Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


20-06-2004

Camões em Debate Núm 03


Nesta edição encontram-se textos que nos falam de Camões ou das paragens por onde o príncipe dos poetas passou.  São registros que nos levam 500 anos atrás mas que, também,  nos confrontam com os tempos actuais  Camões está presente!

Dos amigos leitores esperamos suas opiniões, sugestões e uma participação mais ativa neste espaço que resulta da colaboração voluntária de muitos que acreditam na Pátria da Língua que consolida elos entre  povos  e culturas

A actualidade de Camões 

Leonel Cosme

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" - já dizia Camões, face ao "desconcerto do mundo". . Mas dizia mais, que não passa pelos  manuais escolares:
Sobre os reis (...) "cujo estudo/é fartar esta sede cobiçosa/de querer dominar e mandar tudo/com fama larga e pompa sumptuosa"; os nobres (...) "que tomam por escudo/ os seus vícios e vida vergonhosa/a nobreza dos seus antecessores/e não cuidam de si que são piores"; os mercadores (...) "que estão co'a boca aberta/por se encher de tesouros de hora em hora/doentes desta falsa hidropisia/que quanto mais alcança mais queria"; e os poderes: (...) "Da feia tirania e vã severidade/Leis em favor do rei se estabelecem/As em favor do povo, só, perecem."
Era a reflexão  de um Poeta atento ao mundo que o rodeava, baseada quer nas leituras  dos clássicos humanistas, quer na sua experiência de calcorreador das margens do  Mar Oceano onde o Português já havia deixado as marcas dos pés - Marrocos, India, Macau, Moçambique, - quer na síntese que fazia "entre" Babel e Sião, "onde vi quantos enganos/faz o tempo às esperanças."
Mas era também como que a reflexão premonitória sobre vícios e equívocos endémicos que levariam às  "mudanças" que já se perfilavam nos dois últimos anos da sua vida, quando, após a morte de D.Sebastião em Alcácer Quibir,  os candidatos ao trono  dirimiam com Filipe II de Espanha o direito à sucessão, o que significava decidir se Portugal conservaria a sua independência ou regressaria ao domínio de Castela.      
Camões morreu em 1580, no mesmo ano em que o reino de Portugal foi integrado numa região de Espanha com  a capital em Mérida, desfrutando de uma formal autonomia administrativa que tinha como figuras de proa, cúmplices de Castela,  a duqueza de Mântua, governadora do reino, e o conde-duque de Olivares, Miguel de Vasconcelos, secretário de Estado. Com a recuperação da independência, em 1640, a primeira teve de fugir para Espanha e o segundo, com menos sorte, foi morto pelos revolucionários "restauradores" dentro do  armário onde se escondera.
Apesar dos coágulos que ciclicamente  obstruiram o circuito sanguíneo da Nação, Camões  nunca imaginaria, porém, que os portugueses, por acção dos tempos sobre as vontades, - depois da resistência de  Viriato contra o imperialismo  romano;  do empenhamento de   Afonso Henriques na independência  do condado portucalense do domínio de Leão e Castela; das frustradas arremetidas castelhanas e napoleónicas; até o País se afirmar finalmente formatado como  o Estado-Nação mais antigo da Europa e o último titular de um império colonial que "foi além da Taprobana" - pudessem rever-se distribuidos por duas ou três regiões integradas numa Ibéria multiétnica,  como efabula o empresário José Manuel de Mello,  ou, seguindo a mesma linha de raciocínio, como dramatiza José António Saraiva,  jornalista-director do semanário EXPRESSO, - onde ambos vertem o seu pessimismo  face ao estado actual  da Nação - julgando interpretar o sentimento de quem se interroga, apocalipticamente,   "sobre se valerá a pena o país continuar a existir ou se não será mais sensato integrarmo-nos na Espanha, porque os espanhóis nos governariam melhor."
Camões nunca magicaria em tal coisa, a quinhentos anos de distância, mesmo como chicotada psicológica,  que lhe soaria a uma afrontosa perversidade, pois só se prelecciona o que se teme ou se deseja. E hoje, se fosse vivo, também não o admitiria o seu orgulhoso ego lusitano, porque, como Poeta e Guerreiro, encontraria seguramente um antídoto contra os  venenos dos tempos de mudança, fosse propagando a crítica marxiana de que o capital não tem pátria; fosse alinhando nos movimentos emancipalistas de galegos,  bascos ou  catalães; fosse invocando, como provocação,  as lutas seculares  e continuadas dos povos da África, da Ásia  e da América  pela preservação das suas nacionalidades contra uma congeminação mundial  que, a pretexo do Progresso, os pulveriza e ensandece; fosse simplesmente juntando a sua voz ao coro dos que, em várias partes do mundo, se reúnem em Fóruns internacionais para afirmar que nem a História da humanidade chegou ao fim, nem as Ideologias  morreram e que mudar o mundo (e Portugal) é possível.
Num primeiro momento de desânimo, diante de "gente surda e endurecida", talvez o Poeta fosse tentado a reconhecer que "O favor com que mais se acende o engenho/Não nos dá a pátria, não, que está metida/No gosto da cobiça e na rudeza/De uma austera, apagada e vil tristeza".
Mas logo a seguir, recuperando as ideias que formara sobre "os Alemães, soberbo gado", o "duro Inglês", o "Galo indigno" e a "Itália já submersa em vícios mil",  haveria de reconverter o ânimo desfalecido num esperançoso grito de alma: "Mas, entanto que cegos e sedentos/Andais de vosso sangue, ó gente insana,/Não faltarão cristãos atrevimentos/Nesta pequena casa lusitana."
Ai,  Camões...

Fonte: www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=3039

 

Pensar português no Brasil

Leonel Cosme

 

Sobretudo em períodos de depressão psico-económica, faz bem ao ego lusitano passar ainda que seja só uma semana, a correr,   no Brasil mais "histórico" - Salvador da Baía, por exemplo.
Talvez não fique  tempo para honrar  uma boa mariscada e comparar os chopes: um deles tem aquele nome de má memória -"Antártica" - que os contrabandistas franceses (que se estavam nas  trintas para o Tratado de Tordesilhas) queriam dar  a  uma parte, por eles frequentada, do imenso território reivindicado pelos portugueses,  onde  iam saquear o "pau-de-tinta"  (diga-se, em abono da verdade, numa época em que os portugueses ainda não sabiam para que lhes serviria o Brasil, apesar da carta entusiástica e sugestiva de Pêro Vaz de Caminha); tão-pouco para saborear uma refrescante água de coco à sombra do próprio coqueiro  ou  amorenar numa  buliçosa e descontraída  praia sem moliço onde qualquer turista compreenderá porque dizem os filhos da terra que "Deus (o alegre) é brasileiro" e um português tão curioso da  história da colonização como das "oportunidades" que dela remanescem para realizar negócios de ocasião,  até compreenderá porque os "lançados" - como Diogo Álvares (Caramuru),  João Ramalho ou João Tiba - se tenham deixado "perder" no meio da selva e dos índios sem se sentirem consumidos pela saudade - como o literato D.Francisco Manuel de Melo, que, apesar dos onze anos de desterro que passou na Baía, ansioso por regressar à Pátria, nunca se deixou  impressionar  pelas mesmas causas morais e "proféticas" que inspiraram o seu coetâneo padre António Vieira.
Mas, observando os  lindíssimos "arranha-céus" de linhas airosas e pinturas criativas, que até tornariam menos sinistras e ameaçadoras  as favelas que os cercam se não estivessem protegidos por sistemas ostensivos de segurança tão eficazes como outrora as fortalezas dos colonizadores, uma semana chega para  avaliar em que medida a "ameaça"  pode evoluir e deitar a perder os "negócios de ocasião", se não forem encaradas as verdadeiras causas que a geraram, -  estruturas sócioeconómicas mantidas desde o colonizador - bastando, numa fugida, ir às livrarias dos centros comerciais   para,  adquirindo alguns livros e  revistas,  imaginar  até que ponto a herança  do passado (colonial e pós-colonial)  influencia a actualidade.
E, para português meditar, surpresas: uma editora repõe a publicação fac-similar do jornal "Quilombo - Vidas, Problemas e Aspirações do Negro", criado e dirigido entre 1948 e 1950 pelo "papa" do Movimento Negro, Abdias do Nascimento, num momento em que as Universidades são induzidas a abrir uma quota de 40% para estudantes negros (Abdias reivindicava uma "bolsa", no seu jornal, em 1948) e se anuncia a publicação de um esperado Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, da autoria de Clóvis de Moura, há pouco falecido; o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra),  vinte anos após o seu aparecimento, reivindica o controlo de  quase metade dos assentamentos de todo o país, sendo que  no Rio Grande do Sul (o dos Fóruns), mais de noventa por cento dos assentamentos têm o MST como base; o historiador Nilton Freixinho, "examinando o passado com olhos no presente" e fazendo uma "releitura" do sertão arcaico do Nordeste do Brasil, com  os movimentos "profético-messiânicos" do beato  António Conselheiro e dos padres Cícero e Ibiapina e as razias "justiceiras" dos cangaceiros Virgulino Lampião, Jesuíno Brilhante e Antônio Silvino ( em Portugal, a versão "reduzida" é o Zé do Telhado), não se furta a ponderar que a associação do "fundamentalismo" religioso ao "terrorismo" social daqueles actores da segunda metade do século XIX e primeira do século XX não é substancialmente diferente da que inspirou o ataque às Torres Gémeas e ao Pentágono, em 2001, e dos seus apostos ou continuados, isto é, uma reacção radical contra uma "ordem social" e/ou "religiosa" que, não raro, se arroga o direito de fazer ela mesma "terrorismo preventivo" contra os "infractores" e os "infiéis" de sinal contrário.
Por estranho que pareça, disseram coisa semelhante, num livro acabado de sair na França, "Le 'Concept' du 11 septembre", dois cientistas sociais de renome: Jacques Derrida e Jurgen Habermas...
E quem reflectir, como Edgar Morin - " É  urgente a abordagem da História de forma global. Cumpre reunir o que historicamente foi separado artificialmente; não podemos separar problemas religiosos e sociais dos problemas económicos e interesses políticos dos donos do poder" - há-de encontrar um intrigante denominador comum entre Canudos e o Iraque, o "santo" de Juazeiro e a "santa" da Ladeira, as peregrinações ao Monte Santo, a Meca ou a Fátima.
Faz bem ir ao Brasil, para pensar o Mundo...

N.A. Este artigo foi escrito antes do 11 de Março em Madrid e da "guerra" do narcotráfico no Rio de Janeiro.

Fonte: www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=3166

 

Mudam-se os tempos, mas não se mudam as vontades

Pedro Kaul <pedrokaul>  Curitiba Paraná:

A viagem a Moçambique, no ano passado(2003) , foi muito boa.  

Porque fui com muito pouco dinheiro, não pude circular por lá, entretanto, como desejava. O custo de vida lá é bastante alto para nós, brasileiros. Permaneci só em Maputo, participando (quase todos os dias) do VII Congresso de Geoquímica dos Países de Língua Portuguesa, onde apresentei um trabalho técnico sobre a geologia dos maciços graníticos que constituem a Serra do Mar no Paraná e Santa Catarina.

Permaneço firmemente com a intenção de retornar - pelo menos mais uma vez ! -, a Moçambique ! Retornar para andar pelo menos um pouco mais pelo país, livremente, como turista, sem estar engajado em nenhum evento. E andar por lá com dinheiro, porque sem este, não dá para fazer quase nada ...

As visitas que fiz em locais de Maputo foram muito rápidas. Felizmente, contei com a gentileza e simpatia de uma geóloga moçambicana que me emprestou seu carro (com motorista) para eu conhecer os principais pontos da cidade. Como o Mercado Público, por exemplo, onde comprei algumas esculturas em madeira típicas de Moçambique e onde pude conversar com comerciantes goeses que trabalhavam no local. A propósito, você sabe que há uma expressiva colônia de goeses em Moçambique ? Eu não sabía.

Meu coração de lusófilo (lusófilo extremado !), Margarida, continua o mesmo ! Continuo também a colecionar, como lhe falei tempos atrás, textos sobre o passado e o futuro da Língua Portuguesa, e a intenção de elaborar um artigo sobre esse tema permanece de pé. Incentivos como os que você tem me dado são e serão sempre bem vindos. Acredite-me !

Fonte: br.groups.yahoo.com/group/dialogos_lusofonos/message/1194

 

A Cátedra Jorge Sena 

 Em 1999, os Setores de Literatura Portuguesa, Brasileira e Africanas do Departamento de Letras Vernáculas instituíram, na Faculdade de Letras da Universidade Federal, do Rio de Janeiro esta Cátedra como ponto de convergência de uma proposta interdisciplinar que visa à pesquisa e à difusão dos estudos Literários Luso-Afro-Brasileiros, em seus pontos de interseção e no acolhimento de suas diversidades. O nome para o qual acenamos, Jorge de Sena, representa, a nosso ver, um dos escritores mais importantes na construção de um diálogo vivo entre Portugal, Brasil e África.

Fonte: www.catjorgedesena.hpg.ig.com.br/

 

De como a Personagem Foi Mestre e o Autor Seu Aprendiz

O discurso perante a Real Academia Sueca (parte) onde Camões é citado

Por JOSÉ SARAMAGO      Terça-feira, 8 de Dezembro de 1998

 

Que outras lições poderia eu receber de um português que viveu no século XVI que compôs as "Rimas" e as glórias, os naufrágios e os desencantos pátrios de "Os Lusíadas", que foi um génio poético absoluto, o maior da nossa literatura, por muito que isso pese a Fernando Pessoa, que a si mesmo se proclamou como o Super-Camões dela? Nenhuma lição que estivesse à minha medida, nenhuma lição que eu fosse capaz de aprender, salvo a mais simples que me poderia ser oferecida pelo homem Luís Vaz de Camões na sua estreme humanidade, por exemplo, a humildade orgulhosa de um autor que vai chamando a todas as portas à procura de quem esteja disposto a publicar-lhe o livro que escreveu, sofrendo por isso o desprezo dos ignorantes de sangue e de casta, a indiferença desdenhosa de um rei e da sua companhia de poderosos, o escárnio com que desde sempre o mundo tem recebido a visita dos poetas, dos visionários e dos loucos. Ao menos uma vez na vida todos os autores tiveram ou terão de ser Luís de Camões, mesmo se não escreverem as redondilhas de "Sôbolos rios"... Entre fidalgos da corte e censores do Santo Ofício, entre os amores de antanho e as desilusões da velhice prematura, entre a dor de escrever e a alegria de ter escrito, foi a este homem doente que regressa pobre da Índia, aonde muitos só iam para enriquecer, foi a este soldado cego de um olho e golpeado na alma, foi a este sedutor sem fortuna que não voltará nunca mais a pertubar os sentidos das damas do paço, que eu pus a viver no palco da peça teatro chamada "Que farei com este livro?", em cujo final ecoa uma outra pergunta, aquela que importa verdadeiramente, aquela que nunca saberemos se alguma vez chegará a ter resposta suficiente: "Que fareis com este livro?". Humildade orgulhosa, foi essa de levar debaixo do braço uma obra-prima e ver-se injustamente enjeitado pelo mundo. Humildade orgulhosa também, e obstinada, esta de querer saber para que irão servir amanhã os livros que andamos a escrever hoje, e logo duvidar que consigam perdurar longamente (até quando?) as razões tranquilizadoras que acaso nos estejam a ser dadas ou que estejamos a dar a nós próprios. Ninguém melhor se engana que quando consente que o enganem os outros...

Fonte : educom.fct.unl.pt/proj/por-mares/discurso_nobel98.htm

 

O tricentenário de Camões

Maria Isabel João

Algumas comemorações nacionais tiveram uma significativa repercussão no Brasil, mercê das relações históricas existentes entre os dois países e do empenho da importante comunidade portuguesa ali residente. Foi o caso da comemoração do tricentenário da morte de Camões, em 1880. O poeta era considerado um símbolo da nacionalidade portuguesa e um génio que fazia parte do património de toda a humanidade. A sua obra tinha tido uma considerável divulgação entre as elites cultas de diversos países e era reconhecida como um verdadeiro monumento da literatura mundial.

Em Portugal, as celebrações foram promovidas por uma comissão da imprensa que agregou personalidades de diversas sensibilidades políticas e partidárias. Contudo, o centenário ficou marcado pelo papel que os republicanos desempenharam na defesa da sua realização e na propaganda do seu ideário. A figura mais destacada foi Teófilo Braga que publicou um conjunto de artigos, no Commercio de Portugal, destinado a publicitar a ideia do centenário, dentro de um quadro ideológico marcado pela influência das concepções positivistas. Mas foi o empenho de Luciano Cordeiro, fundador e secretário perpétuo da Sociedade de Geografia de Lisboa, que viabilizou a organização necessária para se realizarem os festejos. Estes decorreram durante três dias na capital do país e tiveram um eco muito forte em todas as regiões da província, devido à constituição de comissões locais patrocinadas pela imprensa regional. Entre iluminações, música, foguetes, conferências, exposições e espectáculos nos teatros, o ponto alto das comemorações foi o cortejo cívico que percorreu as ruas de Lisboa durante várias horas.

O centenário camoniano teve uma repercussão considerável no estrangeiro, em particular nos círculos mais informados e cultos, onde a obra do poeta era muito apreciada. No Brasil, o impacto foi notável e as autoridades oficiais, os intelectuais brasileiros e a comunidade portuguesa promoveram múltiplas iniciativas destinadas a assinalar o dia da sua morte. Não é, evidentemente, possível traçar um quadro exaustivo de todas elas, mas podemos destacar algumas das mais significativas6.

Na cidade do Rio de Janeiro, as celebrações foram abertas com a inauguração de uma grande Exposição Camoneana, na Biblioteca Nacional, que reuniu um acervo iconográfico e bibliográfico valioso. O próprio Imperador, D. Pedro II, presidiu à abertura e encerramento do evento. O bibliotecário responsável pela organização da exposição, dr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão, na sua breve alocução salientou a universalidade do poeta, "que não cantou só as glorias do patrio ninho, mas uma pagina brilhante da historia da humanidade, que não é thesouro de um seculo, de um povo, de um vate, de uma lingua, mas thesouro de todos os tempos e de todos os lugares"7.


Cortejo cívico comemorativo do «Centenário de Camões».

O Gabinete Portuguez de Leitura do Rio de Janeiro foi o responsável pelas realizações mais notáveis. Desde 1878 que a direcção tinha decidido celebrar a memória do épico da forma mais significativa: o lançamento da primeira pedra do futuro edifício destinado a albergar a sua biblioteca e a ser um ponto de reunião e encontro de todos os associados, além de um pólo de divulgação da cultura portuguesa no Brasil. A traça do palácio foi executada pelo arquitecto português Rafael da Silva Castro dentro do estilo neomanuelino então em voga. Para colocar em quatro baldaquinos na fachada, foram encomendadas ao escultor Simões de Almeida as estátuas do Infante D. Henrique, Luís de Camões, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. As figuras foram concebidas de acordo com os cânones estéticos naturalistas, representando uma idealização dos heróis onde sobressai o porte elevado, a fisionomia grave e uma atitude nobre e serena. A obra só foi inaugurada a 22 de Dezembro de 1888 e, em 1906, um decreto de D. Carlos concedeu-lhe o título de Real8.

As festas promovidas pelo Gabinete Portuguez de Leitura continuaram, à noite, com um espectáculo no Teatro de D. Pedro II, onde se reuniram mais de três mil pessoas. No proscénio foi colocado o busto de Camões, do escultor Simões de Almeida, e o pedestal ficou juncado de coroas de flores enviadas por muitas corporações científicas, literárias e artísticas do Brasil. O principal orador foi o escritor e político brasileiro Joaquim Nabuco, grande lutador da causa da abolição da escravatura9. Seguiu-se a recitação de poesias dedicadas a Camões e a representação da peça dramática em um acto do escritor e poeta brasileiro Machado de Assis, Tu, só tu, puro amor, sobre o famoso romance entre Camões e Catarina de Ataíde. O Festival Commemorativo terminou com a execução de vários números musicais, destacando-se o "Hymno Triumphal a Camões", composto pelo maestro brasileiro Carlos Gomes.

No campo da divulgação da obra do poeta, que foi uma tónica importante de todo o centenário, o Gabinete Portuguez de Leitura promoveu uma edição de Os Lusíadas, com um prólogo de Ramalho Ortigão e um invulgar retrato de Camões, executado pelo pintor Columbano. Além disso, mandou cunhar uma medalha com o duplo objectivo de comemorar o tricentenário e o assentamento da primeira pedra do novo edifício. No anverso, pode ver-se o busto de Camões de acordo com o retrato seiscentista, mas sem a tradicional coroa de louros. Neste caso, preferiu-se colocá-la a emoldurar o busto do poeta.

No dia 13 de Junho, realizou-se na baía do Botafogo uma regata que foi muito concorrida pelo público. Os prémios eram exemplares de Os Lusíadas e medalhas de bronze, que foram distribuídos pelo Imperador. Aliás, a sua participação e a da família real nas principais iniciativas mostra bem o empenho da monarquia brasileira nas comemorações. O narrador destes acontecimentos em Portugal, o republicano Teófilo Braga, refere a propósito que o Imperador se vinha apoiando no "espirito conservador da colónia portugueza"10. À noite, toda a baía apareceu iluminada e numerosas embarcações vogavam, levando a bordo as famílias que queriam observar o espectáculo do fogo de artifício.

Ainda no Rio de Janeiro, os positivistas realizaram um sarau literário e artístico no Theatro Gymnasio, a 10 de Junho, onde foram escutados trechos da ópera Guarany, do maestro Carlos Gomes, entre discursos e récitas. A decoração do teatro punha em evidência os princípios ideológicos que presidiam à celebração de Camões e era dominada pela evocação das Civilizações Clássicas, da Renascença e dos Descobrimentos, vistos como factores históricos do "progresso" da Humanidade11. Noutras cidades do Brasil, nomeadamente em São Paulo, também se ficaram a dever à iniciativa dos positivistas brasileiros diversas cerimónias e festejos. O mesmo cunho ideológico esteve presente na festa promovida pelos estudantes brasileiros, no Rio de Janeiro. Os estudantes das Academias reuniram-se na rua do Theatro para uma marcha aux flambeaux que desfilou em duas alas pelas ruas da cidade. Os estudantes levavam balões chineses suspensos em varas, com flâmulas e galhardetes. À frente do cortejo, ia a banda dos Imperiais Marinheiros, em seguida a bandeira da Politécnica e as bandeiras da Humanidade e da Civilização, que tinham servido na véspera para a festa dos positivistas. Um grupo de estudantes carregava em ombros o busto de Camões, colocado sobre um palanquim adornado com flores. Fechavam o préstito as bandas marciais do corpo de polícia e um batalhão de Infantaria. As ruas por onde passou o cortejo foram iluminadas e decoradas para o efeito, e a população acorreu para saudar os estudantes.

As celebrações estenderam-se a outras cidades brasileiras, com maior ou menor brilho consoante a disponibilidade e empenho dos organizadores. A comunidade portuguesa mobilizou-se e há notícia de festejos em Pernambuco, Bahia, São Paulo, Porto Alegre, Uruguaiana e outros locais. O jornalismo brasileiro consagrou números especiais e artigos ao centenário, nomeadamente a Revista Brazileira12 e os maiores representantes da imprensa diária. A tónica dos discursos foi colocada, naturalmente, na celebração do poeta e da época gloriosa da história de Portugal que cantou na sua epopeia. Em Portugal, demonstrava-se grande júbilo pela forma como tinha decorrido o centenário no Brasil e irmanavam-se as duas nações, sob a égide de Camões:


Folha de rosto de Os Lusíadas. Edição ilustrada comemorativa do IV «Centenário da Índia», Lisboa, Sociedade de Geografia de Lisboa, 1898.

"No Brazil e especialmente no Rio de Janeiro, as festas do terceiro centenario de Camões tiveram um brilho excepcional como devia ser tratando-se de honrar a memória d’um genio que falou uma linguagem herdada pelos dois povos, que pertence ás duas nacionalidades, que é filho dos dois paizes pelo espirito pela raça e pelas tradições"13.

O Brasil era considerado uma promissora nação que poderia formar os "Estados Unidos do Sul", onde a herança deixada pela colonização portuguesa seria o "vinculo moral" necessário para manter a unidade de tão imenso território14. Teófilo Braga considerava mesmo, nas páginas da revista O Positivismo, que o Brasil era "o rudimento de uma phase nova e futura da nação portugueza"15. Na perspectiva de alguns sectores portugueses, e malgrado as divergências acirradas pelo nacionalismo em ambos os países, o Brasil era visto como um prolongamento de Portugal no Novo Mundo.

 Fonte: www.instituto-camoes.pt/revista/percursmemo.htm

 

Camões Dirige-se Aos Seus Contemporâneos, 1961 

Manuscrito de Jorge de Sena "

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em excessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis.
Como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

 Para o bem ou para o mal o Império está cumprido, falta-nos agora cumprir a Europa. As palavras de Camões vão continuar actuais...

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o Ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades
.

CAMÕES (Luiz de ) - CONCEITOS E MAXIMAS / DO POEMA DE /....../ «OS LUSIADAS» / LISBOA / EDITOR-HENRIQUE ZEFERINO / 1888. In 16º {64} P.; Br. A obra que apresentamos foi publicada pelo Livreiro Editor Henrique Zeferino, que quis assim comemorar a Exposição Industrial Portuguesa de Lisboa em 1888. Este trabalho deve-se ao estudo do Professor B. Barreto, baiano, que desejando divulgar os Lusíadas, coleccionou durante alguns anos os conceitos máximos contidos no poema épico « Os Lusíadas ». Esta edição teve uma tiragem apenas de 240 exemplares, sendo este o Nº. 214.

Fonte: www.jatellessylva.com/extra%5Cliteraturaportuguesa.html

 

"O Amor", por Ibn 'Ammâr de Silves


"A glória do Amor, compreendei-o bem, está na sua humildade
envergonhada.
E as suas delícias, tomai-lhes o gosto agradável, são tormentos ardentes.
Não procureis o poder no Amor...
Pois só os escravos das leis do Amor são homens livres."

Abû Bakr Muhammad Ibn 'Ammâr era natural da aldeia de

Shannabûs ou Shantabûs, na região de Silves, onde nasceu em 1031.



Fonte:          divulgado por "Murid" <muridinalgharb@y...>

"O Amor", por Ibn 'Ammâr de Silves José Garcia Domingues, em "Portugal e o

al-Andalus",Biblioteca de Estudos Árabes 2, Hugin-Editores, Lisboa, 1997

br.groups.yahoo.com/group/Al-Andalus-Mozarabismo/message/472

 

O Fórum Cultural Mundial , que a cidade recebe este mês, tem em sua programação uma convenção global, festival artístico e feira de idéias e oportunidades. O simpósio internacional é o principal evento, como espaço de reflexão sobre as perspectivas culturais e as realidades sociais. O simpósio, explicam os promotores do evento, será uma plataforma aberta para discutir e trocar idéias, experiências e conhecimento estimulados por painéis, discursos, workshops e outras formas de demonstrações intelectuais, políticas e artísticas.
O evento reunirá profissionais de primeira linha das artes, cultura, educação, mídia, ciência, tecnologia, filantropia, desenvolvimento sócio-econômico e política, fortalecendo o intercâmbio e a comunicação entre os agentes culturais dos diversos continentes.

Fonte: groups.msn.com/intercambiosinternacionais/

 

Luís Vaz de Camões


No Mundo poucos anos, e cansados

 

A Pêro Moniz que morreu no mar de Monte Félix, em epitáfio

 

No Mundo poucos anos, e cansados,
Vivi, cheios de vil miséria dura:
Foi-me tão cedo a luz do dia escura,
Que não vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados,
Buscando à vida algum remédio ou cura;
Mas aquilo que, enfim, não quer Ventura,
Não o alcançam trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
Pátria minha Alanquer; mas ar corruto,
Que neste meu terreno vaso tinha,

Me fez manjar de peixes em ti, bruto
Mar, que bates na Abássia fera e avara,
Tão longe da ditosa Pátria minha!

 

Este soneto é feito, em epitáfio, a Pero Moniz, que morreu no mar do Monte Félix.

 

Fonte: Hernâni Cidade, Luís de Camões - Lírica, Círculo de Leitores, Lisboa, 1973

texto divulgado por Eduarda F Nunes Fórum Elos

 

Eventos celebram Dia da Língua Portuguesa

Debates sobre literatura
e Augusto dos Anjos comemoram o dia de Camões

Verônica Toste

 

Apesar do feriado de Corpus Christi ter esfriado as comemorações, o Dia da Língua Portuguesa não passará em branco este ano. Em homenagem à data, 10 de junho, o jornalista e poeta Ricardo dos Anjos realizará o evento "Língua portuguesa em debate", do qual participará falando do avô, o poeta Augusto dos Anjos (1884-1914). O evento será gratuito, aberto ao público e acontecerá às 17h, na União dos Professores Públicos do Estado (UPPE - Rua La Salle, 22 - Centro de Niterói).

Além de Ricardo, que fará a palestra "Alguns aspectos da atualidade do poeta Augusto dos Anjos", participarão do evento a doutora em Literatura Comparada Márcia Pessanha e a professora de literatura Maria Ciléia. A presidente da UPPES, Terezinha Machado, explica a importância do tema.

"O programa é direcionado a todos os interessados no desenvolvimento do nosso idioma, que deve ser cada vez mais enriquecido, discutido em suas particularidades e preservado de influências estranhas que possam descaracterizá-lo, pondo em risco a sua identidade", ressalta.

Existencial

Ricardo, que tem 66 anos, assina a autoria de dois livros de poesias, "Após a tragédia" e "Agrolírica", e é fascinado pela obra do avô. "Não sou `expert' ou crítico, mas um neto curioso e muito interessado pela obra poética dele, encerrada no livro `Eu' (1912). Ele era muito preocupado com a existência humana e virava o homem pelo avesso, dissecando-o moral, ética e cientificamente", diz.

Ricardo destaca que para o avô, a vida era uma miséria. "Em `Monólogo de sombra', escreveu: `Tenho vocação para a desgraça e um tropismo natural para o infortúnio'. Augusto era um poeta existencial inclassificável. Na palestra, vou pinçar aspectos políticos e sociais da obra dele, que são relevantes até hoje", explica.

Apesar de não ter uma produção muito extensa, uma vez que morreu de pneumonia aos 30 anos, o paraibano Augusto dos Anjos é um dos poetas brasileiros mais lidos no País e continua atual. Em 1995, por exemplo, Arnaldo Antunes transformou alguns de seus versos famosos - como "Tome, doutor, essa tesoura/ e corte minha singularíssima pessoa" - na música "Budismo moderno", do CD "Ninguém". Seu poema mais famoso é "Versos íntimos", conhecido principalmente pelos versos "Apedreja essa mão vil que te afaga,/ Escarra nessa boca que te beija!".

Dia de Camões

Em 10 de junho de 1580, morria o escritor português Luís Vaz de Camões. A contribuição do autor de "Os Lusíadas" para a consagração do Português Moderno foi tanta que, na data, passou a ser comemorado o Dia da Língua Portuguesa em todos os países lusófonos. Curiosamente, o Brasil tem também um Dia da Língua Nacional (21 de maio) e, em Portugal, a data é ainda mais controversa.

Com a entrega do Prêmio Nobel de Literatura a José Saramago em 3 de outubro de 1998 - a primeira vitória de um escritor de língua portuguesa na premiação - os portugueses passaram a comemorar o dia de sua língua também nessa ocasião.

Outros eventos também vão prestigiar o Dia de Camões: o Departamento de Letras da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj - Rua São Francisco Xavier, 524, 11º andar - Maracanã) celebra a data com um seminário sobre a literatura portuguesa, que se encerra amanhã, das 14h às 18h, enquanto a Academia Brasileira de Filologia comemorará com o Congresso Internacional de Língua Portuguesa, também na Uerj de 19 a 23 de julho.

LÍNGUA PORTUGUESA EM DEBATE - Palestra com Ricardo dos Anjos, Maria Ciléia Mafra e Márcia Pessanha. Hoje, às 17h. UPPE (Rua La Salle, 22 - Centro de Niterói). Entrada franca.

SEMINÁRIO SUPERIOR DE LITERATURA PORTUGUESA - Palestras sobre literatura portuguesa. De 14 a 18 de junho, das 14h às 18h. Uerj (Rua ao Francisco Xavier, 524, 11º andar - Maracanã). R$ 60.

CONGRESSO INTERNACIONAL DE LÍNGUA PORTUGUESA - Debates, conferências e cursos sobre a língua portuguesa. De 19 a 23 de julho, da 10h às 19h. Uerj (Rua ao Francisco Xavier, 524, 11º andar - Maracanã). R$ 70.

Poema inédito de Ricardo dos Anjos

Antecâmara do espanto

Não sei o que primeiro
- pranto ou espanto -
estalou na alma
como um ovo oco

Só sei que habitamos
um teto de aranhas
a tecer negras nuvens
em torno dos sonhos

O verso nos sustém
a forma e o susto
porém nos liquefaz
se continuamos surdos

Não é bem o espanto
que nos causa medo
e sim o próprio pranto
no travesseiro

Pior, antes do pranto,
o gesto da direita
apalpando a ausência
da companheira

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Tribuna da Imprensa - RJ (17/06/04)

Fonte: //www.tribuna.inf.br/bis.asp?bis=cultura02

 

Fernanda Montenegro apela à promoção da língua portuguesa, “a nossa pátria sem fronteiras”

Falar uma única língua”

Fernanda Montenegro foi a protagonista de uma conversa sobre o teatro em Portugal e no Brasil que reuniu artistas e agentes culturais.
No Teatro Nacional S. João (na semana passada) elogiou-se o intercâmbio teatral como forma de promover da língua portuguesa, “a nossa pátria sem fronteiras”.
Andreia Marques Pereira
O encontro, no Teatro Nacional S. João, era anunciado como um debate com artistas, agentes culturais e fazedores de teatro portugueses para discutir o teatro que se faz em Portugal e no Brasil. A interlocutora principal seria Fernanda Montenegro, figura incontornável do teatro, televisão e cinema brasileiros. E foi-o. Mas o debate foi incipiente com os intervenientes praticamente reduzidos a Fernanda Montenegro e a Ricardo Pais, director do TNSJ e mentor do Portugofonia, uma mostra de teatro brasileiro que decorre integrado no XXVII FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica. Com a participação do público reduzida, os protagonistas foram os que estavam no palco – com Montenegro e Pais estavam António Reis, director do FITEI, Barbara Heliodora, crítica de teatro brasileira “temível”, tendo-se-lhes juntando Eunice Muñoz.
A “tarefa ingrata” de apresentar actriz brasileira coube a Ricardo Pais, que confessou ter lido o currículo dela e descoberto que afinal não a conhecia tão bem quanto pensou. Para sintetizar o espírito de personagem tão “insigne no seu conhecimento” socorreu-se das palavras da filha, Fernanda Torres, que a classificou como “uma espécie de pré-vanguardista”, uma vez que “adora trabalhar em primeiras obras de jovens realizadores”.
Depois de trocas de elogios – com António Reis a considerar Montenegro “a maior mulher do teatro em língua portuguesa” e a actriz brasileira a “pedir licença” a Muñoz por estar no palco (“quem vem de fora tem de o fazer”, justificou) –, cedo se percebeu que a conversa ia desembocar onde desembocou – na importância do intercâmbio para a promoção da língua portuguesa, “a nossa pátria sem fronteiras”.
Nesse sentido, agradeceu a Ricardo Pais a “ponte por cima do Atlântico” que o director do TNSJ tem vindo a construir e que encontra visibilidade neste Portogofonia, que proporcionou a apresentação de seis espectáculos brasileiros nos palcos portuenses – a prova de que “o futuro do palco no Brasil está garantido”. Se o intercâmbio é essencial para que “possamos falar uma única língua”, Montenegro apelou a mais iniciativas como a de Pais, já que neste momento o que existirá é um câmbio – isto porque no Brasil poucos terão capacidade para organizar um evento como este (“Precisávamos de um Ricardo Pais que se interessasse nesse intercâmbio, nessa busca do outro”) e não há apoio governamental ao teatro.
Por isso mesmo, do lado de lá do Atlântico o teatro “vai sobrevivendo como pode”, sempre com a convicção de que “o teatro não morre nunca”. Uma opinião partilhada por Pais (“O teatro sobreviverá sempre, com ou sem teatro nacional”), que no entanto, aproveitou a presença do secretário de Estado da Cultura, José Amaral Lopes, na plateia, para instar o Governo a participar nesse “desígnio” que é a ponte entre os países lusófonos e revelou a intenção de, no próximo ano, levar espectáculos ao Brasil.
Para Barbara Heliodora esta é uma altura propícia ao intercâmbio e à reaproximação cultural dos dois países. “Agora que já somos brasileiros, já está na hora de nos permitirmo-nos ter curiosidade por Portugal”, afirmou, referindo-se ao movimento que em meados do século XX levou à criação de uma consciência brasileira na cultura em geral, e no teatro em particular. Nélson Rodrigues foi louvado por “quebrar a gramática”, permitindo que a escrita assumisse as idiossincrasias da língua como é falada no Brasil, porque até então “qualquer actor brasileiro que quisesse ser levado a sério” tinha de falar segundo a norma do “português de Portugal”. Antes, Montenegro já tinha recordado “todos os portugueses” que a formaram “até uma determinada altura”, como Álvaro Costa, Ester Leão e “o grande Villaret”.
A locução (fonte de incompreensão nos dois lados do Atlântico) e a educação foram também mencionados – “temos de voltar a aprender a falar” – para no final se sublinhar, mais uma vez, a importância do intercâmbio. Afinal, este contribui para a “sobrevivência de uma língua e de uma cultura”, concluiu Fernanda Montenegro.

Fonte: www.oprimeirodejaneiro.pt

Atualizado em 20.06.04