Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


05-03-2015

Genealogia-Fontes Estudo genealógico dos judeus e cristãos-novos


Subsídios para o estudo genealógico dos judeus e cristãos-novos e a sua relação com as famílias portuguesas

Séculos XV e XVI

Fogueira de judeus e cristãos-novos relapsos em Lisboa, 1506 (panfleto alemão anónimo)

Muito se tem escrito sobre os judeus e cristãos-novos de Portugal, e a sua relação com as famílias portuguesas. Mas, infelizmente, nem sempre com o conhecimento de causa que se impunha.

Antes da conversão forçada, com D. Manuel I, são bem identificáveis os judeus portugueses, ou seja, melhor dito, os judeus que aqui nasceram e/ou viveram. Com efeito, tinham um estatuto jurídico e fiscal distinto dos portugueses e aparecem sempre, na documentação do reino, com a indicação de judeus ou da nação judaica.

Mas a sua liberdade religiosa era grande. Vários são os portugueses, alguns deles fidalgos, condenados por terem baptizado à força um judeu. É o caso, por exemplo, de Gonçalo Vaz de Castello-Branco, cavaleiro da Casa do infante D. Fernando, que é o futuro D. Gonçalo de Castello-Branco, pai do 1º conde de Vila Nova de Portimão, que a 30.11.1468 teve perdão de D. Afonso V por, juntamente com outros escudeiros e cavaleiros, obrigarem um judeu a tornar-se cristão contra sua vontade. Se bem que os judeus não estivessem autorizados a esconjurar Cristo e Nossa Senhora, pois alguns foram condenados por isso.

Sem querer aqui entrar no regime jurídico e fiscal em vigor no século XV para os judeus, convirá referir que existiam excepções, pois são várias as cartas de privilégio passadas pelo rei a judeus, escusando-os por exemplo de usar o sinal, de pernoitar nas judiarias, permitindo-lhes andar por todo o reino, nalguns casos montados e armados. Podiam mesmo ter a qualidade de vizinhos, como é o caso, por exemplo, Isaque Abravanell, judeu, mercador, morador na cidade de Lisboa, que a 7.10.1472 o rei recebeu por vizinho da dita cidade, com todos os privilégios, liberdades e franquezas, como têm os cristãos vizinhos e moradores da dita cidade.

O casamento entre judeus e cristãos estava proibido, bem como todas as relações carnais, havendo alguns casos de condenação por isso.

Na sua grande maioria, os judeus que se documentam nesta época eram mercadores, muitos com negócios com o estrangeiro. Logo a seguir estão os médicos (físicos e cirurgiões) e os ourives. Desempenhavam também ofícios variados, donde sobressaem os ferreiros e os alfaiates e gibeteiros. Aparecem também bastantes tecelões. Muitos eram rendeiros, alguns da criação do rei e seus servidores, tendo vários participado nas conquistas de Ceuta e Tânger, por exemplo. E, obviamente, muitos desempenhavam funções nas judiarias e respectivas câmaras, como vereadores, escrivães, ouvidores, etc. Mas é evidente que havia de tudo, embora globalmente se possa dizer que a comunidade judaica era mais rica do que o povo português e até do que muita nobreza. Sobretudo após o êxodo de Castela, que começou no final do séc. XIV, donde em geral vieram os mais ricos, já que era preciso pagar para cá entrar...

A própria comunidade judaica teria certamente a sua nobreza própria, e o estatuto social e económico de algumas famílias judias era muito alto. Nestes casos, os homens chegavam a ter o tratamento de Dom e as mulheres de Dona. E podiam instituir e possuir morgadios, como é o caso, por exemplo, de Gabriel Ben Crespo, morador na cidade de Lisboa, que a 24.9.1450 teve confirmação real da doação de um morgadio, com todos os privilégios, honras, graças, mercês, liberdades, usos e costumes, feita a 31.1.1436 por Abraao Romeiro e Lidiça, sua mulher, que o haviam recebido por morte de D. Mousen Navarro, rabi-mor, que morrera sem herdeiros. E já D. Pedro I tinha confirmado a Isac Navarro a administração do morgado de Mousen Navarro e sua mulher Salva (1, 77v), onde se transcreve a carta de instituição.

De resto, ficaram alguns selos e matrizes sigilares medievais que demonstram que os judeus já então usavam em Portugal não só selos pessoais mas também selos inequivocamente heráldicos, como é o caso de um exemplar datado do séc. XIII (aproximadamente), que tem um castelo de três torres no interior de dois círculos concêntricos, entre os quais se desenvolve a legenda em caracteres hebraicos.

Certos judeus ou cristãos-novos conseguiram mesmo chegar à nobreza portuguesa, como é o caso bem conhecido dos Castro do Rio. E o caso, também, do rico mercador judeu Jocob Baru, falecido em 1471, cujo filho foi para primeiro para a Holanda e depois para Inglaterra, onde o rei Edward IV o baptizou de pé com o nome de Edward Brampton, o armou cavaleiro (documenta-se como Sir) e lhe deu o governo da ilha de Guernsey. Com a morte deste rei voltou a Portugal, adoptando o nome de Duarte Brandão, tendo comprado a lezíria da Corte dos Cavalos, no termo de Azambuja, a D. João de Almeida, e a vila de Buarcos, com as marinas de Tavarede e a dízima nova de Montemor, a Martim de Sepúlveda, tudo bens da coroa que D. João II lhe doou de juro e herdade a 14 de Janeiro e 22 de Maio de 1487, sendo então já do Conselho deste rei e continuando a sê-lo com D. Manuel [1] .

Paradigmático também é o caso dos Espargosa e dos Alte, que foram nobilitados, não só eles mas retroactivamente os seus ascendentes. O doutor Cristóvão Esteves de Espargosa, desembargador dos feitos da fazenda de D. João III, e sua mulher Isabel da Pinta, foram senhores da quinta de Espargosa, no termo de Mértola, que instituíram em morgadio (7.6.1543), vinculando-lhe ainda a quinta de Vale da Pinta, no termo de Santarém, a herdade do Moutinho, no termo de Mértola, e casas e a quinta da Silveira, no termo de Évora. Cristóvão Esteves foi nobilitado, adoptando no nome da sua quinta (Espargosa), que D. João III privilegiou como solar da família e a quem deu carta de armas novas. Era judeu e fora baptizado de pé, sendo filho de Mestre Estêvão (Isac antes do baptismo), boticário em Beja, e sua mulher Branca Esteves. O Doutor Cristóvão Esteves, que a 29.8.1533 teve de D. João III carta de privilégio que supria o seu «defeito de nascimento», foi primeiro procurador dos feitos da fazenda, pelo menos desde 1518 até 14.9.1521. Deste Cristóvão Esteves foi irmão o licenciado Bernardim Esteves de Alte, desembargador do Paço, senhor da herdade de Alte, no termo de Serpa, de que tirou o nome e que também foi nobilitado por D. João III e confirmado por D. Filipe I em 1583, sendo pai do doutor Cristóvão Esteves de Alte, nascido na corte de Lisboa, doutorado em Leis pela Universidade de Coimbra a 9.6.1553, onde foi lente de Instituta (16.11.1551) , sendo também chanceler e desembargador da Casa da Suplicação, e do doutor Bernardim Esteves de Alte, lente de Vocações (1553) da Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra, desembargador da Casa da Suplicação e do Paço, etc. O rei fez o dito licenciado Bernardim Esteves «Fidalgo, e nobre como se toda sua avoenga o fora», e como «se o dito sollar fora antigo, e os Pays, Avós, bisavós, e tresavós dos ditos L.dos Bernardim Esteves e Simão Gonçalves (Simão Gonçalves Preto, seu genro)fossem Fidalgos de sollar conhecido».

Os nomes

Os judeus anteriores à conversão forçada são também facilmente reconhecíveis pelos nomes, não só pelos os nomes próprios mas também pelos apelidos ou nomes de família.

Percorrendo a longa Chancelaria de D. Afonso V (1438-1481) foi-me possível recolher um vasto conjunto de nomes de família tipicamente judeus, se bem que muitos deles apenas se documentem com os nomes próprios, geralmente antecedidos da designação mosse ou mestre.

Esses nomes de família são os seguintes, por ordem alfabética:

A - Abam, Abaya, Abaz, Abeaçar/Abeaça, Abençall, Abraçar, Abenzamorro, Abenazo, Abete, Abez, Abife, Aboa/a Boa, Abraão/Abraham (sobretudo nome próprio), Abravanel, Abroz, Abudente, Açaral, Adaroque, Adereos/Aderes, Adida, Aidara, Alarbom Albarrux, Albogalim, Albotene, Alcabaz, Alcale, Alegria, Alfaquy/Alfaquem/Alfaquim, Alfeice/Alferce, Almalle/Almalee, Almusas Alzagal, Alravel, Alroz, Alvargo/Allvargii/Allvargy, Alvo, Am/Ham, Amalho, Amanilho, Amigo, Amyz, Anyneu, Arary/Arari, Arrobas, Arte, Azeerim/Azecrim, Azenha;

B - Bacoa, Bagally, Barnabé, Barrocas, Barrobe, Bari, Baru/Barru, de Barbova, Baquis, Beacar/Beaçar/Beatar, Bega, Beiçudo/Beyçudo, Beiro, Belacide, Belhamym, Benafull, Benafaçom, Benazo, Benjamim, Bemzamerro Benziza, Beuafaçom, Bichacho, Bieudo, Bixorda, Brafanez, Bono, Boym;

C - Caçez, Cachado, Çaçom/Saçom/Sacam, Cadaley, Çadiz, Caldeirão, Calimy, Çalleicaa, Calvo, Camacas, Camarinha, Canana, Canfi, Capam, Capaya/Capayo, Catarribas, Catelaão/Catalão, Cardinel, Carilho, Carraf, Caruchel, Castelão/Castelhão, Catam, Catiell, Cefim, Cerasady, Chaveirol, Cide/Cid, Codilho, Cofeiro, de Colhar, Çoleima, Colem, Colodro, Conciel, Cordilha, Coser, Cosfem, Cosim, do Crasto/de Castro, Crespim, Crescente, Crudo, Cudello, Curuto;

D - Dano, Danom, Delhescas, Donhas, Douo;

E - Eide, de Elhifes, Escalona, Espanom, Espantão, Erguas, Erudo;

F - Falaz, Famiz, Famta, Faquom, Faquim, Faracho, Faravom, Fayham/Fayam, Focem, Folega, Frances, Franco/Franquo;

G - Gabay, Gabril, Gadim, Gaguim/Gaguy, Gaim, Galiote/Galite, Galaje, Galante, Garçom, Gayos, Gedelha (sobretudo nomo próprio), Golete, Gota, Guaryto, Gualite, Graço;

H - Husque;

L - de Labymda, Latam/Latão, Lavanca, Lázaro, de Llescas, de Lestes, Levi, Liam, Lias, de Liscas, de Lixeas, Loquem, Lozora;

M - Maalom, Macaz, Machosso, Maçon, Maconde, Martelo, Marracoxy, Mataro, Matrotel, Mayll, de Medina, Menafem, Mocatel, Mocato, Mofejo, Mosejo, Mollaão, Montam, Motaal, Motal, Muça;

N - Nafas, Nanyas, Naniras, Natam;

P - Papo, Palaçano, Palacho, Patteiro, Peço, Pello, Pernica, Pexeiro, Picorro, Piecho, Picho, Prateiro;

R - Ribaro, Ricomem, Rodriga, de Rogos, Romano, Romão, Romdyem, Romeiro, Rondim, Rosall;

S - Samaia/Çamaya, Sanamel, Saraya, Savarigo, Solega;

T - Tarraz, Tavy/Tovy, Toby, Tolledam/Toledano, Tony, Torigo, Tristam;

V - Vaca, Vallency, Varmar, Vascos, Venyste, Viarcis, Vivas/Vivaz, Vidas, Vidos, Vivallaquero;

- Zaaboca, Zabocas, Zaquim, Zaquem, Zarco.

Outros nomes usados por judeus desta época têm a aparência de alcunhas, como é o caso de Crespo, Dourado, Querido, Parente e Ruivo (nome usado por vários judeus de Évora, alguns pais e filhos), podendo também ser o caso de Branco e Preto, nomes que também se documentam em judeus, este último o nome de uma importante família de mercadores de Lisboa. Mas Crespo, que também aparece antecedido da partícula ben, seria por isso um nome próprio. E resta saber se alguns outros nome de aparência portuguesa não são afinal palavras hebraicas homónimas ou pelo menos homógrafas.

Documentam-se também famílias judias com nomes claramente tirados de cidades ou vilas portuguesas: Murça, de Faro, de Leiria, Coimbra, de Lamego, de Tomar, Penafiel, da Pedreneira, de Cea/Seia, da Vitória (uma família do Porto) e Cascais. Se bem que, quando se documentam, estas famílias vivessem em terras completamente distintas das que ostentavam no nome.

Como característica geral, os nomes judeus nunca têm patronímicos à portuguesa, se bem que pelo menos os nomes antecedidos por ben o pareçam ser. Como é o caso, por exemplo, de Benafaçom, que significaria filho de Afaçom. Na verdade, só encontrei três judeus com nomes de família que podem ser patronímicos à portuguesa: Marcos, Vicente e Manuel, se bem que este último nome também apareça como Manueell. Claramente patronímico português só encontrei um, aliás associado a um primeiro nome cristão. Trata-se de Álvaro Gonçalves, judeu, morador na cidade de Évora, que a 15.10.1454 teve perdão da justiça régia pela fuga da prisão. Mas julgo tratar-se já de um converso (ou um dos vários que, como vimos, foram por certas pessoas obrigados a converter-se), ou então um descendente de judeus de Castela, onde as conversões forçadas começaram em 1391 e desde 1449 estavam em vigor os estatutos de pureza de sangue.

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http://www.soveral.info/mas/judeusecristaosnovos.htm