Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


03-08-2015

As Genealogias do Capitão Barros Basto, o «Guia dos Maranos»


Paulo Valadares 

Sociedade Genealógica Judaica do Brasil 

O capitão amarantino Artur Carlos de Barros Basto (1887- -1961) é uma figura singular na História do Judaísmo. Na década de vinte passada ele iniciou um processo de reincersão dos últimos descendentes de cristãos-novos portugueses que desejavam integrar-se ao judaísmo rabínico. Para isto ele edificou a Sinagoga Kadoorie Mekor Haim na cidade do Porto, publicou a revista HaLapid de proselitismo e divulgação histórica e criou também sociedades para a auto-suficiência desta comunidade nascente. A este conjunto de ações ele deu o nome de «Obra do Resgate», autonomeando-se o «Guia dos Maranos» (Barros Basto preferia esta grafia). Ele deixou também um opúsculo Linhagem de Arthur Ben-Rosh sobre a sua pretensa genealogia. 

Genealogista e judeu desta origem interessei-me por este trabalho peculiar dentro da genealogia portuguesa e depois de procurar inutilmente este livrinho, recebi uma cópia doada por Elias Lipiner (1916-1998), historiador brasileiro. Desejando escrever sobre o tema recebi também a ajuda do genealogista português Manoel António Gomes Alves, de Póvoa do Varzim, ao localizar no Arquivo Distrital do Porto, assentos de batismo e de casamentos de ancestrais próximos ao Capitão Barros Basto. 

Agradeço aos dois pesquisadores o auxílio prestado, que sem ele, não seria possível escrever este trabalho, cujo objetivo é esclarecer esta página do cristãonovismo contemporâneo.

 

A  Cristãos-novos e judeus na carreira militar 

 

A carreira militar é um instrumento que pode ser usado para ascensão e afirmação social. O Colégio Militar de Lisboa foi criado no final do século XVIII. O primeiro aluno desta instituição é de 1794. Porém é somente em 1806, na décima primeira turma que encontrei o primeiro descendente de cristão-novo inteiro a fazer parte desta escola de formação da elite militar (LOUREIRO: 161). Ele é Fernando da Fonseca Mesquita e Sola (1795-1857), que teria um futuro brilhante na carreira. O seu curriculum no final da carreira registrava posições importantes: Conselheiro e Par do Reino, Ministro e Secretário de Estado Honorário e da Guerra, Brigadeiro, Governador Geral de Angola, Comandante Geral da Guarda Municipal de Lisboa, Deputado, Barão e Visconde de Francos.A trajetória do Visconde de Francos é exemplar, como demonstração desta ascensão social. A sua bisavó Leonor Thereza Chacón foi queimada por judaizante num auto-de-fé em 1724 e ele chegou a dirigir a formidável máquina de guerra portuguesa (VALADARES: 11). Estudando as listas destes alunos encontrei também uma quantidade expressiva de filhos de estrangeiros nascidos em Portugal, porém a etnia cristã-nova não acompanhou esta abertura na elite militar, pois somente em 1827, na trigésima turma (LOUREIRO, 189), que encontrei outro descendente de cristão-novo inteiro, trata-se de Francisco de Assis Ledesma e Castro, descendentes de importantes famílias cristãs-novas de Bragança. Já no século XX relacionei vários deles, ao examinar outros documentos militares, todos originários do «marrano country» (nome dado pelo historiador inglês Lucien Wolff a região que vai de Vinhais a Castelo Branco, onde se concentraram núcleos de cristãos-novos e seus descendentes). São eles: Capitão Artur Elias da Costa (1894-1956), membro de uma grande parentela covilhanense estudada atualmente pela genealogista Maria Eloy David – Maria Céu da Silva David Estrela Vaz Cabaços; Capitão António Alberto Furtado Montanha (1887),irmão do presidente da Comunidade Israelita de Bragança; Jaime Augusto dos Santos Borges (1886-1960), de família aparentada ao escritor argentino Jorge Luís Borges; Capitão Mario Álvaro Leão Lopes dos Santos Saldanha (1886-1918), de cristãos-novos brigantinos e morto em campo de batalha francês; Tenente-coronel Luís António (Levy Yomtob) de Sá Macias Teixeira (1904-1970), pertencente à Comunidade Israelita de Bragança; Major Luís de Sousa (1892), de uma família cristã-nova de Pedrógão; Capitão Joaquim Augusto Nunes (1896-1948), que pertenceu a Obra do Resgate e o Alferes António Joaquim Granjo (1881-1921), combatente na França e assassinado quando exercia um alto cargo político. Mesmo com a entrada desta gente segregada, o Exército continuou uma corporação aristocrática, baseada nas velhas linhagens de soldados com os valores do ancién regime. Ser apontado como descendente de cristão-novo (judeu) ainda era uma vergonha e um prejuízo social. Quando o escritor Mário Saa (Mário Paes da Cunha e Sá, 1894-1971) publicou o seu «tição» (uma genealogia «ad odium»): A invasão dos Judeus (1925), nomeando descendentes de cristãos- -novos contemporâneos para inabilitá-los e excluí-los da vida pú- blica, a reação de alguns foi imediata, pois ter esta origem era considerado ainda uma acusação (sic). É o caso do matemático António Tomáz da Guarda Cabreira de Faria e Alvelos Drago da Ponte (1868-1953), de uma ilustre família de militares, citado no livro de Mario Saa. Melindrado com a sua inclusão ou com esta «calúnia étnica», como ele define a sua causa. António Cabreira escreveu a sua «defesa» (sic), espécie de justificativa de «puritate sanguinis» moderna, usando uma abordagem científica para escapar da qualificação de cristão-novo, acionando professores universitários que corroboraram a sua versão. É o opúsculo A voz do sangue. Correção do livro A Invasão dos Judeus (1935). Claro que ele não se considerava racista, apenas sentiu uma «revolta instintiva» quando soube desta «notícia estúpida». Mesmo porque o autor tinha em «vários judeus e cristãos-novos amigos dedicados e até camaradas ilustres».

 

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