06-08-2014Frederick Cooper: A guerra abalou o mundo dos impérios, mas não o transformou fundamentalmenteCompartilho uma entrevista recente de Frederick Cooper que nos ajuda a entender o mundo de hoje e o que vem por aí! Mas concordo com o historiador Frederick Cooper quando diz que melhor que o conceito de “legado histórico” é o de “trajectória”, para examinar os diferentes padrões de mudança, através das suas voltas e reviravoltas e de que na avaliação da história precisamos relembrar-nos da importância de pensar sobre as escolhas feitas e as consequências que estas poderiam ter tido. Frederick Cooper: “A guerra abalou o mundo dos impérios, mas não o transformou fundamentalmente” Nesta entrevista, o historiador norte-americano Frederick Cooper ajuda-nos a perceber a relação estreita entre dinâmicas e trajectórias imperiais e as causas e contextos da Primeira Guerra Mundial. Como sintetiza: “a Primeira Guerra Mundial foi claramente uma guerra entre impérios”. PUBProfessor na Universidade de Nova Iorque, Frederick Cooper é um dos mais importantes historiadores da actualidade, centrando a sua investigação em inúmeros tópicos relacionados com a história comparada do colonialismo e do imperialismo. Tem publicado, com impressionante regularidade e elevada qualidade, obras sobre a História de África, sobretudo sobre os fenómenos da escravatura, do trabalho e políticas sociais coloniais, mas também se tem debruçado sobre questões de teoria social de um ponto de vista histórico, reflectindo sobre alguns dos problemas centrais das ciências sociais e humanas da contemporaneidade, por exemplo sobre o conceito de “identidade” e sobre as reflexões teóricas e a as manifestações históricas da “modernidade” e da “globalização”. O seu Decolonization and African Society: The Labor Question in French and British Africa (1996) é um dos livros mais importantes sobre as principais transformações políticas, sociais e económicas do colonialismo tardio.Mais recentemente, publicou Empires in World History: Power and the Politics of Difference (2010) com Jane Burbank, uma estimulante síntese crítica sobre a constituição e a pluralidade de trajectórias históricas das formações imperiais, a “mais durável forma de organização política na história mundial”, como nos recordam os autores. Baseada na longue durée histórica e mobilizando uma perspectiva comparada, esta obra é uma inegável obra de referência, cuja clareza não pode ser confundida com simplicidade ou superficialidade de análise, cuja sólida fundação empírica não exclui uma refinada reflexão conceptual e analítica, sabiamente ancorada em contextos históricos específicos.Entre outros aspectos de mérito que a sua obra tem revelado, que aliás emergem igualmente nesta entrevista, salientemos a resistência a narrativas teleológicas e a propostas particularistas; a valorização da dimensão comparativa; a ênfase na diversidade de estratégias e trajectórias de consolidação imperial, ou seja, a multiplicidade de repertórios de dominação colonial e a variedade de mecanismos legais, políticos, económicos e socioculturais mobilizados para estabelecer a desigual distribuição de poder e privilégio no interior das configurações imperiais, como explora, por exemplo, no seu recente Citizenship between Empire and Nation: Remaking France and French Africa, 1945–1960 (2014); e o reconhecimento das várias possibilidades históricas que marcaram a história dinâmica dos impérios, sendo o período da Grande Guerra particularmente ilustrativo a este respeito, como se demonstra nesta entrevista. Uma colecção original de alguns dos seus mais importantes artigos será publicada este ano em Portugal, com o título Histórias dos Impérios. África e a modernidade (Edições 70).o historiador norte-americano Frederick Cooper publicou recentemente "Empires in World History: Power and the Politics of Difference" (2010) com Jane BurbankEnquanto conflito global, a Grande Guerra foi travada entre Estados-império, e não entre Estados-nação. Concorda com este argumento? A Primeira Guerra Mundial foi claramente uma guerra entre impérios. No nosso livro Empires in World History (2010), eu e Jane Burbank argumentámos neste sentido. A guerra emergiu do conflito entre um pequeno número de Estados-império, não entre as inúmeras “nações” que existiam na Europa. De facto, pode colocar-se a guerra na sequência de tentativas de longa duração para se reconstruir algo à escala do império romano, perante projectos imperiais rivais. A linhagem estende-se de Carlos Magno a Carlos V, a Napoleão e, mais tarde, a Hitler.O maior obstáculo a esse esforço foi a acção de outros impérios, igualmente capazes de mobilizar recursos ao longo de espaços linguísticos ou culturais comuns, dotados de afinidade histórica. Os impérios austro-húngaro, russo e otomano certamente que enfrentaram problemas na viragem para o século XX, mas permaneciam entidades a ter em conta. A sua desintegração foi uma consequência e não uma causa da guerra. As guerras balcânicas dos anos de 1870 e, depois, no início do século XX não criaram tanto uma alternativa “nacional” ao império, como desestabilizaram a relação entre impérios, cada um com recursos diversos e múltiplas alianças.E o Império alemão? O Império Alemão era desde 1870 uma nova força na política interimperial, com a incorporação de populações falantes de polaco, dinamarquês e francês, e a aquisição de colónias em África, Ásia e no Pacífico. Talvez tivesse ganhado a guerra de 1914-18 se os seus oponentes não tivessem mobilizado numerosas tropas e outros recursos vindos de uma vasta variedade de conexões imperiais.Como especialista reconhecido em formações imperiais, como caracteriza o impacto da I Guerra Mundial na história dos impérios? Quais foram os principais efeitos, digamos, da extensão imperial da guerra? A guerra evidentemente abalou o mundo dos impérios, mas não o transformou fundamentalmente, a não ser que se queira seguir Charles de Gaulle e ver as duas guerras mundiais como uma única “guerra dos trinta anos do século XX”. Essa formulação projecta, em demasia, uma aura de inevitabilidade pelo que aconteceu nos anos 1930 e 1940, mas julgo que há fundamento suficiente para que afirmemos que o resultado da primeira guerra não resolveu o problema fundamental do conflito interimperial.O Tratado de Paz de 1919 desmantelou os impérios dos vencidos mas não os dos vencedores. De facto, estes foram capazes de juntar outro componente aos seus repertórios de domínio, o território mandatado. A Alemanha continuou presa entre poderes imperiais antagónicos, lesada por não preservar as colónias a que essas potências entenderam ter direito. O modelo de autodeterminação – aplicado apenas à parte “branca” dos impérios – rapidamente provou ser uma desastrosa alternativa ao império, resultando numa vasta “desmistura” de povos, numa brutal mas vã tentativa de fazer o Estado coincidir com a “nação” na Europa, deixando em seu lugar Estados que eram tanto fracos como conflituosos. A reconfiguração do pós-guerra não ofereceu uma solução estável ao fim forçado dos impérios otomano e austro-húngaro.E no resto das geografias imperiais? O projecto imperial do Japão reforçou-se por se manter à margem da guerra interimperial, mas o seu problema geopolítico básico manteve-se: precisava de recursos de uma vasta região do sudoeste asiático e da Ásia oriental, mas grande parte dessa região era controlada por outros impérios – francês, holandês, britânico e americano – enquanto o anterior colapso da dinastia Qing deixou uma enorme incerteza no coração da política regional.O Japão, desde finais do século XIX, participava no jogo imperial numa maneira similar às potências europeias. A grande aposta que fez em 1941 reflectiu a insegurança da sua posição em relação a outros poderes imperiais.leia mais em http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/frederick-cooper-a-guerra-evidentemente-abalou-o-mundo-dos-imperios-mas-nao-o-transformou-fundamentalmente-1664523 |