto Autoridade de Regulação e Supervisão?

  • Surpreenda-se, Leitor: Sim e não. Na realidade, não ocorreu ao nosso preclaro legislador investir o BdP como Autoridade de Concorrência no sistema bancário. E está à vista o imbroglio que esse esquecimento veio provocar.

  • Não é realista supor que os clientes, principalmente os clientes “de retalho”, de cada vez que têm de fazer uma operação bancária, percorram todos os Bancos (rua a rua, ou através da net) para se informarem das comissões (e dos encargos) que cada um pratica – a fim de escolherem o que mais lhes convenha.

  • E é até muito simples instalar um clima de sã concorrência em matéria de comissões (e de encargos). Basta que o BdP: (i) recolha sistematicamente todos esses preçários; (ii) os arrume, comissão a comissão, em 4 classes, dos mais baratos aos mais caros; (iii) obrigue (como Autoridade de Concorrência) os Bancos a inscreverem nos seus respectivos preçários em que classe cai cada uma das comissões (e dos encargos) indicadas. E os clientes, consultado o preçário, sabem logo se bateram à porta certa, ou à porta errada.

  • Como se vê, os Bancos, para construirem uma taxa de retorno, tem dois graus de liberdade – a saber: (i) o spread; (ii) as comissões financeiras. Por isso, só ao nível das taxas de retorno (isto é, do custo do capital para os devedores) será possível comprovar seguramente a existência de cartel.

  • Tudo fia mais fino nos depósitos bancários. Haverá concorrência no modo como os Bancos captam depósitos? O que salta à vista é que o mercado dos depósitos bancários (incluindo os Certificados de Depósito, mas não o da restante dívida emitida pelos Bancos) tem uma organização típica de oligopsónio: poucos a “comprar”, com um (a CGD) a fixar as condições de compra e todos os restantes a seguirem-no, sem lhe disputar a liderança. Há mais mercados assim.

  • Cabe, então, perguntar se faz sentido sonhar com o dia em que a concorrência prevaleça neste mercado?

  • Não penso que faça, pelas seguintes razões: (i) os Bancos de cá têm preferido captar depósitos por grosso, junto de Bancos estrangeiros - dando pouca importância à sua base de depósitos “doméstica”; (ii) a tributação directa torna a remuneração líquida insignificante (e a remuneração real, negativa) - salvo quando estão em jogo montantes elevados por prazos longos; (iii) o Tesouro, que poderia introduzir mais concorrência na captação de fundos, tem privilegiado o endividamento externo - talvez, quem sabe? para não fragilizar os Bancos de cá; (iv) financeiramente, somos pouco sofisticados – e, até ver, entre nós, a inovação financeira rende mal; (v) last, but not the least, os Bancos de cá ignoram o que seja a intermediação monetária – e como ela pode multiplicar os resultados (com mais risco acumulado, é certo).

  • Então, está tudo bem, por cá, em matéria de concorrência Não está. Desde logo não está bem pensar que a concorrência nas actividades bancárias em nada se distingue da concorrência num qualquer mercado de bens e serviços. Distingue-se - e é essa, aliás, a razão de sujeitar os Bancos a regulação e supervisão.

  • E não há nada a apontar? Nem tanto. Dois exemplos, apenas, um de cartel de facto, outro de abuso de posição dominante:

  • Bancos há que impõem swaps de taxas de juro e outras operações financeiras complexas a PME que, apenas, pretendem algum dinheiro emprestado - e que nada percebem, nem têm de perceber, de tais complicações. Vezes sem conta, quem só necessita de 1,000 é levado a endividar-se em 2,000, ficando o excesso a caucionar esses tais swaps. Mais operações, mais comissões – e comissões chorudas, porque são operações que exigem a intervenção de especialistas.

  • Para estimular a poupança, um Governo, há anos já, resolveu instituir os PPR atribuindo-lhes benefícios fiscais interessantes (que, entretanto, foi retirando aos poucos). Sendo instrumentos financeiros, cada PPR teria de estar domiciliado forçosamente junto de uma Instituição Financeira por cá estabelecida. Mas esqueceu-se o Governo, na sua generosidade, de contratualizar com as Instituições Financeiras interessadas as condições (comissões e encargos) que elas poderiam praticar. Todas estavam admitidas e nenhuma restrição havia às condições que praticassem. Resultado: boa parte do benefício fiscal tem ido parar às mãos das Instituições Financeiras – que nem tiveram de se conluiar, tão óbvia era a oportunidade que o Governo lhes proporcionava.

a. palhinha machado

08 de Março de 2013