04-06-2015COMPOSIÇÃO DO SENADO NO IMPÉRIO DO BRASIL: ELEIÇÕES, NOMEAÇÕES E NOBILITAÇÕES (1Marina Garcia de OliveiraA Constituição de 25 de março de 1824, outorgada por D. Pedro I, estabelecia um Poder Legislativo bicameral, ou seja, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Embora as duas casas fossem eleitas, a primeira delas tinha caráter temporário, e a outra, caráter vitalício. Além dessa diferença, o Senado era eleito em lista tríplice, a qual, por sua vez, era entregue ao imperador, a quem cabia a escolha do nome do futuro senador. Esse procedimento não ocorria para a eleição dos deputados, sobre a qual o imperador não possuía nenhum poder de interferência[2]. Após a outorga da constituição, era grande a expectativa em relação à convocação de eleições para as duas casas do Legislativo e à sua subsequente reunião; porém, apesar das eleições terem sido realizadas já em 1824, a reunião da Assembleia Geral só ocorreria em 1826. Esse intervalo de tempo entre a eleição e a reunião não se deveu ao acaso[3]. A primeira Câmara de Deputados do Império do Brasil foi formada por figuras políticas pouco afeitas ao imperador, o que significava, na prática, que D. Pedro I enfrentaria alguma oposição na casa temporária; valia a pena, portanto, dedicar mais atenção à nomeação dos senadores. A Assembleia Geral deveria ser composta por 102 deputados e 50 senadores, sendo que cada província tinha direito a um número de parlamentares proporcional ao número de seus habitantes. Como o Senado era vitalício, uma vez nomeado, novas cadeiras seriam abertas apenas à medida que antigos membros falecessem. Desse modo, na primeira eleição para a formação do Senado, coube a D. Pedro I, em uma experiência única do Legislativo Imperial, nomear os 50 senadores aos quais as 19 províncias teriam direito. Assim, a província de Minas Gerais tinha direito a 20 deputados e dez senadores; Pernambuco e Bahia a treze deputados e seis senadores cada; São Paulo a nove deputados e quatro senadores; Ceará e Rio de Janeiro a oito deputados e quatro senadores cada; Paraíba do Norte e Alagoas a cinco deputados e dois senadores cada; Maranhão a quatro deputados e dois senadores; Pará e Rio Grande do Sul a três deputados e um senador cada; Sergipe, Goiás e Cisplatina[4] a dois deputados e um senador cada; e Piauí, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Mato Grosso e Santa Catarina a um deputado e um senador cada[5]. Primeiramente, merece destaque o fato de que, apesar das eleições terem ocorrido em 1824, D. Pedro I nomeou os senadores apenas em janeiro de 1826, permitindo que o Legislativo se reunisse pela primeira vez em maio deste ano. Outra questão digna de destaque é a composição das listas tríplices[6], formadas por mais nomes do que o triplo do número de senadores a que cada província tinha direito, o que ampliava o leque de possibilidades de escolha a ser feita pelo imperador, especialmente porque não havia nada que o obrigasse a nomear os mais votados. Finalmente, outro elemento a ser considerado é que, já conhecendo os nomes dos deputados eleitos e também os nomes que compunham as listas tríplices, em outubro de 1825, D. Pedro I concedeu títulos de nobreza a diversos políticos, seus aliados - o que, mais tarde, se mostraria como parte de uma estratégia política mais ampla. A província da Bahia tinha direito a seis senadores, o que indicava que a lista tríplice deveria ser composta por 18 nomes. Porém, a lista entregue ao imperador tinha 22 nomes, dos quais foram escolhidos os dois primeiros colocados, o sétimo, o oitavo, o nono e o décimo segundo. Salta aos olhos a nomeação de candidatos em péssimas posições, como a décima segunda. E a província da Bahia não foi uma exceção. Pernambuco, que também tinha direito a seis senadores, formou uma lista tríplice com 19 nomes, dos quais foram nomeados os dois primeiros colocados, o nono, o décimo, o décimo sexto e o décimo sétimo. Outro exemplo, talvez mais discrepante ainda que os dois primeiros, foi a província do Rio de Janeiro. Apesar do Rio ter direito a quatro senadores, sua lista tríplice tinha 22 nomes, ou seja, dez nomes a mais do que o triplo do número de cadeiras no Senado. Se não bastasse ter 22 nomes, os escolhidos pelo imperador ocupavam a terceira, a sexta, a sétima e a décima sexta posições. Essas províncias não se mostraram exceções no panorama de eleições para o Senado, e revelaram que a nomeação para este era parte fundamental para a realização da política de D. Pedro I, uma vez que essa casa deveria ser composta por políticos da confiança do imperador, capazes de conter os possíveis radicalismos da Câmara dos Deputados. Assim, os senadores nomeados pela Bahia eram, em posição crescente na lista tríplice, Francisco Carneiro de Campos, José Joaquim Carneiro de Campos, Luiz José de Carvalho e Melo, José da Silva Lisboa, Domingos Borges de Barros e Clemente Ferreira França. Desses, apenas o primeiro colocado, Francisco Carneiro de Campos, não tinha sido agraciado com um título de nobreza em 1825. Os outros cinco foram agraciados, respectivamente, com os títulos de visconde de Caravelas com honras de grandeza, visconde de Cachoeira com honras de grandeza, barão de Cairu, barão de Pedra Branca e visconde de Nazaré com honras de grandeza[7]. A nomeação, em janeiro de 1826, de homens já nobilitados em 1825, não foi exclusividade da província da Bahia. Os senadores nomeados por Pernambuco eram José Carlos Mayrink da Silva, Antonio José Duarte de Araújo Gondin, José Inácio Borges, José Joaquim de Carvalho, Bento Barroso Pereira e Antonio Luis Pereira da Cunha. Este último foi agraciado, em 1825, com o título de Visconde de Inhambupe com honras de grandeza. Já os senadores nomeados pelo Rio de Janeiro eram Mariano José Pereira da Fonseca, Francisco Vilela Barbosa, José Egídio Álvares de Almeida e José Caetano Ferreira de Aguiar. Desses, os três primeiros foram nobilitados, em 1825, com os títulos de Visconde de Maricá com honras de grandeza, Visconde de Paranaguá com honras de grandeza e Visconde de Santo Amaro, respectivamente. A concessão de vínculos de nobreza em 1825 sugere um vínculo político anterior desses senadores com D. Pedro I. Para exemplificar, dos senadores nomeados pelas províncias citadas, sete foram membros do Conselho de Estado, nomeado por D. Pedro I e responsável pela redação da Constituição de 1824. Eram eles Antonio Luís Pereira da Cunha, Clemente Ferreira França, Francisco Vilela Barbosa, José Egídio Álvares de Almeida, José Joaquim Carneiro de Campos, Luís José de Carvalho e Melo e Mariano José Pereira da Fonseca[8]. Podemos, agora, discutir como esses acontecimentos se encaixavam na estratégia política de D. Pedro I. Assim, após a dissolução da Assembleia Constituinte de 1823, ele nomeou um Conselho de Estado, formado por dez políticos de sua preferência, para redigir um novo texto constitucional; em 1825, em recompensa pelos serviços prestados como conselheiros (e, no caso de alguns deles, até como ministros), tais políticos foram agraciados com títulos de nobreza; e em janeiro de 1826, os dez conselheiros foram nomeados senadores. Ao nomear esses conselheiros para o Senado, o imperador procurava assegurar apoio político da casa vitalícia. E, evidentemente, estes não eram os seus únicos aliados, neste Senado[9]. A cuidadosa nomeação de figuras em péssimas posições na lista tríplice já indica a preocupação do imperador em nomear aliados seus para representar diferentes províncias no Senado. Há que se destacar que era possível que uma mesma pessoa aparecesse em diferentes listas tríplices, podendo o imperador escolher qual província seria representada por aquele político. Essa possibilidade também favoreceu a montagem de um Senado favorável ao imperador, pois permitiu que grandes nomes da política imperial fossem nomeados por províncias distantes do Rio de Janeiro, e pouco expressivas politicamente. Exemplo disso é o caso de João Severiano Maciel da Costa, um dos redatores da Constituição de 1824, e que foi nomeado Visconde de Queluz, com honras de grandeza, em 1825. Ele apareceu nas listas tríplices de seis províncias, ocupando diferentes posições. No Pará, foi o segundo mais votado; no Piauí, o primeiro; na Paraíba do Norte, o quarto; em Minas Gerais, o terceiro; no Rio de Janeiro, quinto; e em Pernambuco, o décimo quarto. Apesar de ter nascido em Minas Gerais e tido boas posições em lista tríplice, João Severiano Maciel da Costa foi nomeado senador pela Paraíba do Norte (a lista desta província continha seis nomes, o que era correto, já que a Paraíba do Norte tinha direito a duas cadeiras senatoriais). Este caso nos mostra que, diante de um mesmo nome presente em várias listas provinciais, o imperador era livre para escolher quem mais lhe agradasse. Além disso, o fato de figurar em diversas listas tríplices não garantia a nomeação pelo imperador. Exemplo disso é Gervásio Pires Ferreira, integrante do movimento pernambucano de 1817 e presidente da junta governativa pernambucana que recebeu seu próprio nome em 1821. Gervásio apareceu em três listas tríplices: Ceará, Pernambuco e Alagoas. Embora tenha ocupado posições razoáveis nessas listas, sendo, respectivamente, o décimo, o oitavo e o quinto colocado, não foi nomeado por nenhuma dessas províncias - talvez como consequência de seu passado político, já que não era figura cara a D. Pedro I[10]. Assim, a questão que se coloca é que, para ser senador, não bastava aparecer em várias listas provinciais; era preciso ser aliado do imperador, o que ampliava as chances de nomeação para o Senado. Retomando o cenário político que viabilizou a escolha do primeiro Senado brasileiro, D. Pedro I nomeou aqueles que lhe eram favoráveis, que já haviam sido ministros e conselheiros de Estado e que já haviam recebido títulos de nobreza, o que demonstrava a existência de algum vínculo entre o titulado e o imperador. A cuidadosa escolha dos senadores garantiu a formação da casa vitalícia capaz de assegurar apoio ao imperador e conter projetos oriundos da Câmara dos Deputados que fossem contrários à política de D. Pedro I, objetivando alterações nas estruturas até então vigentes. Se não bastasse essa atitude de D. Pedro I para garantir apoio do Senado, após o encerramento, em setembro de 1826, dos trabalhos legislativos, o imperador utilizou outro artifício para manter o apoio dos senadores. Em 12 de outubro de 1826, data do aniversário de D. Pedro I, foi publicada a lista dos agraciados com títulos de nobreza. Das 61 concessões praticadas no ano de 1826, 54 foram feitas em 12 de outubro, ocasião em que foram nobilitados 20 senadores, dos quais 11 foram agraciados com um título de marquês acompanhado pelo assentamento (espécie de rendimento) pago pelo Conselho da Fazenda[11]; dois receberam apenas o título de marquês[12]; um recebeu título de conde[13] e outros seis receberam títulos de visconde, dos quais dois eram com honras de grandeza[14]. A farta distribuição de títulos de nobreza, após o encerramento do ano legislativo, demonstra uma ação efetiva da parte do imperador para assegurar o apoio dos senadores por ele nomeados, dentro da casa vitalícia do Legislativo. Evidentemente, o título de marquês - o segundo hierarquicamente mais elevado[15] - já era, por si só, uma demonstração do vínculo político do agraciado com o imperador, e também do prestígio desse homem nos altos círculos da política imperial. Contudo, se não bastasse a concessão do título de marquês, d. Pedro lhes ofertou, juntamente com o título, uma mercê pecuniária: o assentamento pago pelo Conselho da Fazenda. Com essa atitude, d. Pedro I esperava que o Senado se portasse como uma retaguarda dos seus interesses, evitando que projetos contrários a ele fossem aprovados, uma vez que a Constituição previa a aprovação das duas casas do Legislativo para que um projeto entrasse em vigência. Finalmente, é válido ponderar que a estratégia política formulada por D. Pedro I rendeu bons frutos já nos primeiros anos de funcionamento do Legislativo. Embora a Câmara dos Deputados tivesse proposto, em 1827, a extinção do Conselho da Fazenda, e, em 1828, a abolição dos bens vinculados e morgados, por exemplo, quando esses projetos foram recebidos pelo Senado, a discussão demorou para ser iniciada e foi feita com muita parcimônia, retardando, portanto, a aprovação e a rejeição das medidas propostas pelos deputados. Outra estratégia praticada pelos senadores foi a recusa em reunir-se com a Câmara dos Deputados. A Constituição de 1824 determinava que, quando houvesse divergências em relação aos projetos em discussão, as duas casas deveriam se reunir e votar conjuntamente[16]. Essa prática do Senado funcionou bem até a posse da segunda legislatura da Câmara dos Deputados, quando os questionamentos feitos ao imperador se intensificaram e o Senado não conseguiu mais protelar as discussões dos projetos enviados pelos deputados. Além da posse da nova legislatura, o Senado, em 1830, já havia recebido a entrada de novos membros, como Nicolau Vergueiro[17] e Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque[18], ambos deputados da primeira legislatura, o que, de certo modo, favoreceu a aproximação entre as duas casas, e a consequente discussão de projetos elaborados pela Câmara[19]. Assim, a estratégia política de D. Pedro I para assegurar apoio da casa vitalícia foi não só bem sucedida como também foi percebida pelos contemporâneos. De tal modo que, logo após a abdicação do imperador, em 1831, o Legislativo se propôs a discutir projetos de lei envolvendo os títulos de nobreza e as mercês pecuniárias e fundiárias. De tal modo que a lei de 14 de junho de 1831 determinava que os regentes não poderiam conceder títulos de nobreza (prática que seria retomada apenas com a maioridade de D. Pedro II); a lei de 4 de outubro de 1831 organizava o Tesouro Nacional e abolia o Conselho da Fazenda, órgão responsável pelo pagamento dos assentamentos, de tal modo que as mercês pecuniárias antes concedidas por esse órgão ficavam extintas; e a lei de 6 de outubro de 1835 abolia os bens vinculados e os morgados, extinguindo, portanto, os privilégios fundiários. Dessa forma, a eleição e nomeação do primeiro Senado do Império do Brasil permitiu a elaboração de 19 listas tríplices provinciais de uma única vez, seguida da nomeação, por D. Pedro I, dos 50 senadores. Tal experiência foi única, uma vez que o Senado só era renovado quando algum de seus membros falecia, o que gerava a eleição de uma nova lista tríplice, mas restrita àquela província representada pelo falecido senador. Assim, a possibilidade de formação de um Senado que fosse majoritariamente favorável ao monarca foi algo restrito ao primeiro imperador. E este, ao conceder títulos de nobreza e mercês pecuniárias a um número significativo de senadores, para assegurar o seu apoio, revelou uma leitura correta do cenário político do seu tempo[20]. Referências bibliográficas BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. A gente ínfima do povo e outras gentes na Confederação do Equador. In: DANTAS, Monica Duarte (Org.). Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011. ______. O Patriotismo Constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo: Hucitec, FAPESP; Recife: UFPE, 2006. IMPRENSA NACIONAL. Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Rio de Janeiro: 1886. ______. Notícia dos Senadores do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1886. JAVARI, Barão de. Organizações e programas ministeriais: regime parlamentar no império. Brasília: Departamento de Documentação e Divulgação, 1979. MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência. O federalismo pernambucano de 1817 a 1824. 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