Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


02-08-2011

Silva Porto, os Beatles e a tal Amy! Francisco G Amorim


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Ao saber sobre mais esta desgraça da vida humana, que ceifa uma “pobre” bêbeda e drogada, incapaz de lidar com o chamado sucesso e com a imensidão de dinheiro que lhe entrava nos bolsos, fruto da fobia coletiva da juventude, e não só, que tem que ir gritar e aplaudir qualquer um que se faça de palhaço no palco, com qualquer música a acompanhar, lembrei-me de dois casos:

A.- Um concerto dos Beatles, em Nova York, logo no começo da sua fulgurante carreira. Os gritos histéricos das meninas que assistiam ao show, abafavam a música; quando terminaram uma das músicas, Paul Mac Cartney informou os outros membros do grupo que a seguir tocariam a música “x”. Resposta de um deles: mas essa acabei de tocar! Paul Mac Cartney tinha tocado e cantado outra! Quer dizer, o histerismo era tal, que ninguém parecia ali estar para ouvir música, mas sim para gritar!

Em face de, afinal, tamanha indiferença pela música, os Beatles resolveram não dar mais concertos!

 

B.- E o que é que o velho pioneiro e sertanejo angolano, Francisco Ferreira da Silva Porto tem a ver com tudo isto? Vejam uma parte do seu diário:

15 de Maio de 1846. Alevantámos do sítio Belmonte ou Proto (corrupção de Porto) crismado pelos Bienos, e fomos fazer quilombo no sítio Saxibinda(35), local dos ferreiros em ambas as margens do Cuquema36. Caminho plano, abun¬dante de arvoredo de toda a espécie, abundante de riachos, terreno fértil, argiloso, de substância preta e encarnada.

 

Acabamos de dizer que nos achamos no «local dos ferreiros em ambas as margens do. Cuquema», de facto assim é, e ocupam uma área ao longo do rio superior a duas léguas de extensão, e em virtude do que lhe dão o nome de «Quélinha». Estes obreiros de Vulcano fazem toda a obra de encomenda, mas quando se não dá esta espécie de trabalho, limitam o seu mister ao fabrico de enxadas(37) (é moeda corrente por estas paragens), para diversas aplicações da vida: agricultura, troca de toda a qualidade de géneros e pagamentos. Notaremos uma singularidade que se dá geralmente entre esta raça: fabri¬cando e vendendo avultado número de correntes e grilhões é crime dar a carregar tais prisões a pessoas livres e bem assim introduzi-las nas suas povoações.

Na margem de além, e numa área de oito léguas de extensão, para o noroeste, oeste e sudoeste, limitava o domínio da tribo Quimbunda(38), dividido em pequenas repúblicas com chefes hereditários; enquanto que aquém, no quadrante de leste, era domínio da tribo Nhemba, raça Ganguella(39), que sendo expulsa, deu lugar mais tarde à fundação da terra do Bié, como adiante teremos ocasião de relatar(40). A ambos os domínios, pois, chegavam os sertanejos procedentes de Luanda, Golungo, Ambaca e Pungo-Andongo(41); o comércio feito comummente com ambas as tribos, reduzia-se a escravos em grande quantidade, cera e marfim em diminuta escala, mon¬teando-se os elefantes nos mesmos locais. Presentemente o primeiro ramo acha-se estacionário em virtude de medidas repressivas, o segundo exporta-se em larga escala, e em muito maior o terceiro: e apesar do que acabamos de dizer em relação àquele os escravos sempre se compram para o serviço caseiro, no interior e litoral, e hoje em larga escala para a permutação do marfim e cera. Além de 1840 partiam suces¬sivamente as caravanas do Bié à sua permutação nos diferentes pontos do interior, aquém dessa época foram diminuindo ao ponto de que semelhante tráfico esteja restringido a território Quimbundo(42).

Outros ramos de comércio por aqui existem que, em virtude do insignificante valor do mercado, não são exportáveis do Bié para o litoral atendendo a que apenas dariam para o transporte, ao passo que é o tráfico usual dos povos da mesma raça que demoram a Oeste, porque além dos escravos, e cera em mui diminuta porção que granjeiam nos seus respectivos domínios, destes para a cidade de Benguela limitam as suas caravanas, por cujo motivo, conduzem os respectivos géneros que constam de: enxadas, criação, mantimentos, esteiras, tabaco e, finalmente, uma erva que no idioma umbundo denominam pangué(43) e macorrolo, matto-coanne, e que resulta em síncope àqueles não habituados de a fumar, e àqueles que estão habituados desde a infância. Quando se aproximarem as distâncias por via de comunicação rápida, exportador e consumidor lucrarão com a sua extracção.

 

 

(Nota 43 - Trata-se da cannabis sativa. Bastante conhecida por liamba “Liamba é um arbusto cujas folhas, depois de secas, se fumam num cachimbo especial. Em língua ganguela liamba chama-se bangüê, e o seu fumo produz uma animação, uma espécie de embriaguês que dá prazer; pela continuação e uso imoderado, essa animação ou excitação vai aumentando de intensidade, e chega a transformar-se em doidice furiosa, como tive ocasião de observar.”

No Brasil é maconha, e em muitos outros lugares marijuana.)

 

Das fibras do cânhamo faziam-se cordas, e das sementes, óleo. Ainda hoje a fibra se usa para o fabrico de papel e até como forragem para animais; da semente extrai-se um óleo muito usado na indústria de cosméticos como base para cremes, xampus, óleos hidratantes, etc., na indústria mecânica para vernizes, lubrificantes, combustíveis, tintas e outros, bem como para a alimentação humana em óleo, tempero, margarina, flocos de cereais, snacks e outros. O chá das suas folhas é bastante relaxante.

Silva Porto há mais de século e meio já previa que o seu valor se tornaria importante, mas mal imaginaria ele que a sua maior finalidade seria para embebedar e matar gente.

Dessa “importante” planta já muita gente sofre ou tem morrido! E tornou-se com isto um dos maiores negócios em todo o mundo: o sofrimento e a morte.

 

Voltando a Silva Porto, e às suas notas neste pequeno texto:

35 - Saxibinda, ou melhor ochilenga é o plural de ochivinga que em umbundo significa ferreiro.

 

36 - O rio Cuquema é um afluente da margem esquerda do Quanza, formando uma fronteira entre o País do Bié e o dos Ganguelas.

 

37- Os sertanejos compravam grande número de enxadas cuja venda em Benguela lhes dava bons lucros.

 

38 - Povo quimbundo significa o grupo Ovimbundo, a partir da forma singular ocimbundu na língua umbundo. A alteração do chi para qui é comum nestes casos.

 

39 - O nome Ganguela era utilizado pelos portugueses para designar as tribos do Sudoeste de Angola, apresentando uma afinidade cultural e lingüística.

40 - Foi Ulundo, terceiro soba do Bié, que expulsou a tribo Nhemba para além Cuquema e Quanza.

 

41 - Trata-se da primeira fase do comércio do Bié, em que este entreposto estava ligado à praça de Luanda.

42 - Terras habitadas pelo grupo Ovimbundo.


01/08/2011

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