24-06-2015A origem das tropas militares portuguesasUm dos maiores problemas que um genealogista encontra ao lidar com registros dos séculos passados, como os dos séculos XVIII e XIX, mas também até mesmo com alguns do início do século XX, é a profusão e generalidade dos títulos e postos militares que recebiam os nossos antepassados. Havia Capitão-Mor e havia Capitão-Mor, havia Coronel e havia Coronel, havia Mestre de Campo e havia Mestre de Campo, havia Tenente-Coronel e havia Tenente-Coronel, havia Sargento-Mor e havia Sargento-Mor, havia Capitão e havia Capitão, havia Tenente e havia Tenente, havia Alferes e havia Alferes, etc. , etc. e ficamos sem entender o significado desses títulos e postos. Seriam todos esses titulares oficiais do Exército? Mas será que havia um Exército? E o que eram as Tropas Pagas? E o que eram os Dragões? E o que eram os Auxiliares? E o que eram as Milícias? E o que eram as Ordenanças? E o que era a Guarda Nacional? E o que eram os Pedestres? E o que eram Caçadores? E o que eram ... ? Essas são perguntas para as quais temos pouca ou nenhuma resposta, porque a maioria das pessoas faz até mesmo questão absoluta de ignorar o significado desses títulos e postos, julgando que eles não tem importância, que esclarecem pouco ou nada sobre a pessoa titulada, opinião essa que se constituí em um redondo engano e atitude essa conformista e nada produtiva. Nossos cultissimos leitores vão encontrar aqui uma explicação para todos esses títulos dos nossos avós, bisavós, trisavós, etc., e, dependendo da época em que esses avós viveram, vão poder identificar, perfeitamente, a que tipo de organização militar pertenciam eles. Não é interessante? É claro que é, principalmente porque, sabendo a que organização militar pertenceu o seu avô, o genealogista poderá procurar os documentos militares existentes, em diversos arquivos, com maior precisão. Vale dizer, se o seu avô tinha um título militar, e você sabe a que organização militar ele pertencia, suas chances de encontrar os documentos dele aumentam de um fator muito alto. Caso contrário, se você não sabe o que significa o posto de seu avô, você não vai saber onde procurar e, se tentar encontrar alguma coisa a respeito, vai andar de Seca a Meca, vai quebrar a sua cabeça, e, sendo muito baixas ou nulas as suas chances de encontrar qualquer coisa, ficará com as mãos vazias, isso é, você vai fracassar ... A origem das tropas militares portuguesas remonta às guerras de libertação da Península Ibérica do jugo dos "infiéis" mouros. As raízes mais profundas todavia remontam à Cavalaria, na idade média. Não se pode dizer exatamente se as tropas de Cavalaria eram Exércitos ou Milícias, pois não havia uma nítida distinção. Para se conhecer a evolução que houve na formação das tropas portuguesas, deve-se recorrer à legislação fundamental que inclui: 1. "Regimento", de 07/ago/1549; 2. "Lei de Armas", de 09/dez/1569; 3. "Regimento de Ordenanças", de 10/dez/1570; e 4. "Provisão de Ordenanças", de 15/mai/1574. Além disso, mais a legislação pertinente a cada uma das organizações que serão descritas, parte da qual será citada no texto desse artigo. Em Portugal, até o início do século XVI não havia uma distinção clara entre Exércitos, Milícias ou Ordenanças, pois as tropas eram formadas "ad hoc" para a defesa e geralmente dissolvidas depois de passada a ameaça constituída pelo inimigo, sendo geralmente pagas, isso é, com percepção de "soldo". As principais características dos Exércitos são o profissionalismo e a permanência, o que implica haver um quadro de carreira e pagamento de salários, a "soldada" ou "soldo". Mas houve Ordenanças formadas de mercenários estrangeiros, ou seja, profissionais da guerra, portanto pagos com salários, com características de Milícias (e até mesmo alguma de Exército). Essas Ordenanças não tiveram muita duração todavia. Mais tarde as Ordenanças e Milícias vieram a perder seu caráter de tropa temporária, e passaram a ser permanentes, com quadro de carreira, todavia, sem remuneração, isso é, sem soldos, exceto quando mobilizadas e deslocadas para a ação efetiva. Havia uma conotação de "honorabilidade" nas Ordenanças e Milícias, que gratificava seus membros. Essa conotação "honorífica" vem confirmar a origem comum das Milícias (e Ordenanças) e das Ordens Militares e Honoríficas, nas tropas ou Ordens de Cavalaria medievais.
As primeiras tropas a serem explicitamente designadas pelo seu nome, em Portugal, foram as Ordenanças, criadas pelo Alvará Régio de 08/jan/1508, do rei Dom Manuel, que as denominou "Gente da Ordenança das Vinte Lanças da Guarda", sendo constituídas de mercenários estrangeiros, portanto, profissionais pagos. Não tinha ainda sua característica de permanência, embora possa ter durado muitos anos. QUADRO 2 - EQUIPAMENTOS DE FIDALGOS - LEI DE ARMAS - 1569
Para aqueles que não fossem fidalgos, cavaleiros, escudeiros e assemelhados, isso é, para as pessoas comuns, o equipamento que teriam que possuir era também proporcional à sua renda, como mostra o quadro 3.
UADRO 3 - EQUIPAMENTOS DE PESSOAS COMUNS - LEI DE ARMAS - 1569
NOTAS: [1] Arcabuz; [2] Espingarda; [3] Besta; [4] Lança; [5] Pique; [6] Espada; e [7] Capacete.
Em 10/dez/1570, o mesmo Dom Sebastião, publicou o "Regimento das Ordenanças", alterando os limites de idade da convocação dos homens válidos para dos 18 aos 60 anos. As Ordenanças se tornaram mais jovens. Em 15/mai/1574, o mesmo rei Dom Sebastião edita uma "Provisão de Ordenanças", com novas instruções.
Inicialmente, na colônia do Brasil, os postos de Capitão (de Companhia), Alferes, Sargento e Cabo eram providos por eleição, até que o Alvará Régio de 18/out/1709 acabou com esse processo, transferindo para o Governador e Capitão General (da Capitania), a escolha e nomeação tanto do Capitão-Mor e Sargento-Mor, como dos demais, para evitar as fraudes freqüentes, resultado da luta pelo poder entre as oligarquias locais. QUADRO 4 - HIERARQUIA DOS POSTOS DENTRO DE UMA COMPANHIA
Haviam ainda funções não militares, desempenhadas por civis, como as de Meirinho e Escrivão, mas que tinham uma equiparação com os Oficiais de nível inferior. Os Oficiais de uma Companhia de Ordenanças formavam o seu "Estado Maior" e se dividiam em dois grupos: Oficiais de Patente e Oficiais Inferiores.
QUADRO 5 - COMPOSIÇÃO DE UMA COMPANHIA DE ORDENANÇAS
Uma segunda forma de ver a composição de uma Companhia de Ordenanças, incluindo-se os Cabos de Esquadra entre os Oficiais Inferiores do Estado Maior da Companhia, está no quadro 6.
QUADRO 6 - COMPOSIÇÃO (2ª) DE UMA COMPANHIA DE ORDENANÇAS
O organograma completo de uma Companhia de Ordenança é mostrado na figura 2.
Posteriormente o número de Soldados de uma Companhia foi reduzido para 60 homens, o que geralmente correspondia a quatro (4) Esquadras de 15 Soldados. As Companhias de Ordenanças, onde isso fosse possível, eram reunidas em unidades maiores sob a denominação de "Terço de Ordenanças". Cada Terço de Ordenança era composto de quatro (4) Companhias, o equivalente a um efetivo de 1.000 Soldados. Esse efetivo era exatamente "um terço" (1/3) do efetivo da unidade superior, o "Regimento de Ordenanças", que tinha 3.000 Soldados.
A designação de Regimento e Terço se originou na organização das tropas da Alemanha, entre 1550 e 1650, em que foi adotada. Na Espanha, o Terço tinha 10 Companhias, ou seja, 2.500 Soldados. A estrutura do Terço espanhol, de 10 Companhias, é mostrado na figura 4. O Estado Maior do Terço de Ordenança, já no início do século XVIII se compunha de um (1) Capitão-Mor, comandante, de um (1) Sargento-Mor, ou Sargento-Mayor, e de um (1) Ajudante do Sargento Mor, além de Oficiais Inferiores. Essa composição é esboçada no quadro 7. QUADRO 7 - COMPOSIÇÃO DO TERÇO DE ORDENANÇAS
O posto de Capitão-Mor corresponde aproximadamente ao atual posto de "Coronel", enquanto o posto de Sargento-Mayor se transformou no atual posto de "Major". O posto de Ajudante corresponde aproximadamente, nas organizações militares de hoje, a "Capitão" (com a função de "Ajudante" de Companhia ou Batalhão). QUADRO 8 - PROCESSO DE PREENCHIMENTO DOS POSTOS DE ORDENANÇAS
NOTA: [*] - substituiu a nomeação por provisão real. Cada Capitão-Mor de Ordenanças tinha que lançar em um livro especial a relação de habitantes do seu Termo, constituindo-se em um verdadeiro "Recenseamento de Ordenanças", onde constavam os nomes dos cabeças de casal, respectivas esposas, filhos e descrição de bens. Esses documentos, infelizmente desaparecidos na sua maioria, são importantíssimas fontes para a História e a Genealogia.
FILHO, Jorge da Cunha Pereira, historiador e geneologista in Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX. In: Boletim do Projeto: Pesquisa Genealógica Sobre as Origens da Família Cunha Pereira. Ano 03, nº. 12, 01/mar/1998
adaptado de http://buratto.org/gens/gn_tropas.html |