04-05-2015Moçambique é maningue nice , mas não para a imensa maioria
Enxada às costas, no regresso da machamba de que esteve a cuidar durante a manhã, William confessa que já tomou uma decisão. “Para o ano vou continuar os estudos”, diz convicto. É para isso que tem poupado dinheiro dos 1500 meticais (menos de 38 euros) que, todos os meses, um antigo professor lhe paga para cuidar do seu terreno agrícola em Vunguine, município de Boane, a umas três dezenas de quilómetros de Maputo. William já conhece o trabalho da terra. Agora quer saber mais e por isso deseja voltar à escola, prolongando o estudo que interrompeu na décima classe, para se tornar engenheiro agrónomo. Aos 22 anos faz parte de várias maiorias: dos 65% de moçambicanos com menos de 25 anos numa população estimada em 24 milhões de pessoas; dos 65% a 70% de rurais; dos três quartos que dependem da economia informal. É da terra e do que ela dá que depende, por ora, William Joaquim Cumbe. É ela que determina também em muito o dia-a-dia de Alfredo Nelson, que, para sustentar sete filhos, concilia o trabalho que lhe dão os padres que se instalaram em Vunguine com o cultivo da machamba para consumo próprio. A sua preocupação é a chuva. Chuva com conta, peso e medida, não a que provoca inundações tão frequentes em Moçambique. “Quando tem chuva não sofre com a comida”, explica Alfredo, 57 anos. “Se não vem chuva, vamos passar mal”, dirá, não longe dali, pouco depois, Helena Quefasse, 42 anos, quatro filhos, enquanto cuida do milho, da mandioca, da abóbora. “A vida daqui é difícil. Para comer tem que trabalhar muito.” O carpinteiro Joaquim está menos condicionado por essas coisas da meteorologia. Com serrote e plaina dá forma a portas e janelas que hão-de guarnecer a casa em que está a trabalhar. Também faz mobiliário e tectos falsos. O que ganha com a arte é somado à reforma de 3000 meticais (cerca de 75 euros) do Ministério da Defesa, onde já trabalhava em carpintaria. Dinheiro insuficiente para os nove filhos, que, aos 66 anos, tem ainda de ajudar. “Isto nós fazemos manualmente, não temos maquinaria ”, explica sobre o seu ofício. O que queria mesmo – além da paz: “Nós já estamos cansados da guerra” – era ter uma máquina que lhe diminuísse o esforço e abreviasse o tempo gasto com cada peça. Longe dos benefícios “É importante do ponto de vista de geração de receitas mas está muito concentrado em certos sectores. Não é um crescimento assente na agricultura, comércio, que envolva a maioria da população. O grande problema é a falta de oportunidades de emprego. Não foram criadas condições para que este crescimento se traduza em benefícios para as pessoas”, comenta o investigador, em conversa telefónica. “Olha-se para o crescimento de 7% ou 8% mas não para o que andou a decrescer durante anos. É um crescimento de recuperação. A capacidade que as famílias têm a nível rural, e também suburbano, é muito limitada, a agricultura está estagnada”, alerta. Quer portanto dizer que, embora faça títulos de jornal, o crescimento da economia moçambicana tem como reverso, nas palavras de António Francisco, uma “enorme e profunda estagnação da economia em geral”. Município desde Maio deste ano, Boane, que elegeu a sua autarquia pela primeira vez há pouco mais de duas semanas, dando uma folgada vitória à Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique, no poder desde a independência, em 1975), fica entre a cidade de Matola e a fronteira com os países vizinhos, África do Sul e Suazilândia. A tradição agrícola é confirmada pela presença de uma unidade do Instituto de Investigação Agrária de Moçambique. Coexistem o cultivo das machambas familiares com explorações industriais de pequena e média dimensão em sectores como a extracção de areia ou a construção, e a Bananalândia, uma empresa de vocação exportadora. Como noutros municípios, a população depende em boa medida de biscates. Não sendo já uma zona tipicamente rural, o município de Boane está muito longe, geograficamente e em matéria de benefícios, dos recursos, principalmente carvão e gás, que atraíram investimento estrangeiro e abriram perspectivas novas a Moçambique. Ainda assim, Joaquim Garre, padre católico espanhol, da congregação dos Sagrados Corações, que há seis meses vive em Vunguine, tem notado o esforço das famílias para melhorarem as condições em que vivem. “Está a desenvolver-se uma classe média moçambicana que consome produtos básicos, blocos de cimento, madeira, para melhorar as suas casas”, explica. http://www.publico.pt/mundo/noticia/mocambique-e-maningue-nice-mas-nao-para-a-imensa-maioria-1615458 |