Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


21-07-2015

Algarvios descendem de árabes, judeus e escravos


Nuno Campos Inácio descende ele próprio de três ramos de escravos, de vários ramos de judeus, de filhos de pais incógnitos e tem “a mesma consideração por todos”

A criação da árvore genealógica do Algarve é um projeto único a nível mundial. Vai permitir conhecer os nossos antepassados

“Toda a gente descende de todo o tipo de gente, como filhos de pais incógnitos, escravos, padres, judeus, árabes, criminosos e gente ilustre. Como reagem depende do que esperam”, afirma Nuno Campos Inácio. O investigador algarvio, que lidera o projeto de criação da árvore genealógica da região, explica esta semana ao JA porque é tão importante conhecer as nossas origens. O seu trabalho é investigar as famílias e as vidas das pessoas que nasceram, casaram, viveram ou faleceram no Algarve. E o resultado pode ser surpreendente: podem encontrar-se antepassados heroicos mas também algumas ligações menos aconselháveis e filhos ilegítimos

Nuno Campos Inácio descende ele próprio de três ramos de escravos, de vários ramos de judeus, de filhos de pais incógnitos e tem “a mesma consideração por todos”

Nuno Campos Inácio descende ele próprio de três ramos de escravos, de vários ramos de judeus, de filhos de pais incógnitos e tem “a mesma consideração por todos”

 

Foi há cerca de 10 anos que Nuno Campos Inácio começou a dedicar-se ao estudo da genealogia do Algarve, de uma forma amadora, “apenas para conhecer as minhas origens”. “A minha ideia era um dia poder mostrar à minha filha as suas origens genéticas”, conta ao JA o investigador algarvio que, em 2007, decidiu alargar o estudo a toda a região algarvia. (Os resultados das suas pesquisas pessoais são surpreendentes e já as revelamos…!)

O projeto de criação da árvore genealógica do Algarve contou desde logo com o apoio dos municípios de Portimão e Albufeira, tendo sido tornado público em 2009. Depois, juntaram-se os municípios de Lagoa e Monchique, sendo que, atualmente, Nuno Campos Inácio já tem outros municípios algarvios em lista de espera, já que este é um trabalho muito meticuloso e demorado.

“O levantamento da informação de uma freguesia demora mais de um ano. Mas acredito que não sejam necessários 71 anos (um por cada freguesia) para concluir o trabalho”, brinca o investigador e escritor algarvio. Mais a sério, diz que, ao ritmo atual, “dentro de 20 anos poderemos deixar de falar num projeto de genealogia regional e passar a falar de um levantamento genealógico regional”.

Um projeto único a nível mundial

Este projeto de genealogia, iniciado há cerca de seis anos, pretende relacionar todas as pessoas que nasceram, casaram ou faleceram na região.

Atualmente, o estudo já conta “com perto de 190 mil indivíduos registados”, todos genealogicamente relacionados com o Algarve.

“Cada um deles tem o nome, o apelido, a data de nascimento, a localidade e freguesia de nascimento, a data de casamento, a identificação do cônjuge, filiação, data do óbito, profissão, título ou estatuto social, descendência, informação sobre os padrinhos, testamento, notas biográficas e fotografias”, explica Nuno Campos Inácio.

Para encontrar esta informação, o investigador consulta vários documentos, todos eles com mais de um século, como “chancelarias régias, processos de habilitação, processos de inquisição, livros de matrículas e, principalmente, registos paroquiais”.

“São mais de dois milhões de dados registados, sendo um projeto único a nível mundial. No final, permitirá criar uma árvore genealógica global da região algarvia, que será de livre acesso à população em geral, em qualquer parte do mundo, através do site www.genealogiadoalgarve.com”, realça.

Descobrir os nossos antepassados

O modo como se processa a investigação pode parecer difícil e complexo, mas até é “muito simples”, salienta Nuno Campos Inácio. “Começo no livro de registos de casamentos mais antigo de cada freguesia e passo toda a informação relevante para o portal de genealogia, até chegar ao casamento mais recente. Esta rede de matrimónios permite criar o primeiro esboço da árvore global, que vai posteriormente sendo concluída com a inclusão dos batismos, também dos mais antigos até à atualidade. Isto obriga-me a consultar todos os documentos, um a um”, refere.

Mas investigar as famílias e as vidas das pessoas pode ter que se lhe diga, isto é, podem encontrar-se antepassados heroicos mas também algumas ligações menos aconselháveis e filhos ilegítimos.

“Todas as genealogias têm de tudo um pouco. As pessoas não têm bem a noção do que estamos a falar até terem a possibilidade de ver”, afirma o investigador, frisando que, quando se recuam 20 gerações (nascidos entre 1550 e 1575) – ou mais -, os resultados são imprevisíveis.

“Só na freguesia de Alferce (Monchique), por exemplo, uma criança nascida em 2015, resulta da combinação genética de 524.288 indivíduos nascidos na segunda metade do século XVI. Falamos em um quarto da população portuguesa. Daqui percebemos que ninguém tem ascendentes de uma só freguesia, nem de um só município, nem de uma única região; percebemos que toda a gente descende várias vezes dos mesmos casais, através de casamentos entre primos; que toda a gente descende de todo o tipo de gente de uma localidade, como filhos de pais incógnitos, escravos, padres, judeus, árabes, criminosos e gente ilustre”, acentua.

O que dizem os teus genes?

O modo como as pessoas reagem aos resultados da sua árvore genealógica “depende do que esperam”. “Se um indivíduo pretende demonstrar que descende só de famílias nobres tenderá a desvalorizar a ocorrência ou dizer que a genealogia está errada. Se apenas pretende conhecer as suas origens, normalmente reagem com graça”, revela Nuno Campos Inácio, que descende de três ramos de escravos, de vários ramos de judeus, de filhos de pais incógnitos e tem “a mesma consideração por todos”.

O investigador acentua que “a ciência tem-nos mostrado, através do ADN, que nós transportamos os genes dos nossos antepassados de há milhares de anos”. Nesse sentido, diz que hoje “somos mais do que nós próprios, somos a continuação de quem nos foi gerando, geração a geração, como os nossos descendentes serão a nossa continuação”.

“A genealogia atribui um nome, conta uma história, enriquece o conhecimento sobre cada um dos nossos genes. Só sabendo de onde vimos é possível perceber para onde vamos”, sublinha, acrescentando que a genealogia pode ainda ajudar “a perceber qual a origem de determinadas doenças genéticas, já que permite conhecer parentes próximos que poderão ser dadores, por exemplo, de medula”.

Para além do natural interesse dos algarvios, Nuno Campos Inácio adianta que também se assiste a uma procura das suas origens por parte de descendentes portugueses espalhados pelo mundo, que pretendem “adquirir a nacionalidade portuguesa”.

Linhagens algarvias mais antigas remontam a D. Afonso III

O investigador algarvio, cujo último trabalho realizado foi o levantamento histórico e genealógico de freguesia de Alferce (Monchique), que será apresentado no próximo dia 19 de julho, conta ao JA que as linhagens algarvias mais antigas com ligações até à atualidade são as que resultam da descendência do relacionamento de D. Afonso III com Madragana ben Aloandro, filha de Aloandro ben Bekar, Alcaide de Faro no período da conquista definitiva do Algarve. “Desse casal descendem vários algarvios e portugueses ilustres, como as família Távora, Sárrea Garfias, Pereira Coutinho, Sanches Baena, a título de exemplo”, revela.

 

Nuno Couto/JA

http://www.jornaldoalgarve.pt/algarvios-descendem-de-arabes-judeus-e-escravos/