Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


11-11-2004

Informativo Sebastião Coelho


Homenagem ao saudoso jornalista angolano Sebastião Coelho

Este um espaço dedicado ao continente africano e à diáspora

Envie-nos sua opinião que nós publicamos.

Nesta edição encontra:

  • Anotações de viagem-1a Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora – União Africana
  • Selo Negro lança a "Enciclopédia Brasileira
  • Angola: VINTE E NOVE ANOS DE INDEPENDÊNCIA
  • Resistência e direitos humanos em Cabinda em debate em França
  • Chefe da Casa Real D. Duarte de Bragança: «Ocasião é oportuna para uma negociação política» em Cabinda
  • Antropologia Os africanos em Portugal
  • Angola quer ajuda de Portugal e do Brasil para países pobres
  • A Sociedade Angolana através da Literatura
  • Petróleo, diplomacia e direitos humanos
  • A evolução de Moçambique na óptica de um académico
  • Reconstrução da História de Moçambique
  • Português Que (Ainda) Se Fala na África Lusófona
  • A propósito de Zumbi

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  • Anotações de viagem-1a Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora – União Africana

    Dakar, Senegal, de 6 a 9 de outubro de 2004

    Prof. Dr. Paulino Cardoso *

    Em junho deste ano, tomei conhecimento sobre a 1ª Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora, por intermédio dos professores doutores e africanistas Carlos Moore, consultor do Ministério da Educação, e Acácio S. Almeida Santos, vice-coordenador da Casa das Áfricas de São Paulo.

Organizada pela União Africana, o evento teve como tema "A África no século 21: Integração e Renascimento" e reuni cerca de 700 pessoas.

Segundo os organizadores, intelectuais e chefes de estados presentes na conferência, tratou-se do mais importante encontro de mulheres e
homens africanos e da diáspora dos últimos 40 anos. De fato, estavam
lá presentes muitos reitores, professores, escritores, dirigentes de organizações
não governamentais, embaixadores, ministros, 12 presidentes e outros
representantes das repúblicas africanas e também de países com
descendentes de africanos.

A conferência esteve organizada em torno de seis temas:
1.Pan-africanismo no século 21
2.Contribuição dos intelectuais africanos e da diáspora para a
consolidação da integração africana no contexto do século 21
3.Identidade Africana em um contexto multicultural
4.O lugar da África no mundo
5.As relações da África com suas diásporas
6.África, ciência e tecnologia

A metodologia do evento baseou-se na apresentação de documentos, comentários, debatedores e discussões com os participantes presentes nas comissões temáticas. Ao final, cada comissão elaborou seu relatório que foi lido e debatido em plenário. Sendo que o professor Theófilo Obenga, relator geral da conferência, responsabilizou-se pela entrega de um documento final no prazo de 30 dias após o encerramento do encontro. Por sinal, todos os grandes nomes da inteligência acadêmica estavam lá. Além de Obenga, Mafete Assante, Elikia Mbokolo, Joseph Ki-zerbo, Sheila Walker, e outros.

Chamou atenção o ritmo intenso da conferência: trabalhávamos por horas e horas seguidas, parando para o almoço, e alongando os trabalhos até as 19 horas. Além disso, conversávamos muito. Como disse Abdoulaye Wade, presidente do Senegal, na cerimônia de abertura, o simples fato de intelectuais de vários cantos do mundo, da Noruega ao Japão, de Uganda a Costa Rica, terem se reconhecido como africanos e se mobilizado para ir a Dacar, na África Ocidental , para discutir o futuro do continente e de sua diáspora, já foi um grande feito.

Outro aspecto que não pode ser ignorado, como disse uma colega da comissão que debateu "A contribuição dos intelectuais africanos e da diáspora para a consolidação da integração africana no contexto do século 21", foi uma certa ambigüidade existente na conferência. Era um encontro de intelectuais, muitos deles ligados ou exercendo cargos públicos, financiados e organizados por instituições estatais. Tal aspecto "tensionou" as discussões e, de algum modo, vinculou a agenda dos pesquisadores aos problemas sofridos pelos governos.

Não por acaso, a cerimônia de abertura e a mesa redonda com chefes
de estado que se seguiu teve um forte impacto entre os participantes. Para
mim, que não havia experimentado esse contato direto com lideranças de países
tão diferentes como Líbia (por teleconferência), Mali, Ruanda, Uganda,
África do Sul e Cabo Verde, os discursos foram impactantes e contribuíram para
repensar o modo como eu imaginava o continente e nossas relações com
ele.

Infelizmente, não consegui anotar todas as recomendações apresentadas pelos relatores dos grupos. E mesmo que quisesse, muito do que foi produzido, não estava nas plenárias mas nos muitos debates e acordos que ocorreram nos corredores, durante as refeições e inúmeras atividades paralelas.

Os intelectuais do continente centraram sua reflexão nas formas de implementação da integração efetiva da África. Seguindo a orientação de Abdoulaye Wade, M. Gadafi, Thabo Mbeki e outros, muitos, defenderam a necessidade da integração total do continente, criando instrumentos que levassem a criação dos Estados Unidos da África. Para tanto, defenderam a importância de se estudar os processos de integração econômica que deram certo (por exemplo, Mercado Comum Europeu), assim como a integração das universidades e a adoção de línguas francas, não-étnicas, como o suahili e o árabe.

Em relação aos afrodescendentes, o ponto consensual e de grande relevância foi a proposta de transformar o conjunto da diáspora na sexta região da União Africana. Os colegas da Comissão 5 (As relações da África com suas Diásporas) propuseram, ainda, o direito dos afrodescendentes à cidadania africana, com o fim dos vistos e livre trânsito pelo continente, um maior comprometimento dos governos com a luta pela melhoria das condições de vida e pelo combate ao racismo e outras formas de intolerância. E, nesta questão, vi no presidente de Cabo Verde, um aliado generoso e atento.


Indicaram, também, a necessidade de uma difusão da história e cultura dos povos de origem africana nas Américas e no restante do mundo nas instituições
escolares dos paises africanos.

A nota negativa foi a pequena presença de brasileiros. Infelizmente,grande parte dos intelectuais negros e negras, com vasta produção e grande
respeitabilidade, não foram contatados pelas pessoas responsáveis pela organização do evento no Brasil. Suas ausências demonstraram a urgência da consolidação da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), como nosso interlocutor institucional junto a diferentes agencias governamentais, da sociedade civil e de cooperação internacional, para que possamos dar visibilidade a nossa produção cientifica e as nossas demandas.
Creio que o evento se constituiu em um passo importante em nossa luta para recuperar o controle do discurso sobre nos mesmos, na medida em que nos foi possível fazer contatos com muitos intelectuais africanos, abrindo caminho,desse modo, em um futuro próximo, para a concretização de parcerias, intercambio acadêmico e cooperação cientifica.

Para nós, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da Universidade de Santa Catarina (UDESC), a conferência possibilitou divulgar as atividades da UDESC e angariar apoios junto às instituições de ensino superior africanas para o projeto de um consórcio interinstitucional de NEABs.

Creio que, igualmente, foi um passo importante em nossa luta para recuperar o controle do discurso sobre nós mesmos, na medida em que foi possível fazer contatos com muitos intelectuais africanos, abrindo caminho, desse modo, em um futuro próximo, para a concretização de parcerias, intercambio acadêmico e cooperação cientifica.

Ilha de Santa Catarina, 31 de outubro de 2004.

Paulino Cardoso é professor de Historia da África do Departamento de História e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) e Diretor Assistente de Pesquisa e Extensão (DAPE) do Centro de Ciências da Educação (FAED) da Universidade do Estado de Santa Catarina. Sua viagem e estadia em Dacar, Senegal, foram inteiramente financiadas pelo Programa de Participação em eventos da UDESC.

* para contatos com o professor .
f2pjfc@udesc.br

 

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  • Selo Negro lança a "Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana"

Com nove mil verbetes, a obra, assinada por Nei Lopes, compositor e escritor,

integrante do mundo do samba e militante da causa negra, é um

trabalho inédito e pioneiro. Ela reúne, em um único volume, uma gigantesca massa de informações ligadas à saga dos afro-descendentes nas Américas e em outras partes do mundo. Com isso, além de elevar a auto-estima da população negra, a obra aparece como referência fundamental entre os modernos estudos sobre o continuum africano na diáspora.

Sambista de sucesso, militante da causa afro-descendente e intelectual com senso prático, Nei Lopes há muito tempo percebeu a carência de uma bibliografia popular brasileira sobre assuntos africanos. Sem vinculação acadêmica, mas autor de 14 livros publicados (mais 2 já no prelo), há cerca de 10 anos ele decidiu produzir uma obra de cunho enciclopédico que reunisse, em um único volume e em forma de dicionário, informações multidisciplinares sobre o universo das culturas africanas, afro-americanas e afro-brasileiras. O resultado dessa inquietação e de longos anos de trabalho é a "Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana", lançada pela Selo Negro Edições. São nove mil verbetes, abordando assuntos dos mais diversos a partir do ponto de vista brasileiro — de biografias a vestuário; de fatos históricos e contemporâneos a acidentes geográficos, flora e fauna; de festas e divertimentos a profissões e atividades.

Inédita e pioneira pelo conteúdo e pela metodologia de pesquisa, de forte compromisso com o registro fiel e exato das informações coletadas, a obra tem a alma de Nei Lopes. Sempre criativo em suas realizações, ele vem enriquecendo o panorama da cultura nacional com a sua singular capacidade de elaborar e interpretar a dimensão mais densa e profunda da africanidade no país.

Um dos grandes objetivos da Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, segundo o autor, é popularizar conhecimentos antes restritos a especialistas, num momento em que ocorrem no Brasil reformas de currículos escolares, em uma perspectiva mais afrocentrada. Nesse sentido, a obra vai muito além dos estereótipos freqüentemente associados ao negro brasileiro — cuja participação na formação da cultura nacional é recorrentemente restrita às áreas do folclore, da música, da dança e da culinária. De acordo com Elisa Larkin Nascimento, pesquisadora e co-fundadora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, "a Enciclopédia é um compêndio de informações complexas, aprofundadas e não divorciadas de seu contexto mais amplo, a matriz cultural do mundo africano".

Outro alvo importante é a auto-estima do negro. Para o autor, a Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana sinaliza um passo decisivo na reflexão para construção de uma auto-estima positiva na emocionalidade do leitor afro-brasileiro. "São referências onde o leitor negro se localiza e se estrutura para construir a tão buscada e quase nunca atingida auto-estima", diz. Nei Lopes lembra que nas publicações disponíveis, o negro parece só ter interesse etnográfico. "Nessas obras, raramente figuram heróis, sábios, grandes homens. Para essas publicações, em geral, o vocábulo ‘negro’ define, no Brasil, mais uma categoria social, já que os ‘grandes homens’, quando afro-descendentes, são apenas ‘nascidos em lar humilde’ e quase nunca efetivamente ‘negros’".

A paixão e o engajamento nas questões da negritude, independentemente de vínculos acadêmicos, fez com que Nei Lopes, estudioso e pesquisador nato, mergulhasse em um minucioso e rigoroso processo de pesquisa para produzir verbetes curtos e resumidos. A ótica desenvolvida dedica bastante ênfase às biografias de anônimos que fizeram ou fazem parte da história africana, como revolucionários, líderes religiosos e educadores. No que diz respeito à religião de origem africana, o autor procura fechar um círculo de informações no tripé Brasil-Cuba-África.

Entre os diversos verbetes, o leitor saberá, por exemplo, quem foi Diane Abbot (1953). Parlamentar inglesa em Londres, filha de pais jamaicanos, ela tornou-se a primeira mulher negra eleita como membro do Parlamento Britânico em 1987. Destacou-se na defesa anti-racista dos imigrantes pobres e das minorias étnicas. No campo da religião, Nei procura, por exemplo, desconstruir a satanização do vodu haitiano, mostrando-o apenas como uma religião sincrética, de forte participação na História daquele importante país — matriz, no século XIX, a libertação negra nas Américas.

Resumindo, como diz Emanoel Araújo, artista plástico e organizador do livro "A Mão Afro-brasileira", um dos apresentadores da obra: Nei Lopes, com talento sensível e legítimo, "tem na alma o sentido do tempo, a busca da permanência, a continuidade da vida como ela é."

 

O autor

Nascido na zona suburbana carioca em maio de 1942, Nei Lopes bacharelou-se pela antiga Faculdade Nacional de Direito da atual UFRJ aos 24 anos de idade. No início dos anos de 1970, abandonando a advocacia, encetou carreira artística, tornando-se primeiro publicitário e depois compositor profissional de música popular. Na década seguinte, destacou-se também por sua militância pelos direitos civis do povo negro, publicando a partir de 1981 alguns livros pioneiros, como "Bantos, Malês e Identidade Negra", "O Negro no Rio de Janeiro e sua Tradição Musical", "Sambeabá" e "Novo Dicionário Banto do Brasil", além de artigos e ensaios no exterior e coletâneas de contos e poemas, sempre evidenciando sua condição de brasileiro afro-descendente. Na música popular, é autor consagrado em parcerias e interpretações de grandes nomes de suas obras, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Martinho da Vila, entre outros.

Livro: Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana

Autor: Nei Lopes Editora: Selo Negro Edições

Preço: R$ 129,00 Páginas: 720 pag. (17 x 24 cm)

Mais informações– 11-3814-4600

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Angola: VINTE E NOVE ANOS DE INDEPENDÊNCIA
2004-11-10

Angola assinala nesta quinta-feira o 29º aniversário da independência, mas a evocação da data diverge segundo se é poder ou oposição. O poder brinda à efeméride com inaugurações, e a oposição responde focalizando o estado presente do país.

Na tónica do discurso governamental, ainda ontem vincada pelo próprio Presidente da República, o pior ficou para trás, no passado. Isto é, no percurso difícil que se seguiu depois da independência «por causa das guerras de agressão e do conflito entre irmãos mas, felizmente tudo terminou num acordo de reconciliação nacional e paz». O extracto é das declarações do presidente José Eduardo Dos Santos depois de inaugurar o memorial sobra a batalha de Kifangondo, onde se confrontaram as forças do MPLA (vitoriosas) e da FNLA (derrotadas).

O acto foi o pontapé de saída de um programa que inclui mais de uma centena de inaugurações em todo o país, desde pequenas infra-estruturas de apoio às populações até grandes empreendimentos nas principais cidades. A nova pista do Aeroporto de Ondjiva, capital provincial do Cunene, a estrada nacional que liga as províncias da Huíla e do Namibe, recentemente reabilitada, e a abertura ao trânsito do Viaduto do Prenda e o alargamento da estrada da Samba, em Luanda, são algumas das inaugurações de destaque previstas. O acto central das comemorações vai decorrer na província do Namibe, para onde seguiu Dos Santos hoje e onde vai reunir a Comissão Permanente do Conselho de Ministros. Em suma, para o poder, pesem embora as dificuldades, está-se doravante diante de um futuro risonho.

PAÍS CONTINUA ADIADO

Esta visão não colhe a concordância do maior partido da oposição, a UNITA, que sublinha: «Infelizmente, o país continua adiado. O amanhã risonho que a independência deveria proporcionar esvaneceu-se, dando lugar ao medo e à incerteza». A posição está contida na declaração do Comité Permanente da sua Comissão Política sobre a efeméride. No seu ponto de vista, «o país continua refém da corrupção em larga escala, da arbitrariedade e da caridade internacional».

A UNITA apela, por conseguinte, «à união de todas as forças vivas do país num esforço para a construção de uma Angola verdadeiramente democrática, livre do medo, da pobreza e da corrupção».

ACORDOS DE ALVOR

Angola tornou-se independente a 11 de Novembro de 1975. A data constou dos Acordos de Alvor, rubricados pelo governo português e pelos líderes do MPLA, UNITA e FNLA, os três movimentos de libertação angolanos. Na noite desta data, Agostinho Neto, que veio a ser o primeiro presidente de Angola, proclamou a independência em Luanda. Valeram-lhe o forte apoio militar do então bloco soviético, que destacou um poderoso contigente de militares cubanos, e o seu rápido reconhecimento pela Organização da Unidade Africano.

Os seus rivais, Holden Roberto, da FNLA, e Jonas Savimbi, da UNITA, fizeram idêntica proclamação na cidade do Huambo, onde eram apoiados pelas forças sul-africanas da era do apartheid. À derrota militar dos rivais, seguiu-se uma guerra civil que se prolongou até praticamente 2002, ano em que sucumbiu Savimbi.

Mas, quase três décadas depois do dia histórico da independência, Angola ainda não conseguiu atingir os patamares do desenvolvimento nem melhorar as condições de vida dos seus cerca de 14 milhões de habitantes, apesar das suas imensas riquezas naturais. A fome e as doenças continuam a ser um problema para uma parte significativa da população, especialmente do interior. As más condições de acesso, quer pelo perigo das minas quer pela degradação das estradas, são um entrave acrescido ao desenvolvimento de várias regiões do país, onde mesmo os parceiros humanitários chegam com dificuldade. A tendência à litoralização do desenvolvimento é evidente, como também cresce a tendência da população em concentrar-se nas grandes cidades e suas periferias. Na capital, onde se estima que se concentrem cerca de quatro milhões de pessoas, as condições de vida são difíceis, devido à falta de empregos, baixos salários, e desajuste entre as infra-estruturas e parque habitacional e a pressão de uma população tão numerosa. Os dados oficiais referem que mais de 60 % da população angolana é afectada pela pobreza.

ESTATÍSTICAS ELOQUENTES

As estatísticas indicam que apenas 38 % da população tem acesso a água potável e 44 % dispõe de saneamento básico. As estatísticas dizem ainda que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade. Os dados oficiais dizem ainda que 12 % dos hospitais, 11 % dos centros de saúde e 85 % dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos. A taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças que nascem. As preocupações na área da Saúde incluem também o combate à malária, à doença do sono e à tuberculose, que provocam dezenas de milhares de mortos anualmente. Os números dizem ainda que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos fica fora do sistema de ensino.

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Resistência e direitos humanos em Cabinda em debate em França

Cabinda não é Angola

Grenoble acolhe iniciativa do CAARC

2004-11-10 09:42:01

Grenoble - «A situação dos direitos do homem: os motivos da resistência em
Cabinda» é o título da conferência-debate que o Comité de Acção de Apoio aos
Refugiados Cabindeses (CAARC) promove, esta quarta-feira, na Maison des
Associations, em Grenoble, França.

Em cima da mesa estarão aspectos relacionados com a história dos resistentes
cabindas e os direitos humanos no enclave, tendo em conta que o MPLA (partido no poder em Angola) justifica muito das suas acções de violação dos direitos do homem como forma de combate à resistência e consequência da guerra.

 

O início formal da resistência armada cabinda remonta à criação da Frente de
Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), que em Novembro de 1975 optou pela luta armada como meio para travar a «ocupação angolana no território». Quase trinta anos depois, continua no terreno.

 

Nos últimos dias, Grenoble tem sido palco de uma série de iniciativas sobre
Cabinda. A cidade acolheu já uma conferência-debate sobre «O petróleo e a
guerra em Cabinda», com François-Xavier Verschave, jornalista francês
especializado em assuntos africanos, e um espectáculo de teatro activo, pela
Afric´Impact, intitulado «Cabinda, o Kuwait de África».


Grenoble recebeu também um encontro literário com a escritora Virginie
Mouanda Kibinde, autora do livro «Au soleil noir du Cabinda» («O Sol Negro de
Cabinda», uma reedição da obra «As almas da Floresta»), uma exposição e um
serão dedicado a Cabinda, animado por música, projecção de filmes e
degustação de especialidades cabindas.

(c) Ibinda.com

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Chefe da Casa Real D. Duarte de Bragança: «Ocasião é oportuna para uma negociação política» em Cabinda

2004-10-22 17:03:08

Lisboa - D. Duarte de Bragança considera que o actual momento é «oportuno»
para uma negociação política entre Cabinda e Angola, «em termos aceitáveis
para ambas as partes». Em entrevista ao Ibinda.com, o chefe da Casa Real, que
visitou o enclave na década de 70, mostrou-se disposto a continuar a luta
pelos direitos do povo cabinda, tal como fez em Timor-Leste, e classificou
como «um passo fundamental» a recente fusão da FLEC/FAC e da FLEC Renovada e a criação do Fórum para o Diálogo.

«No caso de Cabinda o silêncio é em grande parte devido a interesses
económicos e políticos. Mas estes podem mudar e a situação actual pode vir a
ser muito perigosa para Angola, considerando que há poderosos países em
África que estão muito preocupados com a grande influência militar angolana
na região», declarou D. Duarte. Por isso, considera que «a ocasião é oportuna
para uma negociação política em termos aceitáveis para ambas as partes».

Questionado se após ter sido «embaixador» da questão de Timor pretende ter o
mesmo compromisso e projecto com a questão de Cabinda, D. Duarte de Bragança respondeu: «Desde 1969 que venho lutando para que seja feita justiça aos cabindas. Considero isso uma obrigação moral do chefe da Casa Real.

 

Dizem as pessoas 'politicamente correctas' que não vale a pena, que é um caso perdido, etc. Diziam o mesmo do caso de Timor, acham que por pragmatismo se deve aceitar as situações injustas». Lembrou ainda que «além do mais, até 1991, a União Soviética tinha uma extraordinária máquina de manipulação da opinião internacional, e curiosamente essa máquina continua em parte a funcionar, talvez em 'roda livre', talvez financiada por outros. Há movimentos de
libertação 'bons' e 'maus', até há 'bons terroristas'».

 

Em diversas ocasiões, D. Duarte de Bragança apresentou a sugestão de Angola
assumir os compromissos estabelecidos no Tratado de Simulambuco, provocando várias reacções de algumas personalidades que a consideram inaplicável. «Por todos os motivos expostos e por considerar urgente terminar com os sofrimentos do povo de Cabinda acho que a 'paz possível' será esta. Mas admito que muita gente de Cabinda discorde da minha proposta, sobretudo os exilados, sempre mais exigentes do que quem vive pessoalmente as agruras da guerra. Esta situação sucedeu em muitos casos semelhantes».

«A actual situação política é totalmente desfavorável a qualquer movimento
independentista em todo o mundo. Por isso eu defendo uma solução viável que
possa ser aceite por Angola e pelos cabindas nestas circunstâncias», deixou
claro D. Duarte de Bragança.

Quanto à recente fusão da FLEC/FAC e a FLEC Renovada e à criação do Fórum para o diálogo, que contou com apoio do vigário geral de Cabinda e outros membros do clero, além da sociedade civil, o duque de Bragança considera ter sido dado «um passo fundamental», que já deveria ter acontecido há muito. «É um passo fundamental. Não consigo compreender porque demorou tantos anos. A situação anterior era inadmissível e escandalosa», sublinhou.

A questão da independência e do direito à autodeterminação do povo de Cabinda é outro assunto que D. Duarte de Bragança não esquece. «Segundo a Carta das Nações Unidas e o Direito Internacional não se pode negar a nenhum povo o seu direito à autodeterminação. Nenhum dos territórios portugueses em África e Timor puderam exercer esse direito no momento em que acederam à
independência», recordou o chefe da Casa Real. «Ninguém lhes perguntou se
quereriam ser Estados Associados, ou Confederados, a Portugal, por exemplo,
porque o que se tratou era de satisfazer os interesses dos imperialismos
ideológicos e políticos da época, aos quais os nossos revolucionários de 1974
se encontravam enfeudados. Ora, Cabinda constitui um povo com um território e
uma História própria», salientou ainda.

D. Duarte de Bragança conheceu Cabinda nos anos 70, altura em participou nas
comemorações do Tratado de Simulambuco. «Fiquei muito impressionado com o nível cultural das pessoas que encontrei, mesmo gente simples do Maiombe
tinha conhecimentos de História muito interessantes e a cultura do povo tinha
uma qualidade superior ao que geralmente se encontra nos mesmos grupos
sociais na Europa ou em África. As mulheres vestiam-se com muita elegância, a
arquitectura rural era de qualidade, e vi loiça da Companhia das Índias pendurada nas paredes de casas de madeira no interior, trazidas por antepassados que foram ao Oriente como marinheiros e comerciantes nas naus
portuguesas», contou ao Ibinda.com.

 

«Os jornalistas que me entrevistaram para a rádio perguntaram-me se eu chava
que o Tratado de Simulambuco estava a ser respeitado pelo Governo, ao que eu
dei a minha opinião de que não estava. Mais tarde fui criticado pelo director
da DGS por dizer isso, e pelo governador, embora eles estivessem de acordo,
em privado, com a minha opinião», relatou o duque de Bragança.

Segundo o chefe da Casa Real, «o general Themudo Barata, governador em 1974, o general Oliveira e Sousa, o coronel Herculano de Carvalho (director da
rádio Voz de Angola), e muitos outros militares e políticos achavam que o
Tratado deveria ser aplicado integralmente, por ser justo e por ser
politicamente conveniente. Infelizmente, em Lisboa vencia a cobardia política
ou a traição, como se viu mais tarde».

Na opinião de D. Duarte, que foi embaixador da questão timorense, os Governos
preferem muitas ignorar os problemas que possam ser nocivos aos interesses
económicos. «Sempre defendi que a situação era muito semelhante, pois que a
maioria dos Governos preferem ignorar os problemas incómodos que possam
prejudicar os seus interesses económicos. Do ponto de vista jurídico são
situações diferentes, é claro. A semelhança existe é com o caso do Ruanda e
do Burundi, que eram protectorados belgas administrados a partir de
Leopoldville, capital do Congo Belga, mas que receberam independências
separadas para respeitarem os direitos históricos dos seus povos», explicou.

«Em Portugal, em 1975, poucos estariam interessados em direitos dos povos. O
programa do Movimento das Forças Armadas prometia consultas democráticas para decidir o futuro, mas os agentes da União Soviética e os 'imbecis úteis' (na
terminologia soviética), encarregaram-se de cumprir os objectivos traçados.
Isto foi o verdadeiro '25 de Abril, o resto foi poesia», afirmou.

D. Duarte de Bragança dirigiu ainda uma mensagem ao povo de Cabinda: «Os
portugueses não vos esqueceram. Vós tendes que continuar unidos e procurar
uma solução justa e possível para o vosso povo».

(c) Ibinda.com

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Antropologia Os africanos em Portugal
Jorge Heitor <jheitor@publico.pt>


A existência em Portugal de muito mais de 100.000 cidadãos de origem
africana, nomeadamente em concelhos como Cascais, Oeiras, Amadora e Loures, levou a antropóloga brasileira Neusa Maria Mendes de Gusmão a elaborar um estudo sobre multiculturalidade e educação que a Imprensa de Ciências Sociais (do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) mandou imprimir.
Para quem queira saber, sobretudo, dos cabo-verdianos, angolanos e
guineenses que na década de 90 proliferavam na paisagem portuguesa, antes de aqui terem chegado em ritmo avassalador brasileiros e naturais do Leste
europeu, é bom fazer um grande esforço de compreensão, pois que a realidade
é bastante complexa.
As secas em Cabo Verde e as guerras em Angola e na Guiné-Bissau atiraram
para a antiga metrópole, ao longos dos anos, muitas dezenas de milhares de
cidadãos, a juntar aos africanos que já por aqui viviam na altura da
descolonização, em 1974/1975.
Portugal é hoje em dia um espaço bem diverso do que o era à data do 25 de
Abril e para isso contribuem de forma muito significativa tantos jovens de
ascendência africana que frequentam os seus estabelecimentos de ensino e
enchem os seus meios de transporte, numa realidade em constante evolução.
Em muitas escolas portuguesas, a maioria dos alunos não tem pais europeus,
mas sim nascidos nas terras de África, o que obriga a redobrados esforços
tanto para professores como alunos, num sistema que nem sempre está muito
bem preparado para essa realidade multicultural.
“Fazer algo inteiramente novo é uma possibilidade, mas gera muita incerteza”, sublinha a autora deste olhar brasileiro sobre a realidade negra e africana num Portugal que ainda há 30 anos se considerava homogéneo e que actualmente já conta com mais de 435.000 estrangeiros, o que nos tempos do Estado Novo se consideraria impensável.
Algumas políticas de cunho multicultural “prometem tudo, realizam muito
pouco e geram insegurança, que atinge a todos”, diz-se no trabalho em causa,
que defende uma “antropologia da educação”, capaz de estabelecer pontes
entre diferentes experiências e saberes.

Título: “Os filhos da África em Portugal”

Autor: Neusa Maria Mendes de Gusmão
Editor: Imprensa de Ciências Sociais
Págs. 362

 

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Angola quer ajuda de Portugal e do Brasil para países pobres
09-11-2004 13:43:00. Fonte LUSA

Brasília, 09 Nov (Lusa) - O responsável pela Formação de Quadros da Educação de Angola defendeu hoje que Portugal e o Brasil devem mobilizar recursos humanos e financeiros para melhorar a educação nos outros países da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

"É preciso, por exemplo, que as empresas portuguesas e brasileiras
instaladas em Angola sejam mobilizadas e associem aos seus programas sociais esse esforço de educação para todos", disse à Agência Lusa Justino
Jerónimo, director-geral da Formação de Quadros da Educação de Angola, que representa o país na IV Reunião Mundial de Educação, em Brasília.

Segundo o representante do governo de Angola, esta é uma nova vertente do
relançamento de sistemas educativos, sobretudo em relação à formação
profissional.

"Se não temos as pessoas bem preparadas, elas serão excluídas do mundo do
trabalho, porque não foram preparadas para a competitividade do mundo
globalizado. Esta é uma das nossas maiores preocupações", afirmou.

Justino Jerónimo defendeu ainda que as experiências de Portugal e do Brasil
que resultaram em melhorias na educação sejam aproveitadas o mais
rapidamente possível pelos outros membros da CPLP - Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. "Não temos
que reinventar a roda. Se houve experiências positivas, vamos adaptá-las ao
nosso contexto e vamos utilizá-las", assinalou, lembrando que Portugal deu
grandes passos em relação à educação nos últimos 15 anos.

O responsável para a Formação de Quadros da Educação de Angola disse ainda que a actual reforma do sistema educativo de seu país não passa apenas por um engajamento maior de recursos financeiros, mas por uma preocupação com a qualidade da educação.

Justino Jerónimo lembrou que muitos países da África Subsaariana investiram
recursos financeiros significativos no sector nos anos 60 e 70, mas isso não
foi suficiente para garantir a qualidade da educação.

"Portanto, é importante recorrermos às experiências positivas quer de
Portugal quer do Brasil para que possamos alcançar uma mudança na qualidade
da educação com os recursos disponíveis", afirmou.

A situação da Educação em Angola é semelhante à de Moçambique e da
Guiné-Bissau, que surgem na "cauda" de uma tabela da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) que mede o progresso
geral de 127 países rumo à "Educação para Todos".

No relatório da UNESCO divulgado nesta segunda-feira, Moçambique encontra-se em 121º lugar e Guiné-Bissau em 125º, apenas à frente do Níger e do Burkina Fasso.

Já Portugal está no grupo de países com alto índice de desenvolvimento da
educação (34º lugar), enquanto o Brasil situa-se numa posição
intermediária (72º), apresentando ainda problemas relacionados à falta de qualidade da Educação.

De acordo com a UNESCO, a ajuda internacional à educação básica está
estimada actualmente em 1,5 mil milhões de dólares por ano (1,156 mil
milhões de euros no câmbio actual) e deve aumentar em mais 2 mil milhões de
dólares anuais (1,5 mil milhões de euros) ao longo dos próximos anos.

Mas esta cifra, segundo a organização, ainda está aquém dos estimados 5,6
mil milhões de dólares (4,3 mil milhões de euros) necessários para alcançar
a educação primária universal até 2015, uma das metas assumidas no Fórum
Mundial da Educação em Dacar, no Senegal, no ano de 2000.

CMC.

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A Sociedade Angolana através da Literatura

(1978), de Fernando Augusto Albuquerque Mourão:

 

Da contacapa:

 

Revolução e Literatura

 

Em A Sociedade Angolana através da Literatura , alinham-se duas ordens de análise dentro da perspectiva de dar ao leitor, através do quadro do movimento literário desse jovem país africano, principalmente nas décadas de 30, 40 e 50, as raízes do processo do nacionalismo angolano no enfoque de uma literatura negra de expressão portuguesa. Essa dupla ordem de análise se reporta inicialmente à literatura de Luanda, capital de Angola, cidade onde, desde o fim do século passado, começaram a surgir movimentos artísticos dotados de características específicas.

 

A análise se relaciona, outrossim, com a obra de Castro Soromenho, a qual pode ser dividida em duas fases fundamentais: o escritor da África Tradicional e o romancista do Processo Colonial.

 

A obra interessa ao público em geral como elemento de compreensão dos acontecimentos que culminaram com a independência da jovem nação angolana e, em especial, aos estudiosos e estudantes de sociologia e literatura como uma contribuição fecunda à sociologia da literatura.

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Petróleo, diplomacia e direitos humanos

“A Diplomacia Económica Americana em Angola tem-se pautado, durante a
Administração Bush, pela ligação entre as questões de segurança na região e
o aumento da importância do petróleo angolano face ao conflito existente no
Médio Oriente”, destaca Ana Paula Fernandes num estudo agora publicado em
Portugal, com prefácio do moçambicano Fernando Jorge Cardoso.
No entanto, o envolvimento económico dos Estados Unidos em Angola deveria
ser acompanhado pelo reforço das estruturas democráticas deste país
africano, pelo respeito dos direitos humanos e pela transparência, considera
aquela reflexão sobre as estratégias de relacionamento entre Washington e
Luanda, duas capitais que há 15 anos pareciam muito afastadas uma da outra e
que entretanto bastante se têm aproximado.
A obra, que resultou de uma tese de mestrado em Desenvolvimento Social e
Económico, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em
Lisboa, estuda a medida em que os interesses económicos das multinacionais
petrolíferas têm sido dominantes na actuação diplomática da América em
relação ao regime angolano.
A presença das multinacionais petrolíferas ajudou o MPLA a derrotar os seus
inimigos internos, explica a portuguesa Ana Paula Fernandes, num dos
primeiros livros deste género que até hoje se publicaram na Europa, depois
de na França já haver surgido “Cabinda un Koweit african”, de Alban Monday
Kouango, com prefácio do padre Jorge Casimiro Congo.
Os anos 90 representaram uma reviravolta na política externa norte-americana
em relação a Angola, que anteriormente era tida como um aliado do bloco
comunista e que depois passou a ser um amigo da Casa Branca; “petróleo
oblige”. As Administrações Clinton e George W. Bush ajudaram o Presidente
José Eduardo dos Santos a derrotar a UNITA e a fazer o mundo esquecer o
drama do povo de Cabinda.
Foi em 1956 que os primeiros barris de petróleo da plataforma continental
angolana vieram para o exterior e em 2003 que a produção média se aproximou
dos 930.000 barris por dia, com a previsão de que em 2008 chegará aos dois
milhões de barris, o actual nível da Nigéria, que é ainda o maior produtor a
sul do Sara.
O crescimento do sector petrolífero angolano tem sido tremendo nos últimos
20 anos, mesmo que isso possa significar uma razia das populações do
território de Cabinda, como nota Kouango, exilado na Suíça desde 1998,
depois de ter sido empregado do grupo Elf-Aquitaine. Jorge Heitor

Título: “EUA e Angola: A diplomacia económica do petróleo”
Autor: Ana Paula Fernandes Editor: Principia
Págs. 188 Preço: 14,45 E

Título: “Cabinda un Koweit African”
Autor: Alban Monday Kouango Editor: “L’Harmattan”
Págs. 280 Preço: 23 E

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A evolução de Moçambique na óptica de um académico

"A actividade científica é apenas uma das maneiras de dar conta da realidade"

Uma entrevista com João Paulo Borges Coelho

Na altura em que saiu em Lisboa o seu segundo romance, "As visitas do Dr. Valdez", um ano depois de "As Duas Sombras do Rio", um multifacetado professor da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, faz-nos o balanço da vida académica em Moçambique e dos novos caminhos que a literatura está ali em vias de encetar. por Jorge Heitor

João Paulo Constantino Borges Coelho, doutorado em História Económica e Social pela Universidade de Bradford, no Reino Unido, é um dos muitos intelectuais moçambicanos que têm as suas raízes fora da África Austral e que assim conseguiram enriquecer o espólio cultural da jovem nação, em cujos pergaminhos coexistem um Mia Couto e um Malangatana, um Craveirinha e um Aquino de Bragança. Cidadão de um país que foi buscar quadros desde o Douro até Goa.

 PÚBLICO - O que é que faz com que uma pessoa nascida em Portugal opte por uma nacionalidade africana?

Borges Coelho - O nascimento no Porto foi um acaso. Fui para Moçambique com alguns meses, de modo que, de alguma maneira, nasci lá. Pertenço a uma família muito dividida, no sentido em que o meu pai é daqui, mas a minha mãe é de lá. E foi lá que tive consciência de mim.

P - Como é que recebeu o 25 de Abril e a independência de Moçambique?

R - Em princípios de 73 vim estudar para Lisboa, tendo regressado a Moçambique dois meses depois da proclamação da independência (em 1975). Fiz um percurso ao contrário do normal. Era uma altura de grandes dificuldades, mas também de grande entusiasmo. Havia um projecto social, do ponto de vista de construir um país. Foi uma época de grande entusiasmo.

P - Como é que evoluiu o mundo académico em Moçambique?

R - A Universidade era ainda um espaço de elite, herdado do período anterior; mas foram tempos muito positivos, na medida em que Moçambique era uma experiência nova, que despertava muita curiosidade entre os intelectuais. Na área das Ciências Sociais beneficiámos da visita de grandes académicos da França, dos Estados Unidos, do Canadá, do Reino Unido. Era um período de grande debate intelectual. Uma zona privilegiada, a Universidade, apesar das dificuldades. A partir da década de 80, as coisas tornaram-se um pouco mais complicadas, em termos de recursos. Mas passa por aí também a autonomia da própria Universidade, como espaço de pensamento.

P - Não tem sido particularmente difícil ter uma vida académica num país bastante pobre?

R - A Universidade foi sempre tida como um espaço importante. Paradoxalmente, é nos tempos mais recentes que as suas dificuldades se acentuam, porque a rota natural da massificação traz consigo problemas em relação à qualidade. Talvez não seja actualmente encarada como tão importante como o foi no passado. Aumentou imensamente o número de estudantes na Eduardo Mondlane, que era praticamente a única; e agora já há em Moçambique muito mais universidades, tanto estatais como privadas.

Pouca influência sul-africana

P - Grande influência das universidades sul-africanas?

R - Curiosamente, não. É agora que procuramos estabelecer mais pontes. Até 1992/1993, havia uma grande barreira. Era mais do que um oceano ou do que um continente a separar-nos. O Centro de Estudos Africanos era uma excepção e em grande medida funcionava com académicos sul-africanos no exílio (como Ruth First).

P- Para além da carreira de investigador, chegou a fazer inclusive banda desenhada e dedicou-se ultimamente ao romance.

R - Envolvi-me muito na área da História Contemporânea, mas sempre tive claro que a actividade científica é apenas uma das maneiras de dar conta da realidade. A literatura é um processo importante de interpretar aquilo que nos cerca.

P - Que influências é que teve na sua escrita?

R - Sempre li tudo o que me chegou às mãos, procurando não me ligar directamente a nenhum tipo de influência, mas fazer antes com que fosse um resultado de uma amálgama. Os clássicos europeus, alguma literatura africana. Lembro-me particularmente de António Quadros, pintor, escritor, homem de sete ofícios, que teve grande influência em mim. A poesia de Craveirinha, que era uma forma de racionalizar aquele presente.

P - Que obra é que tem agora mais avançada, para próxima publicação?

R - Um conjunto de narrativas extensas, que se desenvolvem ao longo de toda a costa de Moçambique, de 2.500 quilómetros, virada para o Índico, um espaço de cruzamento de rotas, muito complicado. Um projecto que procura dar conta da alma de cada lugar, ao longo da costa. Corresponde a um caminhar do Sul até ao Rovuma, à fronteira com a Tanzânia.

P - Como é que está a literatura moçambicana?

R - Está numa falsa crise, numa encruzilhada. Havia um tipo de literatura, nichos muito restritos; e tenho esperança de que brevemente seja possível um novo período, com muita gente a escrever, novos ângulos, novas maneiras de dar uma realidade que temos hoje, muito complexa, mais complexa do que tudo o que vivemos desde a proclamação da independência, com uma muito maior curiosidade sobre o que hoje se passa no mundo. Vivemos uma espécie de transição arrastada.

P - Alguém terá dado já como morta a literatura que se fazia nos últimos 10 anos?

R - Houve um período de relativo amadurecimento, em duas vagas. E um factor que me parece muito importante é a existência cada vez mais nítida de uma crítica literária importante, com nomes como Fátima Mendonça, Gilberto Matusse, Francisco Noa, Almiro Lobo... O que é importante para favorecer o surgimento de uma literatura mais consistente, consolidada e alargada. Mas infelizmente é ainda uma literatura muito de Maputo e um pouco da Beira, com pequenas iniciativas em cidades como Quelimane e Inhambane.

Do marxismo ao seu oposto

P - Já estamos muito longe de um país que foi criado com base nas doutrinas marxistas?

R - Estamos talvez no campo oposto. Houve uma grande abertura em termos políticos, com o acordo de paz de 92. As questões são mais complexas e os desafios tão grandes ou ainda maiores do que nos primeiros anos. O futuro resultará de um debate intenso de diferentes pontos de vista.

P - O aumento dos valores macro-económicos não correspondeu a um bom-estar geral.

R - Em certo sentido, as assimetrias até são mais acentuadas do que nunca. Há um grande dinamismo na construção de elites; mas há tembém grande número de moçambicanos a sobreviver nas margens. A pobreza está muito longe de ser erradicada. É o resultado de uma ordem neo-liberal que prevalece a nível internacional e que nos entra pelas portas e pelas janelas e que não conseguimos suster.

P - Há muito a fazer, no sentido de tornar mais homogénea a sociedade moçambicana?

R - Há a diferença clássica entre a cidade e o campo. Há diferenças entre um Sul relativamente mais desenvolvido e um Centro e Norte ainda muito na margem e que é preciso integrar. A parte meridional do país, mais próxima da África do Sul, está mais dotada de infraestruturas, enquanto o Norte sofre muito com a actual crise no Zimbabwe.

P - Como vai o trabalho de alfabetização?

R - Já se fez melhor. O regime socialista, porventura mais autoritário, tinha políticas sociais mais nítidas, no campo da saúde e da educação. Agora, no regime neo-liberal, o índice de analfabetismo é porventura maior do que já foi no passado. E o mercado para a literatura é ainda muito frágil. &&&

Reconstrução da História de Moçambique
Sábado, 02 de Outubro de 2004

Jorge Heitor

A trajectória política de um missionário presbiteriano que foi vice-presidente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e depois acabou por ser fuzilado durante os primeiros cinco anos após a proclamação da independência do país é traçada por Barnabé Lucas Ncomo no livro "Uria Simango - Um homem, uma causa", recentemente editado em Maputo, onde tem provocado grande polémica.

Numa altura em que um dos filhos de Uria, Deviz, assume a presidência do município da Beira, a segunda cidade do país, eleito nas listas da Resistência Nacional (Renamo), principal força da oposição, os moçambicanos tratam de reconstruir a sua História recente, a destes últimos 50 anos, desde que alguns indivíduos começaram a pensar numa luta de libertação nacional, contra a colonização portuguesa.

A base fundamental do trabalho de Ncomo é a correlação de forças que se verificou durante a primeira dúzia de anos da existência da Frelimo, dominada pelas figuras de Eduardo Mondlane, de Uria Simango e de Marcelino dos Santos, este último ainda vivo, se bem que relegado agora para um papel de referência histórica.

A análise do xadrez político moçambicano nas décadas de 60 e 70 interessa sobretudo a todos aqueles que sempre gostaram de acompanhar o processo de emancipação das antigas colónias e para os quais não são de forma alguma desconhecidos os nomes de Amílcar Cabral, Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade e Aquino de Bragança.

Uria Timóteo Simango acabou por ser morto com a conivência de alguns dos seus antigos companheiros de jornada, acusado de reaccionário e de traidor à causa que todos unira, mas o biógrafo procura agora reabilitá-lo, no sentido de se rectificar a História oficial que em Moçambique foi contada durante este último quarto de século.

O reverendo era um homem da província de Sofala, no centro do país, tal como Afonso Dhlakhama, o actual chefe da Renamo, de modo que entrou facilmente em conflito com a elite sulista, designadamente da província de Gaza, que em 1969 ou em 1975, para já não dizer mais tarde, se assenhoreara da Frelimo, transformando-a num movimento que não tinha igual implantação em todo o território nacional.

Ou, dito de outra maneira, a clique meridional é que o teria isolado e votado ao ostracismo, nas lutas internas que tantas vezes ocorrem nos movimentos políticos e que chegam a ter consequências trágicas. São os meandros sujos da política, que nem sempre é feita com dignidade; e que nesta altura está uma vez mais bastante viva em Moçambique, quando se aproximam as presidenciais e as legislativas de Dezembro.

Título: "Uria Simango Um homem, uma causa"
Autor: Barnabé Lucas Ncomo
Editor: Edições Novafrica
468 págs., ... euros

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Português Que (Ainda) Se Fala na África Lusófona
Por MANUELA BARRETO
Terça-feira, 19 de Outubro de 2004

Num inquérito num universo de 500 crianças cabo-verdianas à pergunta se
conheciam falantes de português, 72 por cento responderam que sim:
"Turistas"... Solicitados a reproduzir frases em português, muitos deram
exemplos ouvidos na sala de aula: "Estejam calados", "Despachem-se", "Vamos
distribuir o lanche", "O sino vai tocar"... Com mais de 98 por cento de
crianças escolarizadas, o domínio do português está longe de ser um facto
em Cabo Verde, sendo o crioulo (um dialecto que mistura português e língua
local) que permite a plena comunicação.

Que português se fala, então, na África lusófona? A questão foi objecto de
uma mesa-redonda no segundo dia do 20º Encontro Nacional da Associação
Portuguesa de Linguística, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian em
Lisboa, na semana passada.

Moderada pela professora Maria Helena Mira Mateus, da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, a mesa-redonda contou com intervenções de
professoras e investigadoras de Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe, que deram conta do estado do ensino do português nestes países,
explicitando diagnósticos e estratégias para combater o evidente insucesso
escolar, uma vez deixado para trás o tempo de luta pela emancipação destes
países ante Portugal.

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A PROPÓSITO DE ZUMBI

 

Francisco Amorim *

 

Senhores

Milton de Mendonça Teixeira – intitulado professor de história

e

Marcos Barbosa – Diretor do Jornal “Folha Cultural”

Prof. Sérgio Dias – Reitor da Universidade Gama Filho

Diretor da PROTUR – Escola de Turismo

 

Rio, 17/11/2004

 

Senhores,

É um espanto ver como um indivíduo que se intitula professor de história em uma Universidade - e talvez tenha essa profissão, sem que saiba o que seja História - se arrogue o direito de deturpar a seu bel-prazer os fatos daquilo que é, de fato, História.

Num artigo sobre Zumbi dos Palmares, na “Folha Cultural” n° 39 de Novembro de 2004, o senhor Milton de Mendonça Teixeira torce os acontecimentos para afirmar que Ganga Zumba teria sido envenenado pelos portugueses!

Não sabemos de onde provém esta raiva do senhor Milton pelos portugueses! Que finalidade procura este senhor, mentindo, quando a história, aquela que é feita por historiadores e não por falsos professores, tem sabido que Ganga Zumba foi envenenado por seu sobrinho o, hoje famoso, Zumbi dos Palmares?

Será o senhor Milton descendente, pelo seu sobrenome, de algum outro povo que não fosse português? Se é tanta a sua raiva contra os seus antepassados, que o leva a ponto de deturpar a história, porque não muda o sobrenome para Milton Hitler, por exemplo? Ou Bush, ou Ho Chi Min, ou até para Milton Idi Amin Dada?

Todo o artigo que o senhor Milton escreve sobre Zumbi é um monte de disparates!

Que falta de consciência e de isenção, um dos primeiros predicados que deve enquadrar o pensamento de um historiador e/ou professor de história!

Como é que uma Universidade permite que um individuo deste calibre continue a lecionar, sabendo que está a mentir para os alunos? E a PROTUR?

Que pena que um jornal, simpático, como é a “Folha Cultural”, publique anti-cultura deste tipo!

Não é necessário falsear a história para que Zumbi continue a ser um símbolo da luta pela liberdade.

Mas o que o povo mais precisa, não é de quem lhe minta, mas de quem lhe conte as verdades. Destas pode orgulhar-se. Daquelas, só envergonhar-se.

 

* Francisco G. de Amorim

Rio de Janeiro

oyarzun@terra.com.br

“É preciso entender que a desigualdade no Brasil tem cor, nome e história. Esse não é um problema dos negros no Brasil, mas sim um problema do Brasil, que é de negros, brancos e outros mais”