Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


13-10-2014

Serenata Açoreana pintura óleo sobre tela, c. 1940 de António Dacosta


António Dacosta, Ilha Terceira,Açores Portugal, 1914-1990

Serenata Açoreana, c. 1940

Óleo sobre Tela

83P122

autor

Serenata Açoreana esteve patente na primeira exposição surrealista em Portugal, inaugurada a 11 de Novembro de 1940, na Casa Repe (casa de móveis e decoração no Chiado, em Lisboa), no ano do grande evento estado-novista – a Exposição do Mundo Português. A primeira mostra do surrealismo português surgia, assim, como oposição ao revivalismo histórico imposto pela grande iniciativa salazarista, através da apresentação de dezasseis telas de António Pedro, seis esculturas de Pamela Boden (escultora inglesa refugiada em Portugal), e dez pinturas do jovem António Dacosta, que tinha então 26 anos e o curso de Pintura na Escola de Belas- Artes de Lisboa. As obras expostas procuravam reflectir a violência, o “exílio” português, o fechamento do país à realidade da II Guerra Mundial e o impacto da Guerra Civil espanhola.

Uma fotografia da Serenata Açoreana, tal como foi exposta em 1940, permite verificar que a obra que conhecemos hoje sofreu diversas alterações realizadas pelo pintor*. Em geral, a pintura escureceu, está mais densa; os rostos são menos expressivos e as nuvens estão mais carregadas.

Este quadro é marcado por uma iconografia cristã. A serenidade evidenciada na figura feminina do fundo, a chegar à costa numa canoa, opõe-se ao desespero da figura nua contorcida no chão em primeiro plano. Esta apresenta uma certa androginia, reflectindo a culpa de Adão e Eva, evidenciada na maçã avermelhada (cor de fogo, como o corpo), consciente de uma perda de inocência e agrilhoada à condição humana, expressa na corrente presa ao pescoço. Em relação a Serenata Açoreana, Dacosta referiu-se a um desejo de evasão, que pode ser entendido na representação da figura na canoa. Evasão da II Guerra Mundial que começara e evasão de uma condição (humana) acorrentada em si mesma. A figura masculina no lado direito, também nua, e ainda imbuída de uma cândida inocência, oferece um pássaro morto, numa serenata em que o sofrimento e a morte estão espelhados no rosto da figura caída no chão.

 

* Ver Rui Mário Gonçalves, António Dacosta, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, pp. 33-35.

 

http://www.cam.gulbenkian.pt/index.php?article=60254&visual=2&langId=1