22-07-2004História: Os Dois Maximilianos Manoel C. AlmeidaHistória do Brasil OS DOIS MAXIMILIANOS por Manoel Carlos A. de Almeida* A Universidade do Mar e da Mata -MARAMATA vem comemorando, no mês de janeiro, a partir de 1998, a passagem pela então Vila de São Jorge dos Ilhéus, em janeiro de 1860, do arquiduque Maximiliano d'Áustria (Ferdinand Maximilian Joseph -1832/1867), irmão mais novo de Francisco José I, Imperador da Áustria-Hungria e rei da Boêmia, que visitou o Brasil no mesmo ano a bordo do paquete Elisabeth. O arquiduque austríaco deixou anotada a sua passagem por terras da vila de Ilhéus em um livro intitulado "Mato Virgem", obra manuscrita e até hoje sem tradução para o português, da qual existe um raríssimo exemplar pertencente à biblioteca Frederico Edelweiss, do Centro de Estudos Baianos da UFBa. O navio que o transportava fundeou em Ilhéus, fora da barra, no dia 15 do aludido mês. Conduzido para terra no dia seguinte, o visitante embarcou de imediato numa canoa com destino à "Fazenda Vitória", nas proximidades do Banco da Vitória, então de propriedade e morada do cidadão suíço Barão Ferdinand von Steiger-Münssingen, tenente da guarda suíça do Rei da Prússia, sem que nenhuma autoridade local o recepcionasse, por desconhecimento da visita. Esse desconhecimento deveu-se ao fato de que o brigue Eolo, da armada imperial brasileira, que teria a incumbência de avisar ao juiz de direito da comarca a visita do arquiduque, somente aportou em Ilhéus três dias depois da chegada do Elisabeth. A recomendação do presidente da província da Bahia, conselheiro Herculano Ferreira Pena, era no sentido de ser dado o melhor acolhimento "à sua alteza imperial e real, o arquiduque Maximiliano d' Áustria, sua comitiva e aos oficiais do vapor" e facilitar os meios para as caçadas, passeios, colheita de material botânico e excursões dos visitantes estrangeiros. Durante sete dias, de 16 a 23 de janeiro, o arquiduque permaneceu instalado na fazenda, aproveitando o tempo com estudos da flora e da fauna existentes na área e promovendo caçadas na companhia do alemão Henrique Berbert, fazendeiro e grande conhecedor das matas da região. No dia 23, pelas 13 horas, retornou à sede da vila e duas horas mais tarde reembarcou no Elizabeth e prosseguiu viagem com destino ao Rio de Janeiro. Antes de reembarcar, o arquiduque foi recepcionado na residência do tenente-coronel Egydio Luiz de Sá Bittencourt, sogro de Fernando Steiger, onde descansou e, posteriormente, recebeu a visita do juiz de direito da comarca, Dr. Antonio Joaquim Monteiro Sampaio, que lhe deu ciência das recomendações que recebera do Presidente da Província, e apresentou-lhe as suas saudações pessoais. Dessa visita do arquiduque Maximiliano d' Áustria ficaram para a história dois onomásticos: Henrique Berbert, seu companheiro de caçadas e excursões pela floresta no entorno da Fazenda Vitória, foi alcunhado, .pelo arquiduque, de "Rei da Floresta", e em troca, Berbert batizou de "Rancho do Príncipe" a pequena cabana construída na mata para descanso e pernoite dos caçadores e seus acompanhantes. Companheiro de "Rei", claro, só poderia ser "Príncipe", daí a homenagem de Berbert ao seu ilustre colega caçador. A "Fazenda Vitória" desde 1926 pertence à família Kaufmann e foi nela que se fabricou, nas décadas de 30 e 40, a famosa aguardente "Cana de Ilhéus", tão famosa que chegou a ser exportada para o exterior e referida em um dos livros do escritor Jorge Amado. Muitos anos antes, porém, da visita de Maximiliano d'Austria, arquiduque que chegou a almirante de 1ª classe na Marinha austríaca e governador geral do Reino Lombardo-Veneziano, e instalou um breve império no México, sendo derrotado e fuzilado pelas forças republicanas de Benito Juarez em 1867, tivemos em Ilhéus a visita de um outro ilustre Maximiliano, este o príncipe de Wied-Neuwied, 8º na linha sucessória de um pequeno soberano que tinha o seu principado em Neuwied, no Reno. Durante a sua viagem pelo Brasil, usando o pseudônimo de Max von Braunsberg, para se passar incógnito, o príncipe alemão fez várias anotações que, posteriormente, foram transpostas para o livro "Viagem ao Brasil", editado no Brasil pela Editora Itatiaia, de Belo Horizonte, em 1989, (3ª edição) contendo reproduções das gravuras que hoje fazem parte dos acervos de colecionadores e museus da Alemanha. Nessa viagem, Maximiliano de Wied-Neuwied "percorreu (por terra) o litoral, desde o Rio de Janeiro até Salvador da Baía, levando a efeito uma das primeiras expedições científicas na época do ressurgimento do interesse por este país tropical" (Ernest Pijnin - in O ambiente científico da época e a viagem ao Brasil do príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied). . A revista "Oceanos", editada em Lisboa, uma das publicações da Comissão Nacional para as Comemorações das Descobertas Portuguesas, dedica o seu nº 24 à visita desse naturalista, antropólogo e pintor ao Brasil, titulando-a "O Teatro da Natureza - Maximiliano no Brasil". Além de diversos artigos de especialistas na matéria, a revista reproduz desenhos a bico-de-pena e aquarela das imagens colhidas ao longo da viagem, inclusive de Ilhéus, captando esses desenhos lugares exóticos, figuras de índios de diversas etnias, suas armas, ornamentos e utensílios. Vale ressaltar que muitos dos desenhos em aquarela foram de autoria do próprio Maximiliano e alguns deles foram posteriormente reproduzidos a bico-de-pena por gravadores europeus. O artigo que aborda de modo mais específico a questão, intitula-se "O Brasil de Maximiliano de Wied-Neuwied", assinado pela historiadora Ângela Domingues. Desse artigo de Ângela Domingues pinçamos algumas informações que dão bem a medida da importância da visita desse príncipe alemão ao Brasil, numa época (fins do Séc. XVIII e começo do Séc. XIX) em que os europeus, especialmente os seus cientistas, buscavam avidamente notícias sobre o Brasil, suas riquezas minerais, sua gente exótica (índios), suas florestas descomunais. Para se ter uma idéia de quanto os europeus desejavam conhecer o território brasileiro, basta que se diga que fomos visitados, naquele período, por cientistas ingleses, franceses, alemães, austríacos, suecos, russos, todos curiosos e ansiosos em conhecer uma região até então considerada inacessível. Sob o título "Andanças e aventuras de Maximiliano de Wied no Brasil: a viagem", ela escreve: "A idéia da viagem de Maximiliano ao Brasil esboçou-se enquanto projeto a partir de 1804, após um encontro entre o príncipe e Humboldt. No entanto, razões quer de ordem política, quer pessoal, relacionadas com o bloqueio continental napoleônico e com a incorporação do Wied no serviço militar, justificaram o adiamento da sua realização para o ano de 1815". "Atribuída à paz reinante entre as nações que permitiu a livre realização de viagens a locais de estudo até então vedados e à ação esclarecida de um príncipe de intenções liberais, D. João, que protegia os viajantes e os encorajava nas suas pesquisas, a viagem científica de Maximiliano de Wied classifica-se na tipologia utilizada por Francisco de Solano como uma missão ou comissão. Ou seja, uma viagem efetuada sob a responsabilidade de um único cientista, o príncipe, contando com a colaboração do botânico Friedrich Sellow e do ornitólogo Georg Wilhelm Freyreiss, alguns criados, outros tantos carregadores, soldados e guias". "A missão, composta por Maximiliano, com a colaboração parcial de Sellow e Freyreiss, (que acompanharam o príncipe até Caravelas), dois criados alemães e 10 homens (soldados, carregadores e caçadores) por 16 muares e alguns cães de caça alemães, teve o seu início a 4 de agosto. Da bagagem constavam armas, munições e instrumentos destinados à atividade do naturalista, vestuário, alimentos e, ao longo da viagem acresciam os produtos naturais e etnológicos recolhidos. Tudo deveria ser acondicionado em caixotes de madeira, em sacos de couros e em barris, atados do dorso de mulas ou transportados às costas dos índios". "O apoio e concordância do governo português expressou-se localmente no acatamento das recomendações por quase todos os funcionários. Comandantes de distrito, capitães-mores, entidades camerárias aprestavam o fornecimento de provisões, lenha, água, alojamento, guias e alimentos. Em Ilhéus, por exemplo, "o juiz ordinário, senhor Amaral, muito se empenhou por me prestar auxílio, tornando sensível a falta de recursos de que sofria a vila, e teve a bondade de mandar vir da sua fazenda, situada na grande lagoa, farinha e outros víveres para o meu pessoal". Houve, não obstante, alturas em que a boa vontade do governo central não encontrou eco, como aconteceu em Lage, (pequeno lugarejo do interior baiano), onde Maximiliano, tomado por inglês, foi preso e remetido para a Bahia". Sob o título "Plantas, animais e índios: a atenção do naturalista" diz Ângela Domingues: "O que levava Maximiliano a aventurar-se em semelhante empresa? O que levava um príncipe renano a esquecer-se das agruras do clima brasileiro e a arriscar-se a perigos sem fim? A citação anterior elucida a questão: Maximiliano empreendeu uma viagem a terras inóspitas e desconhecidas para "conhecer o que houvesse de notável no povo e nas produções naturais" de uma região e de uma humanidade até então não conhecidas, ou, pelo menos, não descritas e, logo, não acessíveis ao conhecimento do público europeu. Mas dificilmente se poderia considerar Maximiliano como um simples curioso. Ao sair de território alemão, o príncipe era, como Ernest Fijning elucida claramente no seu artigo "O ambiente científico da época e a viagem ao Brasil do príncipe alemão Maximiliano de Wied-Neuwied", um indivíduo com profundos conhecimentos em história natural, discípulo de Johan Friedrich Blumenbach e de Alexandre Von Humboldt, correspondendo-se com uma elite científica que, mais que "alemã", era européia". "A vontade de Maximiliano em encontrar índios em "estado selvagem" foi um dos aspectos que influíram na escolha do itinerário. Um dos objetivos da viagem era, portanto, deparar e estudar indígenas que ainda não tivessem tido contato com luso-brasileiros, ou antes, que ainda estivessem no seu próprio estádio1 civilizacional, não tendo ainda sofrido influência européia no sentido de se tornarem "civilizados". E, assim, surgem descrições pormenorizadas dos hábitos e costumes das etnias puris, botocudos, pataxós, coroados, goiatacás e de referências a macunis, malalis, macachalis, camacãs e outras tantas, mais tarde utilizadas por antropólogos como Alfred Métraux como fontes primárias decorrentes das últimas observações diretas sobre etnias que, pouco tempo depois da viagem de Maximiliano, se haviam extinguido". . "Os artifícios de que Maximiliano se socorreu para transportar a imagem da terra brasílica para a Europa, foram, em última instância, os resultados materiais da viagem: a narrativa da viagem, os registros pictográficos, as produções naturais e etnológicas recolhidas e a aclimatação de sementes em solo germânico". "Estes testemunhos de diferentes tipos conferem, por um lado, autenticidade e veracidade à viagem e, por outro, concedem-lhe um estatuto científico. Ou seja, Maximiliano ao escrever sobre coisas que viu, ao mostrar aquilo que viu, tenta aproximar o europeu interessado de um mundo novo e inexplorado, considerado estranho e desmesurado. Descreveu-o e ao descrevê-lo, comprova-o. Torna-se uma testemunha ocular que tenta transmitir as suas impressões, as suas "percepções sensoriais" através de "imagens mentais", utilizando a linguagem, o desenho ou os objetos recolhidos". "Por exemplo: estabelece-se uma complementariedade notória, dir-se-ia mesmo uma dependência implícita, entre o texto e o desenho, uma vez que este tenta ilustrar e clarificar situações ou objetos e gentes descritos na narrativa. Assim, Maximiliano remete inúmeras vezes o leitor da "Viagem ao Brasil" para as gravuras que acompanham a obra - sobretudo para as estampas que na primeira edição constituem um volume separado - e menos para as vinhetas incorporadas no corpo do livro" Não poderia deixar de fora deste ensaio a introdução que faz Maria Beatriz Nizza da Silva, em seu artigo "A História Natural no Brasil antes das viagens do Príncipe Maximiliano", também publicado no nº 24 da revista Oceanos. Diz a ilustre historiadora: "O príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied descreveu também as dificuldades encontradas, entre 1815 e 1817, na sua viagem ao Brasil. Eram percursos longos, difíceis, no imenso território brasileiro, tanto mais que ele, como os outros naturalistas, procurava escolher as trilhas menos percorridas. Foram vários os obstáculos encontrados: falta de víveres para os membros da expedição; dificuldade em transportar as coleções de História Natural; chuvas de longa duração; falta de pastagem para as mulas que transportavam as cargas: ausência de mapas para as regiões a percorrer. Embora os objetivos dos naturalistas estrangeiros não fossem idênticos aos dos sábios portugueses, uns e outros tornaram o Brasil mais conhecido dos europeus. Aos sertanistas que, nos séculos anteriores, aprisionavam índios, aos demarcadores de fronteira mais preocupados com a cartografia e as observações astronômicas, aos comerciantes e aos padres, sucedeu um novo tipo de viajantes, cujo ritmo de viagem era determinado pelos desenhos que havia a fazer, pelas caçadas a animais que em seguida eram preparados para as coleções européias e pela observação das tribos indígenas por onde passavam. Tudo isto levava tempo, mas estes homens não se importavam de passar anos no meio do mato, longe da orla marítima civilizada, na certeza de que os museus e gabinetes europeus iriam revelar, graças aos seus esforços, uma Natureza ainda não conhecida"; A propósito das viagens de cientistas estrangeiros ao Brasil no período da Regência de D. João (D. João, Príncipe-Regente e rei de Portugal, Brasil e Algarves), o historiador Helio Vianna, em sua "História do Brasil" (pg. 222), diz o seguinte: "Com a vinda para o Rio de Janeiro da Corte Portuguesa, tornou-se o Brasil objeto de numerosas expedições científicas, empreendidas por naturalistas e viajantes que, para realizá-las, obtinham licença e favores de D. João. Assim, longa e utilmente, aqui permaneceu o mineralogista Barão von Eschwege, autor de Pluto Brasiliensis. Primeiro estrangeiro a visitar e escrever sobre regiões das minas de ouro e diamantes foi o inglês John Mawe. Tendo percorrido toda a zona próxima ao litoral que se estendia do Rio de Janeiro à Bahia, interessante "Viagem ao Brasil" escreveu o culto Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, botânico e zoólogo". A respeito, também, dos dois nobres europeus que honraram Ilhéus com as suas visitas, o historiador baiano, João da Silva Campos (in Crônica da Capitania de São Jorge dos Ilhéus) faz as seguintes referências nos capítulos XXIV e XXIX de sua monumental obra: "O conspícuo naturalista Maximiliano Alexandre Felipe de Wied-Neuwied visitou em 1815 a vila de Ilhéus e a fazenda Cachoeira (...) Tendo ido até Conquista, através das florestas, estudou na viagem os costumes dos índios camacans e outros das regiões que percorreu, fósseis, petroglifos e artefatos indígenas". "A visita do Arquiduque Maximiliano d'Áustria a Ilhéus, e especialmente sua curta estada na Fazenda (Vitória) de Steiger, onde fez boas caçadas, guardou-as ali a tradição popular por mui largos anos. Até hoje suas excursões venatórias são perpetuadas na toponímia regional por dois onomásticos: a Serra da Onça, onde ele abateu um felino, e, na dita serra, a Ladeira do Príncipe". . Este trabalho de pesquisa tem por finalidade recapturar elementos já inseridos na História de São Jorge dos Ilhéus que ainda não foram bem estudados e esclarecidos. A confusão que se faz entre Maximiliano d'Áustria (o Arquiduque) e Maximiliano de Wied-Neuwied (o Príncipe) vem perdurando através dos tempos, prova que ainda precisamos estudar muito mais a história da Capitania de Ilhéus, e sanar erros que, voluntária ou involuntariamente, são cometidos por diversos historiadores. 1 - período. . * Manoel Carlos A. de Almeida é autor do livro O Porto de Ilhéus- e etc., etc.,etc., membro- fundador e presidente do Instituto Histórico de Ilhéus |